Joel Zito Araújo é homenageado no Festival de Gramado

Doutor pela ECA, cineasta é dono de extensa obra e importante figura do cinema negro e da luta contra o racismo
 

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Foto em preto e branco de Joel Zito Araújo, um homem negro, de cabelos curtos e grisalhos e com bigode e cavanhaque. Ele usa uma camisa escura e óculos com armação de tartaruga. Olha para a câmera e sorri.
Joel Zito Araújo. Imagem: Reprodução/Soteropreta 

O Festival de Cinema de Gramado desse ano homenageia o cineasta mineiro Joel Zito Araújo com o Troféu Eduardo Abelin, que premia diretores, cineastas e entidades do cinema brasileiro. Ele é doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação (PPGCOM) da ECA, além de possuir pós-doutorado na Universidade do Texas, nos Estados Unidos. 

Uma de suas obras mais famosas é o documentário A Negação do Brasil (2000), resultado de sua tese de doutorado. Nele, o diretor faz uma análise dos papéis destinados aos negros nas telenovelas exibidas no país entre 1963 e 1997. Baseada em muitas pesquisas e depoimentos de diversos atores e atrizes negros, a obra conclui que aos negros sempre foram impostos personagens secundários, subalternos e cheios de estereótipos. 
 

Joel Zito e o cinema negro
 

Joel Zito é um expoente do chamado cinema negro, um movimento que retrata e questiona a desigualdade e humilhação que pessoas negras sofrem diariamente devido ao racismo, mas que não se resume a isso. O movimento também luta pelo protagonismo negro atrás e diante das câmeras, além de questionar os privilégios dos brancos no cinema. As Filhas do Vento (2004), um dos filmes mais reconhecidos do diretor, foi seu primeiro longa-metragem de ficção, com nomes como Taís Araújo e Milton Gonçalves no elenco. Antes disso, ele havia produzido vários curtas e médias-metragens, nos quais tratou sobre dois temas que lhe são muito caros - o racismo e a luta operária. 

Foto de uma cena do filme As Filhas do Vento. Há duas pessoas em uma cozinha antiga. Ao fundo, encontra-se uma mesa de madeira com vasilhas, algumas delas com legumes e folhas, e um moedor de linguiça. Do lado esquerdo, um homem negro e idoso, de cabelos curtos e pretos, vestindo uma camisa branca um pouco suja está conversando com uma jovem mulher negra. Ela, trajando um vestido simples amarelo, o encara, enquanto mexe em uma panela de ferro em cima de um fogão.
Cena do filme As Filhas do Vento (2004), que contou com grandes atores negros, como Milton Gonçalves e Taís Araújo. Imagem: Divulgação/AdoroCinema

Nessas obras, houve enormes dificuldades na produção, já que a equipe contava com pouco dinheiro e apoio, algo que sempre assolou o cinema brasileiro, em especial o independente e negro. O caráter de denúncia e consciência histórica destas produções permitiu que Joel Zito se estabelecesse como realizador, garantindo melhores condições de produção para seus filmes posteriores, como o documentário Raça (2013) e seu trabalho mais recente, O Pai da Rita (2022). 

Em entrevista, Joel Zito afirmou que o Brasil ainda fecha os olhos para a América Latina e a África, sendo muito colonizado na cultura e na economia pelos EUA e pela Europa. Ele enxerga o cinema como um caminho para que o país possa se conhecer: “acho que o cinema pode ser uma janela para fora de nossas bolhas familiares e sociais. É uma arte que nos faz ser contemporâneo de nosso tempo e nosso planeta, e ser cidadãos”.

Joel Zito acredita que por mais que o prêmio não seja específico para o cinema negro, ele é importante para dar a devida visibilidade ao movimento. “O prêmio ajuda a dar um salto na história do cinema brasileiro, tirando o cinema negro de um certo gueto, que, diga-se de passagem, não fomos nós que o colocamos lá”, observa. 

 

Joel Zito e a ECA
 

Joel Zito é um diretor que possui uma formação vinda da academia, algo incomum no meio cinematográfico. Além do doutorado na ECA, ele também se formou em Psicologia na Fundação Mineira de Educação e Cultura (Fumec) e fez mestrado em Sociologia da Educação na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). 

Foto de uma cena do filme O Pai da Rita. Três pessoas estão sentadas em uma mesa de bar. Nas pontas estão dois homens negros: na esquerda, um deles veste uma camisa rosa claro xadrez por cima de uma camiseta branca e uma calça preta, além de um chapéu. Na ponta direita, um homem de boina e barba grisalha veste uma camisa mostarda por cima de uma polo preta e uma calça jeans. No meio, está uma mulher negra segurando a mão dos dois homens. Ela usa um vestido azul claro e tem cabelos curtos e crespos.
O Pai da Rita conta a história de dois amigos (vividos por Wilson Rabelo e Aílton Graça) que compartilharam uma mesma paixão no passado e que agora veem surgir em suas vidas a filha dessa mulher, interpretada por Jéssica Barbosa. Imagem: Reprodução

Ele afirma que compreendeu que a pesquisa é uma parte importante no processo de se fazer um filme, não só durante o desenvolvimento do roteiro, mas também na direção como um todo. Isso permite que se entre mais tranquilo no set, ele diz. No entanto, Joel Zito ressalta que ele não é o único a ter feito isso: “Tarantino diz que desenvolve verdadeiras teses na roteirização e preparação dos seus filmes. Stanley Kubrick dizia que quando terminava um filme se sentia mais especialista no assunto do que os consultores que teve. Então, não sou nenhuma novidade.”

Ele também conta que a ECA foi fundamental para a sua formação enquanto pesquisador e artista. Aqui, ele pôde compreender que toda a produção audiovisual no Brasil operava e ainda opera dentro de uma engrenagem que busca embranquecer os negros e exclui-los dos espaços de protagonismo. Ele entendeu que “a profunda desigualdade na representação do negro no cinema nacional era decorrente de um erro de concepção e de análise sobre a identidade do brasileiro e da nossa cultura”.
 

Festival de Gramado
 

A 50ª edição do Festival de Cinema de Gramado acontece entre os dias 12 e 20 de agosto no Rio Grande do Sul. O festival exibe premiados curtas brasileiros e gaúchos, longas internacionais, gaúchos e brasileiros, assim como documentários nacionais.


Imagem de capa: Edison Vara/Agência Press Foto
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