Revista Música: como a pandemia afetou salas de concerto e de jazz

Pandemia acelerou tendências como o fechamento de salas e a maior oferta de conteúdo digital, apontam pesquisadores

Vida acadêmica

O show da pequena banda de sua cidade em um bar, a apresentação de uma orquestra ou os megashows em estádios de futebol: tudo isso tornou-se algo impraticável com o rápido avanço da pandemia. De repente, a única maneira possível de se ouvir música era dentro de casa.

No artigo Na pandemia: da sala de concerto ao clube de jazz, publicado na Revista MúsicaLuíza Beatriz Amorim Melo Alvim, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e Frederico Lyra de Carvalho, da Universidade de Lille, na França, abordam os impactos provocados pela pandemia nesses espaços, onde a presença dos músicos é vista como fundamental, seja pela acústica (caso das salas de concerto), ou pela importância da improvisação (caso do jazz). 

De início, eles fazem uma retrospectiva histórica, mostrando que apesar da situação inédita trazida pela pandemia, as discussões em torno da questão da música ao vivo e presencial não são de hoje. Essas questões remontam ao surgimento do fonograma, no fim do século XIX, e chegam aos  dias atuais, com a internet e plataformas de vídeo. Essas últimas, aliás, impuseram algo que os pesquisadores denominam como “o devir-vídeo da experiência auditiva musical”. Ou seja, a música passou a ser extremamente vinculada ao visual. 

 

Alternativas já eram necessárias antes da pandemia

 

Não é de se estranhar, portanto, que a primeira solução pensada para as imposições trazidas pelo distanciamento social foram as lives, que se esforçavam em simular a experiência de um show ao vivo. No caso das salas de concerto, o fechamento das fronteiras internacionais prejudicou as orquestras, que contam com membros de várias nacionalidades e que tocam em diversos países. O caminho encontrado foi o digital. 

Iniciativas no período pré-pandemia já vinham sendo desenvolvidas, como a oferta de streamings exclusivos ou a venda de apresentações individuais on demand. Por mais que, já no ano de 2020, algumas salas tenham voltado a funcionar, o uso dessas e outras ferramentas digitais cresceu ao longo dos últimos dois anos. Como mostra o artigo, “seria no mínimo estranho que se aceitasse a pandemia sem buscar soluções para além das ‘lives’ ”.

No caso dos clubes de jazz, o seu desaparecimento é uma tendência antiga, motivada pela queda na popularidade do gênero e pelas transformações mais recentes no modo de se ouvir música. Nestes locais, como nas salas de concerto, ainda que de modo distinto, existe uma formatação específica para a fruição da música. É um espaço feito para ouvi-la, mas também para se conversar e beber, o que se nota pela arquitetura intimista, que abriga no máximo algumas centenas de pessoas. Os autores apontam que observa-se até mesmo uma maior liberdade dos artistas nestes clubes do que nas grandes salas: “não é raro encontrar alguns músicos um pouco mais audaciosos e se arriscando mais nos seus improvisos nos clubes do que nas salas de concerto ou nos festivais”.

Foto de sala de concerto grandiosa e de decoração rebuscada, com seis andares de camarotes, todos lotados, bem como a plateia. No palco, está uma orquestra completa. O espaço onde as pessoas estão sentadas, assim como o palco, estão bem iluminados por uma luz amarelada.
Salas de concerto e de jazz são construídas pensando-se na experiência musical, de modo a proporcionar sensações e experiências que só podem ser vivenciadas nesses locais. Foto: Pixabay
 

Nos últimos anos, com a ascensão da escuta individualizada, em ambiente doméstico e via dispositivos digitais, os clubes de jazz já vinham perdendo público. Na Europa e nos Estados Unidos, clubes de cidades importantes para o cenário do jazz chegaram ao ponto de depender de auxílio de fundações ou do governo para sobreviver. O que a pandemia fez foi apenas acelerar o fechamento de muitos destes locais. 

 

O futuro das salas 

 

O fato é que a pandemia ceifou a vida de muitos espaços que vinham tendo dificuldades para se manter há um certo tempo. Os que conseguiram sobreviver terão que realizar algumas mudanças, como tornar seu repertório mais diversificado, indo além do jazz. Outra consequência possível, segundo Luíza e Frederico, é a elitização destes espaços, que tendem a mirar em públicos de maior valor aquisitivo por meio da elevação de preços e da inserção no circuito turístico das grandes cidades. 

O artigo conclui que o futuro das salas de concerto e dos clubes de jazz é incerto. Mas também não é possível dizer que eles irão sumir, uma vez que, com a liberação de aglomerações, as salas já voltaram a encher. Isso porque elas possuem acústica diferenciada e promovem a sensação de contato com os músicos, assim como uma sociabilidade com os outros ouvintes. Essas coisas não existem quando se ouve música sozinho em sua casa.

 

Revista Música 

 

A Revista Música é uma publicação semestral do Programa de Pós Graduação em Música (PPGMUS) da ECA USP, voltada para a divulgação de artigos acadêmicos, resenhas, traduções e entrevistas sobre a área musical

Em sua última edição, de dezembro de 2021, o periódico trouxe um dossiê sobre o legado musical do compositor Arnold Schoenberg e seu legado na América Latina, além de outros artigos com tema livre. 

 

 


Foto de capa: clube Jazz Standard, de Nova York (EUA). Foto: reprodução/ Olcott, 2020.