CCA | Departamento de Comunicações e Artes



De onde vem a influência do influenciador?

Professora Issaaf Karhawi, que pesquisa influência há mais de uma década, reflete sobre o que é preciso para que alguém seja reconhecido como ‘influente’

Artigos
comunicação
pesquisa
internet
redes sociais

Em 6 de agosto de 2025, o influenciador digital Felca postou um vídeo intitulado adultização em seu canal no YouTube. Enquanto redijo este texto, o vídeo marca mais de 50,5 milhões de visualizações.

No vídeo de quase uma hora, outro influenciador digital é mencionado: Hytalo Santos, acusado de sexualização e exploração de menores em conteúdos produzidos para as redes sociais.

Felca e Hytalo ocupam posições diametralmente opostas nessa história. De um lado, alguém que viraliza com uma denúncia; de outro, alguém acusado, após investigação do Ministério Público da Paraíba (MPPB), e preso por possível exploração de crianças e adolescentes em conteúdos publicados nas redes sociais.

Posições diferentes, mas a mesma alcunha para ambos: influenciador digital. O que nos leva a perguntar, com entusiasmo ou com assombro: quem são essas pessoas? Como pode um sujeito comum alcançar mais de 50 milhões de visualizações em um vídeo? E como outro acumulava 17 milhões de seguidores em um perfil no Instagram com conteúdos, no mínimo, questionáveis envolvendo crianças e adolescentes?

Em seu canal do YouTube, o professor Christian Dunker, do Instituto de Psicologia da USP, discute o vídeo publicado por Felca. Nele, apresenta uma série de provocações sobre como se dão os processos de reconhecimento pelos quais passam figuras como Hytalo Santos. Em algumas passagens, questiona: “Quem é essa pessoa?”, uma pergunta retórica que nos convida a refletir sobre nosso cotidiano, em que o “outro social” parece se esvair e em que o próprio sujeito define quem é, o que faz, por que faz e por que merece atenção – em uma economia da atenção, essa sob a qual operam as plataformas digitais. No final do vídeo, Dunker lembra que, além da condenação de Hytalo, outras questões devem ser trazidas à tona: 

“O que acontece aí? Condena-se o indivíduo, [mas] ele fez isso tudo sozinho? [...] Quem que estava junto com ele aí nessa história? Quem que estava junto e não levantou as orelhas [...]? Quem monetizou? Quem é que patrocinou? Quem é que pagou?”

Essas questões ampliam o debate e é aqui que entram os estudos de influência digital.

Pesquiso influenciadores há mais de uma década. Em 2018, concluí um estudo que acompanhou 52 blogueiras de moda, buscando entender como elas passaram de blogs amadores, criados como um passatempo, para práticas profissionais em parceria com marcas, inaugurando o chamado mercado de influência.

Foto da tela de um smartphone exibindo uma publicação no Instagram, com ícones de curtir, comentar e enviar mensagem. Abaixo dos ícones aparece “2.614 likes”. A imagem mostra parte de uma foto desfocada no topo e a interface do aplicativo em foco.
Foto: Brett Jordan/Unsplash.

Essa transição não foi simples nem linear. As blogueiras atravessaram diversas etapas e uma delas se mostrou central: a legitimação.

Essa etapa é imprescindível, uma vez que influenciadores digitais surgem no contexto da cultura da participação, quando as redes sociais abriram polos de produção e disseminação da mídia para sujeitos comuns, “amadores”. É nesse cenário que emergem os blogueiros, especialistas desconhecidos até então, que em outro contexto precisariam pedir licença à mídia tradicional para ocupar espaços de visibilidade.

Esse contexto provocou entusiasmo nas pesquisas sobre o digital, mas também reorganizou tudo o que havíamos entendido como reconhecimento e legitimidade. Fazer parte da mídia e responsabilizar-se por um espaço de disseminação de informação exigia passar por processos institucionais claros e reconhecimento formal, por expertise, carisma, filiação. No digital, as regras são outras.

