CTR | Departamento de Cinema, Rádio e Televisão



Cinemateca Brasileira é retomada com participação de docentes da ECA

Docentes do Departamento de Cinema, Rádio e Televisão integram a Sociedade Amigos da Cinemateca, que assumirá a instituição pelos próximos cinco anos

Comunidade

Com seus de mais de 240 mil rolos de película e 41 mil títulos interditados à pesquisa, à difusão e ao restauro, e sob constante risco de deterioração por falta de manutenção adequada, a Cinemateca Brasileira esteve totalmente fechada e com suas atividades paralisadas desde julho de 2020. Para completar o quadro calamitoso, foi vítima de um incêndio que consumiu o galpão utilizado para armazenamento provisório de itens do seu acervo no dia 29 de julho – ápice de uma crise de gestão que se arrasta pelo menos desde 2013.

Entretanto, as últimas semanas trouxeram duas notícias que finalmente proporcionam algum alívio a quem está preocupado com a situação terrível em que se encontra tão importante patrimônio cultural do país. No dia 18 de outubro, o governo federal anunciou a celebração de um contrato emergencial com a Sociedade Amigos da Cinemateca (SAC) para cuidar da gestão, operação e manutenção da instituição. O acordo vigente tem duração de 3 meses e deve ser substituído em seguida por um contrato definitivo, que prevê a destinação pelo governo federal à SAC de R$ 14 milhões anuais para exercer suas atividades pelos próximos cinco anos.

Para assumir o contrato definitivo, a SAC está passando por uma reestruturação para deixar de ser uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) e se tornar uma Organização Social (OS). Quando sua nova situação jurídica estiver consolidada, a SAC procederá à eleição de seu conselho e à escolha de seus diretores para então passar a gerir plenamente a Cinemateca pelos próximos anos.

A Cinemateca Brasileira estava sem uma entidade gestora desde o dia 31 de dezembro de 2019, quando terminou o contrato entre o governo federal e a Organização Social Associação Comunicação Educativa Roquette Pinto (ACERP), não renovado pelo então ministro da Educação, Abraham Weintraub.

No dia 18 de novembro, veio a segunda boa notícia: a nova gestão está retomando parcialmente as atividades da Cinemateca Brasileira, começando pela reativação do site Banco de Conteúdos Culturais, mantido pela instituição para armazenamento e visualização de parte já digitalizada de seu acervo, e pela recontratação de 15 ex-funcionários especializados que estavam entre os 52 demitidos quando o governo federal assumiu a administração do local.

Na linha de frente desta batalha pela recuperação da Cinemateca Brasileira estão dois docentes do Departamento de Cinema, Rádio e Televisão (CTR) da ECA: Maria Dora Mourão, diretora-executiva da SAC, e Carlos Augusto Calil, eleito representante dos associados da SAC no futuro conselho da Organização Social. "É maravilhoso poder estar de volta com toda a nossa experiência, com funcionários que já estavam lá havia muito tempo e que conhecem a Cinemateca profundamente", declarou a professora Maria Dora em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo. "Por outro lado, é uma grande preocupação. Retomar todos os trabalhos depois de tanto tempo não será fácil. São só 18 trabalhadores lá agora, que vão ter de arregaçar as mangas nesse processo de retorno. Em outros tempos, a Cinemateca já chegou a ter 140 trabalhadores."

Outra providência deste momento de retomada emergencial é a avaliação minuciosa dos danos causados ao acervo, aos equipamentos e à infraestrutura da Cinemateca depois de quase um ano e meio de fechamento e do incêndio que atingiu o galpão da Vila Leopoldina, em julho. Até o momento, não se sabe o que foi atingido ou comprometido. Questionada sobre a reabertura da Cinemateca para o público, a professora Maria Dora afirma que será "basicamente no ano que vem, já que a intenção é primeiro arrumar a casa".

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Da esquerda para a direita: Maria Dora Mourão, diretora-executiva da SAC; Miguel Gutierrez, do Conselho Fiscal; Arthur Autran; Carlos Augusto Calil, eleito representante dos associados da SAC no futuro conselho da Organização Social; Roberto Gervitz, da Apaci; Roberta Corvo, do Conselho Fiscal; Walter Salles; Renata de Almeida; e José Roberto Sadek, suplente de Calil. Foto: Divulgação/ Revista Piauí. 

