Quem são os mochileiros?
Artigo da Revista Turismo em Análise investigou as identidades e o histórico dos mochilões, prática turística que atrai cada vez mais viajantes
“Turista independente, viajante, mochileiro, vagabundo”: esses foram alguns dos termos que os pesquisadores Mateus Deli Avelar, Matheus Luiz Dantas e Renan Augusto Moraes Conceição, da Universidade Estadual do Paraná (Unespar), encontraram ao pesquisar sobre os mochileiros e seu estilo de viagem. Buscando entender melhor quem são essas pessoas, suas motivações e seu impacto para o turismo local, o trio escreveu o artigo Mochileiros no Brasil: motivações de viagens e perfil dos viajantes, publicado na última edição da Revista Turismo em Análise (RTA).
A metodologia de pesquisa adotada foi bibliográfica e exploratória, que também contou com a realização de um questionário online, em que os pesquisadores entrevistaram 96 pessoas na tentativa de traçar um perfil dos mochileiros brasileiros, abordando questões como gênero, renda mensal, destinos mais procurados e comportamento. Além disso, os pesquisadores ainda buscaram entender um pouco mais sobre as origens da prática e as definições acadêmicas existentes para designar os mochileiros.

A pesquisa aponta que, historicamente, o poema épico grego Odisseia, que narra as viagens de Ulisses, é um dos primeiros relatos sobre jovens viajantes independentes que saem em busca de aventuras e autoconhecimento. Outros registros apresentados são do século 14, com um estatuto do parlamento inglês que proibia esse tipo de prática, e dos séculos 17 e 18, quando a atividade passou a ser legalizada e incentivada para jovens da nobreza que buscavam completar seus estudos.
Ainda assim, o artigo demonstra que o mochilão, como é conhecido atualmente, só passou a ser considerado uma cultura a partir da década de 1960, com a publicação do livro On The Road, do norte-americano Jack Kerouac, que narrava a vida de jovens que viajavam de carro pelos Estados Unidos vivendo experiências desafiadoras.
Para traçar o perfil dos mochileiros, os pesquisadores contaram com o apoio de alguns autores, como Erik Cohen (1972), Pamela J. Riley (1988) e Denise Falcão, que também já pesquisaram sobre o assunto. A pesquisa acadêmica sobre essa prática turística ainda é escassa, mas algumas denominações já foram cunhadas para definir os mochileiros. Para Cohen, esses sujeitos são os “drifters”, estudantes que viajam descompromissados, antes de se inserir no mercado de trabalho. Esses jovens teriam boas condições financeiras, mas optam por baixos orçamentos a fim de se aproximarem mais da realidade das comunidades locais que visitam. Por outro lado, Riley caracteriza os mochileiros como “budget travelers”, partindo da ideia de Cohen, mas discordando do recorte específico em relação aos estudantes, considerando que os mochileiros também viajam durante as férias e abarcando jovens que não estão necessariamente no meio acadêmico.

O artigo ainda aponta que o consenso principal entre os estudos que existem sobre os mochileiros é que eles se enquadram em uma prática de turismo, mesmo que não institucionalizado, uma vez que “não existe nenhuma padronização para vender a esse tipo de turista, como um pacote, por exemplo. É uma viagem independente que utiliza de serviços turísticos de uma forma não regularizada”. As principais preocupações dos viajantes nessa modalidade são a segurança, a higiene, a praticidade e a economia, privilegiando sempre a liberdade e a autonomia. Além disso, são pessoas que fogem das atrações de massa, buscando entender e participar da realidade local, experimentando práticas e elementos cotidianos das culturas que visitam.
As respostas do questionário online corroboraram o levantamento bibliográfico realizado. Entre os 96 entrevistados, 59,4% estão na faixa etária dos 24 aos 35 anos e 80% recebiam entre 2 e 5 salários mínimos, considerando o valor de 2022. o recorte de gênero chamou atenção: o público feminino foi a maioria registrada, com 53%, o que , para os autores, “é um fator surpreendente, pois até então acreditava-se que seria o oposto devido ao estilo de viagem ‘não tão seguro’, se comparado ao convencional.”
A pesquisa também levantou quais as expectativas dos mochileiros em relação ao que pode ser feito para incentivar a prática e torná-la mais acessível e segura. Alguns países como Tailândia, Nova Zelândia e Austrália já possuem projetos de infraestrutura para receber esses viajantes, como espaços públicos abrigados, onde os mochileiros podem passar a noite, e sistemas públicos de saneamento básico.
Os participantes do questionário também apontaram que "o incentivo da prática através do marketing turístico também ajudaria a disseminar e fomentar mais o estilo de viagem para que fosse visível e ganhasse seu espaço dentro do turismo”. De acordo com os pesquisadores, divulgar essa modalidade turística é uma forma de quebrar estereótipos sobre o mochileiro como um indigente ou uma figura marginalizada, “ignorado pelos gestores turísticos do país”.
Publicada quadrimestralmente, a Revista Turismo em Análise (RTA) é editada desde 1990 pelo Departamento de Relações Públicas, Propaganda e Turismo (CRP) da ECA-USP. Seu objetivo é promover o conhecimento científico sobre o Turismo, por meio da publicação de artigos e ensaios originais que tratem do assunto.
A edição atual, publicada em outubro, conta com sete artigos, que podem ser acessados na íntegra, no site da revista.