Em meu livro De blogueira a influenciadora, mapeei quatro aspectos que legitimam o trabalho das blogueiras (hoje, influenciadores digitais):

1. Legitimação pelos leitores (seguidores do Instagram ou do TikTok, inscritos de um canal do YouTube);

2. Legitimação pelos pares (outras blogueiras e influenciadores);

3. Legitimação da mídia (convites para capas de revista, entrevistas, premiações e palestras);

4. Legitimação do mercado (parcerias comerciais que indicam confiança e reputação, como publicidade ou patrocínios).

A legitimidade outorgada pelos públicos é tão decisiva quanto aquela conferida pelo mercado. A primeira indica que aquela pessoa tem o “direito à palavra”, como diria Patrick Charaudeau, e é entendida como alguém que tem algo a oferecer, que detém algo; enquanto a segunda mostra que ela é capaz de “influenciar”. Afinal, é isso o que as marcas buscam quando se associam a influenciadores digitais, alguém que seja capaz de publicizar seus produtos para maiores e novos públicos. 

Foto de exemplares do livro “De blogueira a influenciadora: etapas de profissionalização da blogosfera de moda brasileira”, de Issaaf Karhawi. A capa tem fundo azul-escuro, com ilustrações de mulheres em diferentes poses usando celular, laptop e câmera. O título está em letras brancas centralizadas, e o logotipo da coleção Cibercultura aparece no canto superior esquerdo. O livro está de pé e atrás dele há outro exemplar, mostrando a contracapa com mais ilustrações no mesmo estilo. O fundo é cor terracota.
Foto: reprodução/ site ECA-USP.

Assim, há um complexo processo de legitimação em curso todos os dias, em todas as redes sociais, com os mais diversos sujeitos que se lançam no mercado de influência. Os motivos para reconhecer alguém como “influente” variam tanto quanto os tipos de influenciadores existentes — incluindo os casos que abriram este texto. A legitimação é, portanto, impositiva: é parte essencial de alguém se tornar um influenciador digital, mesmo que para um grupo restrito (o que não é o caso dos exemplos iniciais).

As questões levantadas por Dunker refletem exatamente essa etapa de legitimação. Não há influenciador digital que nasça do vazio do mundo, mas como resultado de complexas relações sociais que devem ser observadas com cautela – e como uma prática que deve ser cada vez mais incentivada a partir de uma leitura crítica da mídia, algo que a graduação em Educomunicação propõe desde 2011, junto à ECA.

Uma vez legitimados, reconhecidos como merecedores de visibilidade, influenciadores tornam-se amplificadores de certos debates, enquanto suprimem outros. Ao gerenciar fluxos de informação nas plataformas digitais, eles impactam, modulam, incentivam... influenciam. Mas somos sujeitos de agência, capazes de acionar, sempre que preciso, a questão que dá título a este texto: o que faz de um influenciador digital um influenciador? De onde vem a influência? 

Uma pergunta que parece se responder apenas pelo número de seguidores, mas que, na verdade, mostra práticas próprias do digital, do qual somos participantes ativos, prontos para reivindicarmos o nosso papel nesse processo. E talvez seja justamente aí, nesse reconhecimento mútuo, que resida a verdadeira medida da influência. 

 

Foto de mulher branca de olhos castanhos e cabelos longos, lisos e castanhos sorrindo. Ela usa óculos de armação redonda e escura,  colar de pedras pequenas e escuras e veste camisa florida em preto e rosa. O fundo é cinza.
Issaaf Karhawi. Foto: Amanda Ferreira/ LAC-ECA. 

Sobre a autora

Issaaf Karhawi é professora da Universidade de São Paulo, junto ao Departamento de Comunicações e Artes da Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP). Desde 2014, pesquisa influenciadores digitais e criadores de conteúdo, investigação que teve entre seus desdobramentos a publicação do livro De blogueira a influenciadora: etapas de profissionalização da blogosfera de moda brasileira (Ed. Sulina, 2020). Atualmente, coordena o GP Tecnologias e Culturas Digitais da Intercom (Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação) e atua como Líder Regional da América do Sul da rede de pesquisa TikTok Cultures Research Network.