Revista Aspas: pesquisa aponta os desafios da audiodescrição teatral

Artigo da última edição da revista do Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas reflete sobre caminhos para uma tradução de espetáculos inclusiva e poética

Vida acadêmica

As iniciativas de inclusão para pessoas com deficiências têm se intensificado cada vez mais. Uma delas, conhecida pela hashtag #PraCegoVer, foi criada em 2012 e impulsionou a discussão sobre a vivência de pessoas com deficiência visual na internet. Desde então, o número de empresas, páginas e veículos de comunicação que passaram a adotar a descrição de imagens em suas publicações aumentou significativamente.

Mas como fazer isso fora das redes e levar ferramentas como a audiodescrição para outros meios de interação social e cultural? Esse é um dos questionamentos presentes na pesquisa Visualidade e audiodescrição: a cena teatral sob o ponto de vista da deficiência visual, publicada na última edição da Revista Aspas. 

De autoria de Jefferson Fernandes Alves, diretor de teatro e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), e Thiago Cerejeira, audiodescritor consultor, pesquisador na área da acessibilidade comunicacional e cultural e membro da Comissão Permanente de Inclusão e Acessibilidade do Centro de Educação da UFRN, o estudo busca alternativas para uma audiodescrição teatral capaz de incluir e envolver o espectador. 

 

Os desafios

 

Foto mostra atriz do espetáculo Abrazo no palco. Ela é branca e usa maquiagem, com uma sobrancelha estilizada e as maçãs do rosto e ponta do nariz levemente avermelhadas. Ela veste figurino branco e folgado, com detalhes vermelhos e bordados, e um lenço vermelho que cobre toda sua cabeça. Ela olha para a câmera  com uma das mãos próxima à testa e uma careta com os olhos apertados, como se quisesse enxergar melhor. Ao fundo, uma porta cinza fechada.
Foto do espetáculo Abrazo, da Cia. Clowns de Shakespeare, que inspirou a realização do artigo. Foto: Rafael Telles

Na pesquisa, a audiodescrição é indicada como uma prática de expansão do olhar que deve acompanhar a poética da cena. Traduzir um espetáculo para esse formato, no entanto, não é uma tarefa simples. 

Isso porque é preciso priorizar o crucial para o entendimento dos espectadores com deficiência visual e também possibilitar um equilíbrio no texto, com pausas e silêncios necessários para a formação das imagens mentais.

O roteiro de uma audiodescrição também deve considerar a visualidade completa das cenas. Além da luz, cenário e figurinos, é preciso apresentar a expressividade e ações dos atores. E o que fazer, por exemplo, quando a peça não possui fala alguma? 

Pelo seu nível de complexidade, os autores defendem a necessidade de cuidados especiais ao desenvolver audiodescrições, evitando assim o risco do espectador com deficiência visual ser submetido a uma carga de informações muito grande e ter sua experiência comprometida.

 

Contando histórias

 

A pesquisa aponta como um caminho possível levar aos roteiros de audiodescrição a matriz lúdica da contação de histórias. A ideia surgiu a partir de uma experiência vivida pelo Grupo de Teatro Clowns de Shakespeare, com a apresentação do espetáculo infanto-juvenil Abrazo

Em 2018, a peça foi encenada para um público de pessoas com e sem deficiência visual. As reflexões dos espectadores evidenciaram o caráter técnico e o excesso de informações em torno da audiodescrição das cenas. 

A partir disso, Jefferson iniciou sua tese de doutorado, vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRN. O objetivo era reinventar a audiodescrição do espetáculo com uma narrativa mais próxima do espectador, “mais contada e menos falada”.

Para isso, teve o auxílio de Thiago, que trabalhou como audiodescritor consultor, oferecendo sua perspectiva como pesquisador e pessoa com baixa visão. Para eles, a técnica de contação de histórias funciona bem e consegue envolver muito mais o público, por meio da expressividade da voz e da própria construção ou articulação de um jogo de palavras.

 

Tabela com duas colunas. Os títulos estão escritos em cor branca sobre fundo azul, os textos estão em cor preta sobre fundo branco. O título da primeira coluna é “Roteiro primeira versão” e seu texto é “No palco, as três portas do cenário estão iluminadas. De repente, de trás da porta da direita surge Dudu. Ele sorri envergonhado e volta a se esconder”. O título da segunda coluna é “Roteiro em forma de contação de histórias” e seu texto é “Vamos começar a nossa história? Temos adiante três portas. O que será que tem atrás delas? Estão curiosos para saber? Eu também! Opa! Alguém saiu de trás de uma delas! É dudu! Deu um sorrisinho pra vocês… Mas… cadê ele? Sumiu?”
Trecho adaptado do roteiro de audiodescrição do espetáculo Abrazo. Fonte: Reprodução/ Revista Aspas

 

O auxílio de audiodescritores consultores também é um ponto importante a ser considerado, pois permite que as pessoas com deficiência visual tomem posições centrais no processo e expressem assim seus modos de olhar, existir e se relacionar com a cultura. Para Jefferson e Thiago, esse trabalho compartilhado permite a pessoas com deficiência exercerem “o papel fundamental que podem e devem ter no âmbito da acessibilidade, da audiodescrição, em um processo que os coloca também como coautores.”

 

 

Revista Aspas

 

A Aspas é uma publicação semestral do Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas da Universidade de São Paulo e busca divulgar pesquisas em Artes Cênicas, com foco especial nas metodologias desenvolvidas na área, abrindo espaço para novos autores e formatos.

Em sua última edição, o periódico abordou o tema Visualidades das Cenas, uma maneira de discutir os diferentes elementos que compõem uma encenação, para além da dramaturgia, da sonoridade e da atuação. 

 

 


Imagem de capa: Atores do espetáculo Abrazo contracenando. Foto: Divulgação.
 
Notícias do