"De nação emergente à pária internacional": a imagem do Brasil no mundo

Artigo da Revista Significação analisa como o país foi perdendo imagem promissora, alegre e diversa

Vida acadêmica

Em A reviravolta estética do Brasil: de nação emergente à pária internacional, publicado na última edição da revista Significação, Daniel Malanski, pesquisador da Escola de História da University College Dublin (UCD), analisa a ideia de representação do Brasil pelos governos brasileiros ao longo de uma década. Se, em 2012, o governo brasileiro buscava construir uma imagem internacional de uma nação emergente, diversa e progressista, em 2022, as crises políticas, a recessão econômica, as posições reacionárias e políticas antiambientalistas colocam em xeque tal representação do Brasil.

 

O autor faz um recuo no tempo ao lembrar, desde o fim da colonização, a associação do Brasil a uma imagem de tropicalidade, exuberância e sincretismo étnico-religioso. Já período pós-guerra, construiu-se a figura de uma nação responsável e importante, com a adesão aos aliados e a posterior consolidação do país como mediador em conflitos diplomáticos, bem como uma voz ativa nas questões ambientais. 

A inserção nos Brics - grupo de países emergentes relevantes economicamente, que, além do Brasil, abriga Rússia, Índia, China e África do Sul - e a escolha do país como sede da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos, pareciam confirmar a tendência de crescimento econômico e progresso. Chega, então, a hora do Brasil finalmente mostrar para o mundo o seu brilho, que parecia cada vez mais forte. 

 

Cerimônia de encerramento de Londres - 2012
 

É costume que na cerimônia de encerramento de uma Olimpíada o país-sede da próxima edição realize uma apresentação. Foi o que ocorreu no ano de 2012, quando terminavam os jogos de Londres. O evento começa com uma dança do gari Renato Sorriso, que ficou famoso por varrer as ruas do sambódromo do Rio sambando. Malanski argumenta que o papel de destaque atribuído a Sorriso, que está ali contra as expectativas, “termina por subverter ordens hierárquicas historicamente construídas e predeterminadas com base em discursos de classe ou etnia”. A mesma leitura pode ser feita para a presença do Brasil como um todo naquela cerimônia que, ao contrário do que tradicionalmente se esperaria de um país periférico, vence pela sua alegria, sua arte e sua diversidade. 

Foto da cerimônia de encerramento da Olimpíada de Londres, em 2012. Renato Sorriso está localizado na ponta esquerda, vestido com uma roupa laranja com faixas refletivas e apontando as mãos para o céu, um gesto repetido também pelos outros dois integrantes da imagem. No meio, está uma mulher branca de cabelos castanhos escuros e compridos com um vestido prateado e brilhante que se alonga em uma cauda branca. Usa uma espécie de coroa e luvas que vão dos cotovelos até os punhos, ambas da cor do vestido. Na extrema direita, está Seu Jorge cantando, com calças e paletó branco. Seu colete é dourado e brilhante. O sapato de sambista mistura as cores das outras peças.
O cantor Seu Jorge, o gari Renato Sorriso e a modelo Alessandra Ambrosio em Londres, buscando representar a diversidade brasileira. Foto: Reprodução/Jornal O Globo

Vestida de Yemanjá, Marisa Monte canta em seguida uma obra de Villa-Lobos. Essa outra parte da apresentação reúne dois elementos da cultura brasileira que são marcadamente resultados de fusões, explica o autor: um compositor que une popular e erudito, e uma orixá cujo culto é repleto de sincretismo religioso. O resto do show continua a confirmar a imagem de que o brasileiro é resultado de uma enorme miscigenação, da qual tem orgulho. É um povo que respeita a todos.

Vem então o manguebeat, juntando aspectos tradicionais e modernos, ao remeter à antiga tradição pernambucana do maracatu, mas também trazendo a modernidade “atômica”. Depois, o Canto das Três Raças, música de Clara Nunes que chama a atenção para a falsidade da “crença popular de que esses três povos [ameríndios, africanos e portugueses] deram origem a uma nação alegre e despreocupada, livre do ódio racial e da opressão.” Por mais que haja certo tom de crítica, a sensação geral que os espectadores ficam é a de que o Brasil é feliz, diverso e só tem benefícios a oferecer ao mundo. 

 

A imagem positiva começa a ruir: Copa do Mundo - 2014

 

Um ano antes do início da Copa, o governo de Dilma Roussef começa a sofrer duros abalos devido a diversos fatores, sobretudo a crise econômica, com grandes manifestações ocorrendo pelo país. A partir desse momento, com denúncias de corrupção se acumulando e o agravamento da crise, começa a esfacelar a noção de que seríamos os maiores do hemisfério sul. 

Porém, a abertura das Olimpíadas de 2016 reforça tudo aquilo que já havia sido explorado em Londres e nas cerimônias da Copa. Há grande esforço por parte da organização em mostrar o Brasil como tolerante, um “caldeirão cultural” e um grande apoiador das causas ambientais, de modo que tudo isso somado o levaria inevitavelmente ao progresso. 

A imagem do país no cenário internacional, apesar dos esforços na direção contrária, começa a parecer cada vez mais desgastada. A economia não para de ter perdas sucessivas, os casos de corrupção aumentam, conforme apontam entidades internacionais, e de quebra ainda surge um político de extrema-direita que termina por afundar o barco. 

Montagem digital com duas capas da revista The Economist (O Economista). A capa da esquerda possui uma montagem do Cristo Redentor decolando para os céus, como se possuísse um foguete. Nela, está escrito Brazil takes off (Brasil decola, em português). Já a segunda capa contém o Cristo se chocando contra o Pão de Açúcar, depois de um voo claramente descontrolado. A manchete é: has Brazil blown it? (o Brasil estragou tudo?, em português)
Capas da revista inglesa The Economist sobre o Brasil, a primeira de 2009 e a segunda de 2013. A primeira afirma que o Brasil decola, enquanto a segunda questiona se o Brasil estragou tudo. Imagens: Reprodução/Wikipedia 
 
Mudança na imagem internacional pós-Bolsonaro 
 

Após a entrada de Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto, a imagem do Brasil passa a se deteriorar de forma mais acelerada. Com ampla cobertura internacional, a vitória do atual presidente rompeu com "ideais progressistas", tomando por base "agenda reacionária",  com efeitos nas políticas para o meio ambiente e diplomacia internacional. Sua eleição “representou o retrocesso em uma agenda nacional progressista que havia se iniciado com a redemocratização do país e o advento da Nova República”, segundo o pesquisador.

De uma das vozes mais influentes entre os países emergentes quanto às questões ambientais, o país passou para a condição de "pária internacional", avalia o autor. Por outro lado, a tensão política e social interna cresce, tornando evidente que este é “um país de contrastes, onde mundos opostos competem pela nação como espaço sociopolítico e objeto simbólico”, como conclui Malanski. 

 
 
Revista Significação 
 

O periódico Significação: Revista de Cultura Audiovisual é uma revista acadêmica voltada para pesquisadores de Cinema e Audiovisual. É uma publicação semestral associada ao Programa de Pós-Graduação em Meios e Processos Audiovisuais (PPGMPA) da ECA. 

A edição atual conta com o dossiê Arlindo Machado: Conceitos e processos poéticos nas comunicações e artes, com artigos que abordam diversos aspectos do legado deixado pelo docente do Departamento de Cinema, Rádio e Televisão (CTR). A revista traz ainda outros artigos, sobre temas como a produção de excitação nos telespectadores da liga alemã de futebol e o cinema sertanejo de Carlos Prates. 


Imagem: reprodução/Wikimedia Commons