CTR | Departamento de Cinema, Rádio e Televisão



Uma homenagem para Vânia Debs (3/6/1950 – 13/6/2021)

Por Cecília Mello, professora do Departamento de Cinema, Rádio e Televisão (CTR), e outros autores

Vida acadêmica

A professora e montadora de cinema Vânia Debs nos deixou no dia 13 de junho de 2021, aos 71 anos. Foi velada e enterrada no Cemitério do Redentor em São Paulo, um bosque de tranquilidade, pertinentemente repleto de árvores e flores. Vânia foi professora do Departamento de Cinema, Rádio e Televisão (CTR) da Escola de Comunicações e Artes (ECA) por 36 anos. Como montadora, assinou mais de 30 filmes, entre eles Baile Perfumado (Paulo Caldas e Lírio Ferreira, 1997), Árido Movie (Lírio Ferreira, 2005), Durval Discos (Anna Muylaert, 2002), e os mais recentes (e ainda em cartaz na cidade) Acqua Movie (Lírio Ferreira, 2019) e Alvorada (Anna Muylaert e Lô Politi, 2020). Sua trajetória foi marcada pelo entusiasmo sempre renovado pelo ensino e pela prática do cinema e da montagem, e por um engajamento ético com a Universidade e com o País.

Vânia era natural de Araguari, no Triângulo Mineiro. De família italiana por parte de mãe e libanesa por parte de pai, deixou Minas para estudar em São Paulo no final dos anos 1960. Formou-se em Cinema na Fundação Armando Álvares Penteado em 1974, e depois seguiu para a Itália com uma bolsa de estudos de mestrado. O gosto pelo país, pelo idioma e pelo seu cinema, um dos mais importantes do mundo, permaneceu com Vânia ao longo de sua vida. Análises primorosas da montagem em Bernardo Bertolucci e no cinema do ítalo-americano Francis Ford Coppola eram destaques em suas aulas. Do mesmo modo, Vânia evocava com frequência o polissêmico allora dos italianos, conjunção de difícil tradução, mas que servia para impelir seus estudantes e orientandos a sempre buscarem a razão de ser de seus filmes e suas montagens. E allora, ela dizia, sorrindo de modo provocativo e ao mesmo tempo amoroso. Uma lição e tanto, que ela soube como ninguém traduzir em uma só palavra.

Em Milão, realizou seu mestrado em cinema na Universitá Cattolica Del Sacro Cuore sob orientação de Gianfranco Bettetini, especializando-se em montagem. Após quatro anos, retornou a São Paulo em 1978 e realizou o doutorado na ECA, sob orientação do professor Eduardo Peñuela. Obteve o título em 1989 com tese sobre o curta-metragem brasileiro nos anos 1980. Antes mesmo, em 1985, tornou-se professora do CTR, onde ministrou por mais de três décadas, ao lado da professora Maria Dora Mourão, as disciplinas de montagem. Vânia foi também vice-chefe do departamento, vice-diretora do Cinusp e membro atuante na comissão de curso, onde capitaneou no início dos anos 2000, ao lado do professor Carlos Augusto Calil, a fusão dos cursos de Cinema e Rádio & TV no pioneiro Curso Superior do Audiovisual. Mesmo depois de aposentada, seguiu firme nas atividades de ensino como professora sênior, atuando nas disciplinas de montagem com o mesmo entusiasmo e seriedade com que sempre encarou seu ofício.

Foi nos anos 1980 que Vânia deu início no Brasil à sua brilhante carreira de montadora, firmando-se como um dos principais nomes da montagem na história do nosso cinema, história esta que ela mesma, a partir da “retomada” nos anos 1990, ajudou a escrever. De 1985 em diante, Vânia montou diversos curtas-metragens de jovens diretores pernambucanos e paulistas, criando, por meio do seu trabalho, uma conexão fundamental entre a produção cinematográfica e artística nos dois estados. O primeiro longa sob sua tesoura foi o impressionante Baile Perfumado, de Paulo Caldas e Lírio Ferreira, vencedor do prêmio principal no Festival de Brasília de 1996. O filme projetou o talento primoroso de Vânia na montagem para todo o Brasil, e consagrou Pernambuco como o principal polo criativo do cinema brasileiro na virada do século. Entre 1996 e 2021, foram outros 16 longas-metragens, entre ficções, documentários e animações.

Como observou Carlos Augusto Calil em homenagem no último dia 19, Vânia soube conjugar como poucos a atuação dentro e fora da Universidade, criando uma ponte entre o ensino e a realização, entre a academia e o tal “mundo lá fora”. Formou milhares de alunos e encaminhou tantos outros para a prática da montagem, estendendo suas asas maternais e finalmente folgando em vê-los alçar voos solos. Ao longo de sua carreira, marcada pela devoção a seus alunos e pela generosidade dos ensinamentos, orientou mais de 30 trabalhos de conclusão de curso. Até recentemente, semanas antes de sua morte, continuou trabalhando do quarto do hospital, atendendo orientandos, lendo trabalhos e roteiros, incansável.

Vânia Debs na Itália
A jovem Vânia Debs na Itália. Foto: divulgação/ Folha de S. Paulo.

Além da carreira exemplar, Vânia deixa como legado sua postura militante, suas opiniões políticas firmes e destemidas, bem como sua defesa inconteste da igualdade de gênero e do feminismo. Mas Vânia, como diria Walt Whitman, “continha multidões”: seu espírito combativo convivia com seu amor por flores, por paisagens na montanha e na praia, pela natureza. Era nela que por vezes se refugiava na companhia da família, seu marido e companheiro de toda vida Luiz Cláudio Galvão, seus filhos Nina e Martim e sua pequena neta Lila. Diante da sua partida, nós do CTR-ECA agora pensamos, e allora… como vamos fazer sem nossa querida Vânia? Ainda não sabemos muito bem, mas buscaremos inspiração na sua coragem e integridade política e pessoal, e na sua crença, sempre renovada, no poder e na esperança contida nos mais jovens. Longa vida à Vânia Debs!

 

Confira a homenagem completa publicada no Jornal da USP, com depoimentos de professores, funcionários e estudantes do CTR. 

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