CJE | Departamento de Jornalismo e Editoração



A Amazônia como protagonista de sua própria história

Trabalho de conclusão de curso de jornalista formada pela ECA analisa os mitos que rodeiam a Amazônia e o papel da comunicação em sua preservação
 

Vida acadêmica

Termômetros que marcaram, pela primeira vez, 49,6 graus no Canadá, seguidos de incêndios florestais. Chuvas torrenciais que causaram alagamentos na Europa e na China. Frio extremo e temperaturas negativas registradas no sul e sudeste do Brasil. Os rastros deixados pela mudança climática se tornam, a cada dia, mais fortes e frequentes ao redor do mundo.

A COP26, finalizada no dia 13 de novembro, faz parte dos encontros internacionais realizados anualmente com o intuito de discutir quais práticas os países devem adotar para lidar com o aquecimento global. Diante de falas como “onde há muita floresta, há muita pobreza”, dita em uma das conferências por Joaquim Leite, atual Ministro do Meio Ambiente, crescem ainda mais as dúvidas e preocupações com o futuro da Amazônia. 

São em momentos como esse, em eventos globais para se discutir mudanças climáticas ou quando a floresta está queimando, que a Amazônia entra na pauta da mídia. A comunicação sobre a região parece ser sempre sazonal, surgindo e desaparecendo a depender dos momentos de tensão relacionados ao território. 

Essa é uma das discussões estabelecidas no Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) da jornalista Amanda Péchy, graduada pela ECA em 2021. Como a comunicação e o jornalismo podem transformar esse cenário? E como fazer o Brasil reconhecer a Amazônia como parte integrante da nação 365 dias por ano? No livro-reportagem O Mito da Amazônia, Amanda traz a perspectiva de 20 entrevistados, entre eles comunicadores, ativistas e lideranças indígenas, para tentar responder essas perguntas. 

 

Uma região rica reduzida a apenas um tema

 

Quando decidiu que realizaria um trabalho sobre a Amazônia, Amanda começou a acompanhar com mais atenção as reportagens sobre a região. Em 2019 e 2020, quando o aumento das queimadas na floresta atingiu proporções não vistas em 12 anos — e se tornou parte da agenda da mídia —, ela pensou estar por dentro do assunto. Mas estava enganada. “Era uma visão que faltava aprofundamento”, explica. Isso porque, segundo sua pesquisa, é somente quando está queimando que a Amazônia vira notícia nos grandes veículos de comunicação.

“É muito contraintuitivo pensar que dar atenção para as queimadas seja algo ruim, só que com o aumento da relevância da cobertura das mudanças climáticas, do aquecimento global e do efeito estufa, a Amazônia acabou sendo reduzida a apenas isso.”

Esse reducionismo exclui as várias nuances da região e de sua população e surge, especialmente, nas falhas da cobertura jornalística, na falta de investimentos das redações e na omissão do Estado. Amanda aponta, por exemplo, que existia nos anos 80 uma rede maior de jornalistas assentados na Amazônia, mas isso mudou. Atualmente, poucos jornais de grande alcance mantêm um correspondente no local — a exemplo de Eliane Brum, do El País, e Fabiano Maisonnave, da Folha de SP. “De forma global existe um desinvestimento das redações em tudo, mas o que é cortado primeiro é o ‘menos importante’, que não está nos centros de influência. O que não é Rio-São-Paulo-Brasília, tchau”, diz. 

Falta também a percepção de que a Amazônia não é somente floresta, mas também seus diferentes povos e culturas. Existem diversas Amazônias, é o que defende Jakeline Pereira, engenheira florestal da organização não-governamental Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), e uma das entrevistadas para a pesquisa. Floresta e cidade, população rural e urbana, quilombolas, ribeirinhos, indígenas urbanos e isolados, todos são formadores desse grande território. Ignorar essa diversidade contribui para uma simplificação exagerada. “A gente transforma a Amazônia num problema único e assim não conseguimos resolver nenhuma questão de lá”, observa a jornalista.

Esse movimento não é de agora. Ele vem se desenvolvendo através dos anos com o histórico de exploração predatória que permeia a região. Amanda analisou a política do quintal, na qual a Amazônia é colocada em um local de subserviência com relação ao resto do mundo. Muitos exploradores estrangeiros e nacionais se aproveitaram desse pensamento, entre eles Henry Ford, com a construção da Fordlândia para obtenção de borracha; Daniel Ludwig, com a instalação de uma fábrica de celulose; e o próprio governo brasileiro, que durante a ditadura tentou criar a rodovia Transamazônica. 

Uma consequência direta de ações como essas, para além dos problemas socioambientais, é a criação do que Amanda chama de uma realidade paralela no imaginário popular. “Com esse discurso desenvolvimentista de derrubar florestas e construir usinas na tentativa de parecerem desenvolvidos, muitos habitantes da região acabam rejeitando os outros aspectos formadores da Amazônia.”

