Pesquisas analisam 30 anos do humor de Adão Iturrusgarai

Artigo da revista Nona Arte faz revisão sobre estudos da obra do autor gaúcho, célebre pelas tirinhas da personagem Aline

Vida acadêmica

Diante de um fenômeno não convencional visto nos quadrinhos (os cartoons enquanto charge) o capixaba Alex Caldas Simões, professor e pesquisador do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes), se debruçou numa revisão de literatura sobre o produtor e roteirista Adão Iturrusgarai, notoriamente conhecido por seu trabalho como cartunista no caderno Ilustrada, da Folha de São Paulo, onde publica suas tirinhas de humor desde 1996.

Charge colorida com uma mulher grávida com fartos seios e uma doutora sentada à cadeira fazendo ultrassom em sua barriga. Ao lado da médica de cabelos loiros, uma tela de computador exibe a imagem do exame. A doutora pergunta se a mulher quer saber o sexo do bebê, no que a paciente diz que deseja saber se a criança é "reaça" ou "comunista".
A vida política brasileira é um dos temas do humor de Adão Iturrusgarai.
Imagem: Reprodução/ Adão Iturrusgarai/ Facebook

O artigo Adão Iturrusgarai em perspectiva: pesquisas acadêmicas, obras e análises empreendidas (1991-2021), publicado na revista Nona Arte, volta os olhos para 30 anos de produção desse artista como cartunista e as pesquisas acadêmicas feitas sobre seu trabalho. Consagrado por tiras como Aline – que chegou a ganhar uma série na Globo entre os anos de 2009 e 2011 –, Adão é conhecido por se valer de um humor “especialmente centrado no texto verbal” e de desfecho inesperado, que trata de temas do cotidiano (versando sobre temas aleatórios, mas comumente conhecidos do público comum), temas autobiográficos e narrativas seriadas (como Aline, Kiki e Família Bíceps). Eventualmente, o artista também trabalha outro gênero, o de homenagem.

 

Panorama de pesquisa amplo, com início tardio
 

Simões optou por realizar uma pesquisa qualitativa, sendo que o método adotado foi uma análise bibliográfica num recorte temporal de trinta anos (1991 - 2021). Tendo em mente o intuito de realizar uma revisão "ampla, porém viável”, a plataforma de pesquisa utilizada foi o Google Acadêmico, no qual foram selecionadas apenas pesquisas em língua portuguesa, num total de 37 até janeiro de 2022 (após, segundo Caldas, uma “análise minuciosa” das mesmas).  

Apesar de Adão ser conhecido do público nacionalmente desde meados da década de 1990, a primeira pesquisa acadêmica realizada sobre sua obra data somente de 2008, sendo 2016 o ano com o maior número de produções: cinco ao todo. A maior parte dos estudos (quase 60%) são de pesquisadoras do sexo feminino e o estado com o maior número de publicações é São Paulo, ainda que a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) seja a instituição que mais vezes estudou o artista (seis).

A pesquisa mais citada é da ECA, de autoria de Ediliane de Oliveira Boff, com orientação de Waldomiro Vergueiro, professor do Departamento de Comunicações e Artes (CCA) e coordenador do Observatório de Histórias em Quadrinhos.  A tese de doutorado De Maria a Madalena: representações femininas nas histórias em quadrinhos, destaca a personagem Aline como retrato da mulher urbana moderna sob a perspectiva de um autor masculino.

 

Tirinha em preto e branco. No primeiro quadrinho, a personagem Aline está sentada na cama entre dois homens. Um deles puxa a pele da sua barriga e diz: “Nossa, Aline, você está engordando!”. No segundo quadro, ela olha para ele e responde: “Isso aí não é gordura…”. No terceiro e último quadro, ela puxa a pele da barriga e diz: “É excesso de gostosura!”
Imagem: Adão Iturrusgarai

 

Aline, feminismo e cultura pop
 

Não se sabe se por influência da obra homônima veiculada na tv aberta em duas temporadas, Aline é, de longe, a tirinha mais estudada pelos pesquisadores, sendo que “as demais tiras não possuem a mesma representatividade”, contando com poucas referências.  Outras temáticas preferidas pelos pesquisadores se relacionam com temas caros à famosa personagem que tem dois namorados, como liberdade sexual e feminismo – razão pela qual se explica também o maior número de pesquisadoras do sexo feminino (59,3%).

A pesquisa de Caldas “constrói uma perspectiva de estudos com ênfase nos autores, destacando sua contribuição para o mundo dos quadrinhos e para as Ciências Humanas e das Linguagens” e ressalta a importância do cartunista gaúcho para o cartoon nacional nesses 30 anos de atuação, dado o número de citações e pesquisas relativas à sua obra. Percebe-se que, se outrora, vistos como leitura de baixo valor, hoje os quadrinhos são tema de estudo na Academia, além de se inserirem na cultura popular, com representações nas artes plásticas, cinema e TV. 

 

Revista Nona Arte
 

Vinculada ao Observatório de Histórias em Quadrinhos da ECA-USP, a revista Nona Arte divulga artigos científicos inéditos sobre histórias em quadrinhos, resultantes de pesquisas acadêmicas desenvolvidas por pesquisadores do Brasil e do exterior. Publica também depoimentos e entrevistas de personalidades significativas para o desenvolvimento das histórias em quadrinhos no Brasil, bem como resenhas sobre publicações de caráter científico sobre quadrinhos publicadas no Brasil ou no exterior. A publicação ainda se dedica a registrar o panorama de atividades (trabalhos acadêmicos, exposições, eventos, etc.) sobre histórias em quadrinhos desenvolvidas no país.

Acesse a edição atual de Nona Arte no Portal de Revistas da USP. 

 

 


Imagem de capa: Adão Iturrusgarai
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