 

Cultura: crise e resistência

A Cinemateca Brasileira é a instituição federal responsável pela documentação, preservação e difusão da memória audiovisual do país. Seu acervo, um dos maiores da América Latina, reúne, entre outros itens, filmes de ficção e documentário, telenovelas e reportagens da extinta TV Tupi, equipamentos cinematográficos e milhares de documentos, como cartazes, roteiros, artigos de jornal, correspondências, livros e fotografias.

O acervo da Cinemateca tem contribuído para a produção de inúmeros documentários e pesquisas dentro e fora do Brasil desde sua fundação, na década de 1940, pelo crítico e professor Paulo Emílio Sales Gomes junto de outros cinéfilos e intelectuais. Além disso, a entidade sempre buscou estimular o interesse pelo cinema e sua preservação por meio da promoção de mostras, cursos e outros eventos abertos ao público. Todas essas atividades não seriam realizadas sem a existência e dedicação de um corpo técnico altamente qualificado e a manutenção dos aportes financeiros. 

Em seu auge, entre o final dos anos 90 e meados da primeira década do século XXI, após reformas possibilitadas pela captação de recursos da Petrobras e outros entes, a infraestrutura e o programa de restauro da Cinemateca a colocaram em patamar superior a muitos de seus pares estrangeiros, como conta Carlos Augusto Calil na Aula Magna Uma Cinemateca Acusatória, ministrada em outubro. Professor do CTR, Calil foi diretor da Cinemateca entre 1979 e 1992. 

Ao longo de sua existência, a Cinemateca  acumula avanços e revezes, trajetória nada incomum aos órgãos dedicados à cultura no Brasil. Em 1957, um ano depois do primeiro dos cinco incêndios que a Cinemateca já  sofreu, Paulo Emílio propõe a criação de uma entidade civil sem fins lucrativos para  apoiar o desenvolvimento das atividades da Cinemateca, em articulação com entidades públicas e privadas. A ideia se concretizou em 1962, com a criação da Sociedade Amigos da Cinemateca (SAC), que desde então tem tido um importante papel na interlocução entre a instituição e o Estado. 

Na atual crise não foi diferente. “A SAC, com sua longa tradição de amparo à Cinemateca, foi crucial na mobilização de apoios à instituição na imprensa, na comunidade dos profissionais da área audiovisual, nas instituições culturais brasileiras, na comunidade internacional de cinematecas e festivais de cinema, entre os políticos, junto ao poder público, às associações de moradores, a eventuais apoiadores privados. Nunca a Cinemateca em sua longa existência esteve tão amplamente abraçada pela sociedade”, afirma Calil, que atualmente preside a SAC e foi eleito representante dos membros da entidade em seu conselho deliberativo. 

Dentre as diversas iniciativas encabeçadas pela SAC na luta pela Cinemateca Brasileira, merece destaque uma audiência pública com parlamentares e outros membros do governo e da sociedade realizada em abril de 2021, que contou com a participação do docente do CTR. Ele ressalta também o papel decisivo que a entidade teve nas negociações com o governo para a retomada das atividades da Cinemateca. 

Para Calil, a prioridade da gestão da SAC neste momento deve ser, além de arrumar a casa, recompor o quadro técnico da instituição e adotar medidas de prevenção a novos desastres como o incêndio ocorrido neste ano. Aludindo à Festejo Muito Pessoal, texto escrito por Paulo Emílio pouco antes de sua morte, o professor enfatiza como, apesar da atual crise, a Cinemateca Brasileira não é a esquálida e inimaginável instituição cujo destino seu criador temia em 1977.

“Hoje nós somos uma instituição enorme, que é estimada pelas pessoas, que é reconhecida, que é conhecida, cujo trabalho atingiu o auge.  E que portanto já provou de que é capaz. Que tem um corpo técnico admirável, que infelizmente está inaproveitado. Então é nossa tarefa fazer com que eles reassumam a Cinemateca e que a Cinemateca reabra e possa voltar a cumprir o seu papel institucional independente de qualquer governo.”

 


 

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