AMAZONIA

Desenho de um peixe-boi em preto e branco.
Desenho em preto e branco de um pirarucu.
Desenho em preto e branco de uma mariposa,
Desenho em preto e branco de um passarinho rabo-branco-dos-tapajós.
Desenho em preto e branco de um jambú, planta típica da região amazônica.
Desenho em preto e branco de um cacho com frutos de açaí.

As ilustrações do livro-reportagem “O Mito da Amazônia” são baseadas na fauna e flora amazônica. Todas foram idealizadas e produzidas pela artista Clara Jardim Eleutério.

 

Reamazonização, uma reconstrução da Amazônia

 

Diante de todo esse histórico, fica a pergunta: o que pode ser feito para realmente ajudar a Amazônia? Para Amanda e seus entrevistados, a resposta está na chamada Reamazonização, uma proposta de recuperação dos componentes que foram rejeitados no processo de invasão da região, por meio de uma aliança entre elementos da floresta com elementos da cidade, elementos da região com elementos de fora.

Um caminho possível é dar voz aos próprios amazônidas. Segundo Amanda, existe muita gente na Amazônia falando sobre a Amazônia, mas em geral isso é feito por meio de rádios comunitárias, que possuem um alcance muito pequeno. Faltam recursos. Uma solução para mudar isso seria a formação de parcerias entre essas rádios e veículos de alcance nacional.

"A Amazônia precisa ser dona da sua própria narrativa. Essa é a melhor forma de salvá-la."

Por fim, existe a necessidade de investimento em educação. Segundo a pesquisa, pouco se estuda sobre o Norte nas escolas, o que afeta a recepção da sociedade sobre os acontecimentos e a cultura da região. Além da educação básica, há falhas também na educação dos comunicadores. Nas universidades, por exemplo, ainda existe resistência com relação aos conhecimentos de povos tradicionais. 

Para Lúcio Flávio Pinto, jornalista do portal Amazônia Real e mais um dos entrevistados para o trabalho, uma alternativa seria a criação de algo similar aos kibutzim, palavra de origem judaica que nomeava pequenas comunidades onde havia muita troca e trabalho coletivo. A ideia seria tirar proveito da união entre diferentes conhecimentos, tanto das populações locais quanto da academia.

 

Produção e desdobramentos

 

Sempre interessada por jornalismo literário, Amanda já sabia que queria trabalhar com essa linguagem em seu TCC. Para ela, essa é a melhor maneira de contar histórias, porque “você transfere uma coisa um pouco etérea e distante da realidade, que são os dados e informações, para algo mais concreto”. Além de permitir uma transparência maior ao apresentar ao leitor todo o processo jornalístico e humanizar o próprio jornalista. 

A pesquisa teve início em 2019 e foi orientada pelo professor Vitor Souza Lima Blotta, do Departamento de Jornalismo e Editoração. O processo de pesquisa foi desafiador, pois não existem muitos estudos sobre a comunicação na Amazônia. Além disso, como falar com propriedade de uma região a qual você não tem fácil acesso?

“Desde o primeiro momento eu sabia que seria um desafio muito grande falar sobre uma região que eu nunca conheci, nem como turista nem como pesquisadora. O meu conhecimento sobre a Amazônia é de pesquisa, leitura, vídeos, documentários, fotos. Por isso, eu queria muito escutar o que as pessoas que conhecem a região tinham para me contar e basear o meu trabalho em cima disso.”

Capa do livro-reportagem com fundo vinho e linhas brancas. O título O Mito da Amazônia aparece centralizado, em cor branca, assim como o nome da autora.
Capa do livro-reportagem.

Com cerca de 40 horas de entrevistas para transcrever e 131 páginas de conteúdo, sua pesquisa pode ganhar continuidade por meio de um mestrado. Uma das ideias é investigar a origem do mito da Amazônia como pulmão da Terra. “Parece uma coisa super bonita, mas ela perpetua essa subserviência da Amazônia em relação ao mundo. E também é uma mentira, porque a Amazônia consome todo o oxigênio que ela produz”, afirma. 

Atualmente, Amanda continua seu trabalho com o jornalismo socioambiental como freelancer na revista digital Amazônia Latitude, que busca criar pontes de conhecimento com a sociedade levando conteúdos acadêmicos ao público com uma linguagem mais acessível e atrativa.

Para ela, a principal mensagem de seu projeto é a importância da coletividade. “Meu trabalho sozinho jamais fará diferença. Só em conjunto com o trabalho de muitas outras pessoas, de fora e de dentro da Amazônia, que é possível dar visibilidade para a região e permitir que ela seja protagonista de sua própria história.”

 

Foto de capa: Bruno Batista/ VPR /Reprodução: Agência Brasil