Animação de ex-aluna compõe exposição internacional
Primeiro curta-metragem da USP selecionado para o Student Animation Showcase aborda a perspectiva indígena e novos modo de conhecimento
Eîori! um horizonte existencial, de Kelly Silva de Oliveira, Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) desenvolvido sob orientação de Silvia Laurentiz, docente do Departamento de Artes Plásticas (CAP) da ECA, foi aceito na Student Animation Showcase, uma exposição internacional de TCCs do mundo todo. O trabalho ficará disponível na plataforma do evento, junto com projetos de outras Universidades, até 2024.
“Pela primeira vez um filme da USP foi selecionado e está sendo exibido online junto com trabalhos de importantes escolas como a CalArts, Ringling School of Design, School of Visual Arts, Concordia University e California State University”, diz João Paulo Schlittler, docente do Departamento de Cinema, Rádio e Televisão (CTR) e responsável pela inscrição do trabalho na mostra.
Kelly participou da estreia online da exposição e considera a experiência enriquecedora. “Foi bastante rico ver gente de todo mundo apresentando trabalhos, com diferentes perspectivas. Os trabalhos eram bem diversos, as técnicas [e o] olhar, a experiência de cada aluno também. Foi bom ver como as Universidades são diferentes”, relata.
Um novo horizonte
Kelly conta que questões ambientais e relacionadas a povos indígenas sempre estiveram presentes em suas atividades acadêmicas, o que a levou a tratar desses temas em seu TCC. Para desenvolver seu trabalho, ela se baseou no que nomeia de perspectiva indígena.
Student Animation Showcase
A Animation Student Showcase é uma iniciativa anual organizada pela Animation Educators Forum (AEF), comunidade internacional de professores e profissionais de animação, filiada ao International Animated Film Society (Asifa-Hollywood). A exibição deste ano teve a participação de 133 curtas-metragens individuais de 21 diferentes universidades.
“Eu pesquisei sobre esse modo de ver o mundo que me chama muita atenção, esse modo diferente do eurocêntrico, que é pautado na questão onde o sonho tem uma importância muito grande, é um modo de existir, é um lugar de tomada de decisões”, explica.
A pesquisadora relata que usou duas principais referências para produzir sua animação: A Queda do Céu (2010) de Davi Kopenawa Yanomami e Bruce Albert e as ideias de Ailton Krenak. A primeira é um livro constituído por relatos de Kopenawa recolhidos pelo etnólogo Albert. De acordo com Kelly, na obra, além de outros temas, é abordado um sonho do indígena de quando criança, que hoje ele interpreta como um sinal de vocação ao xamanismo.
A segunda referência está ligada ao modo de ver o mundo de Krenak e os questionamentos que ele levanta sobre a humanidade. Ela conta que se baseou na seguinte frase, dita por ele em palestras e também presente no livro Ideias para adiar o fim do mundo (2019): “Por que nos causa desconforto a sensação de estar caindo? [...] por que estamos grilados agora com a queda? [...] Vamos pensar no espaço não como um lugar confinado, mas como o cosmos onde a gente pode despencar em paraquedas coloridos”.
Kelly relata que sempre sonhou em realizar algo que envolvesse paraquedas. A partir disso, ela decidiu juntar a imagem dos dispositivos coloridos da citação de Krenak com o sonho de Kopenawa e expressá-los em seu TCC.
Na animação, um menino indígena caminha por uma floresta quando se depara com uma onça que começa a persegui-lo. O menino sobe em uma árvore e continua a ser seguido pela onça. Ao chegar no topo, ele pula e, em sua “queda para o alto” aparece um paraquedas colorido no qual ele sobrevoa até o outro lado de um rio.
“O que eu quis dizer na animação é que, além daquilo que a gente pode encontrar, da situação sem saída, existe sempre uma nova perspectiva, uma nova possibilidade. A gente pode encontrar uma nova saída na encruzilhada existencial que a gente está vivendo”, relata a autora.
“O meu desejo é divulgar essa outra perspectiva de mundo, essa cosmovisão que é diferente, e sair dessa visão eurocêntrica, pensar em outras formas de saberes e de existir. Os saberes dos povos originários daqui da América, mas também de tantos lugares, têm muito a ensinar e mostrar pra gente quais os caminhos a seguir. Meu desejo é contribuir para levantar essa questão também no meio acadêmico e onde mais esse meu trabalho puder chegar”.
Kelly Silva de Oliveira, formada em Artes Visuais pela ECA
Processo de produção
Além do curta-metragem, Kelly também desenvolveu a pesquisa teórica que embasou sua produção. Seu trabalho teve como foco a concepção do mundo na perspectiva indígena, narrativas míticas e outros modos de conhecimento.
Quanto ao processo de produção da animação, ela explica que depois de escolher o tema, criou um roteiro e decidiu a técnica que utilizaria no curta. Todo o cenário foi feito em 2D (duas dimensões) e os personagens animados em stop motion (capturas de imagens estáticas reproduzidas em sequência).
A pesquisadora conta que, como mora em Cabreúva, interior de São Paulo, não pôde se locomover com frequência até a USP, e acabou montando um estúdio em casa onde fez as cenas do projeto. “Na hora de fazer o cenário eu queria que fosse algo que tivesse um traço bastante manual, que fosse algo que mostrasse esse lado artesanal, não queria nada que fosse muito computadorizado”, diz.
Kelly se formou em Artes Visuais na ECA este ano e, atualmente, faz mestrado na área de Design de Animação na Universidade Anhembi Morumbi. Ela conta que pretende continuar com sua pesquisa e produzir outra animação a partir do convívio com a comunidade indígena Guarani Mbyá de São Bernardo.