Mário de Andrade na administração pública: marcas culturais-educacionais
Estudo do professor Luiz Roberto Alves revela a importância das ações do modernista na Secretaria Municipal de Cultura
Desde uns dois dias do 5 de junho em que tomei posse, nada, mas absolutamente nada mais fiz do que trabalhar, sonhar, respirar, conversar, viver Departamento.
Em 2022, se completam 100 anos desde a Semana de Arte Moderna. Entre os diversos nomes que se consagraram neste marco cultural está Mário de Andrade, uma figura que desempenhou diversas funções dentro do universo artístico. Um de seus mais importantes papéis foi dentro da administração pública, como o primeiro diretor do Departamento de Cultura e Recreação da Municipalidade Paulistana (DCR), equivalente à atual Secretaria Municipal de Cultura.. De caráter revolucionário, a gestão de Mário influencia o cenário paulistano até a atualidade e foi tema de um estudo realizado por Luiz Roberto Alves, professor sênior do Departamento de Comunicações e Artes (CCA).
A pesquisa se chama “Instituintes da Mudança na ex-Paulicéia Desvairada (administração cultural-educativa no segundo momento modernista, 1935-1938)” e teve como base os documentos presentes no Fundo Mário de Andrade do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) e na Revista do Arquivo Municipal (RAM). Essa investigação evidenciou a base científica qualitativa-quantitativa que o DCR proporcionou para os estudos culturais posteriores e mostrou o pioneirismo do pensamento de Mário sobre a administração pública, unindo práticas governamentais e da população paulistana ativa para construir mudanças sociais e acreditando que essas transformações dependem do binômio cultura-educação.
O escritor, musicólogo e crítico assumiu a direção do Departamento sob o governo municipal de Fábio da Silva Prado em 1935 e deixou o posto em 1938, após as constantes intervenções do Estado Novo no DCR, que sofreu grandes retrocessos durante a ditadura varguista. Apesar do curto mandato de Mário, Antonio Candido e Gilda de Mello e Souza caracterizaram a gestão como uma "revolução na rotina administrativa da prefeitura".
Todas as ações da gestão ocorreram a partir do levantamento de dados feito através de pesquisas com habitantes da cidade. Tal iniciativa não era comum e foi essencial para determinar o perfil do morador da São Paulo da primeira metade do século XX. Assim, o foco das políticas do DCR foi direcionado para trabalhadores, migrantes, imigrantes, crianças e adolescentes. O professor Alves destaca: “Mário fez um trabalho educacional, via cultura, que talvez nossas cidades ainda não tenham feito até hoje: a educação pelos jogos, pela música, pelo encontro com as artes, pela merenda de qualidade.”

Sobre este último ponto, o estudo revela que o DCR financiou viagens ao sertão com a finalidade de buscar chefes de cozinha para garantir refeições com as quais as crianças fossem familiarizadas. Além disso, nas viagens eram coletadas canções e narrativas folclóricas para fomentar a pesquisa sobre cultura popular. Outras trocas culturais eram feitas pelo próprio Mário de Andrade, que se correspondia com diversas cidades brasileiras. Um marco do período foi a vinda das delegações de Paris e Praga a São Paulo para conhecer a administração cultural na época. “Ainda hoje, a organização da Secretaria Municipal de Cultura [...] mantém seu acúmulo na discografia, no trabalho cinematográfico, nas bibliotecas circulantes, nas divisões presentes no organograma etc.”, comenta o professor.
Em breve, a pesquisa do professor Alves será publicada pela Alameda Editorial. O livro trará um estudo específico de cultura organizacional e institucional, sobre o qual o docente declara: “Talvez esta seja a primeira vez que se realiza um estudo de administração stricto sensu, com bibliografia e metodologia de administração.”
Saiba mais sobre a gestão de Mário de Andrade no DCR no artigo publicado por Luiz Roberto Alves no Jornal da USP.