Projeto conecta jovens artistas da ECA e do extremo leste de São Paulo
O que é importante para a formação de um artista foi tema de conversa entre participantes do Ali:Leste e estudantes
Na 2ª Semana de Cultura e Extensão da ECA, que ocorreu em maio deste ano, os participantes do projeto Arte Livre Itinerante (Ali) foram recebidos na Escola e participaram de quatro dias de oficinas e visitas aos espaços do Departamento de Artes Plásticas (CAP). Os participantes do projeto, que conta com a coordenação da professora Lúcia Koch, docente do CAP, tiveram a oportunidade de conhecer ateliês como o de gravura e o de marcenaria.
Juntamente aos estudantes da ECA, os artistas do Ali participaram de uma oficina de escultura, na qual utilizaram os próprios corpos para fazerem moldes em gesso. A segunda oficina foi de marcenaria, com apoio do professor Mario Ramiro, também docente do CAP. Os participantes confeccionaram banquinhos de madeira que serviram de assentos para a roda de conversa sobre aspectos importantes na formação do artista, que ocorreu ao final da aula. Além disso, os banquinhos agora tem como casa a sede do Ali, localizada no extremo leste de São Paulo.
Conheça o Ali:Leste
O Arte Livre Itinerante é um projeto criado por artistas com a intenção de chegar às periferias de São Paulo. Hoje, a iniciativa atua principalmente no bairro Cidade Tiradentes, no extremo leste, e, por isso, também é chamada de Ali: Leste. A professora Lúcia Koch, uma das idealizadoras do Ali, conta que a ideia era criar uma escola informal de arte que pudesse aproximar a periferia e o centro da cidade, artistas de diferentes gerações e diferentes classes sociais.
“A gente sabia da potência da produção artística dessas regiões, nas bordas da cidade de São Paulo, distantes do centro, de artistas que a gente não conhece pelas vias habituais do mercado ou do circuito institucional, mas que a gente vê nas ruas”.
Lúcia Koch, professora e artista plástica
A partir dessa proposta, o Ali se tornou um projeto de formação e integração dos artistas com o que a cidade oferece, mas que nem sempre está ao alcance da periferia. Mesmo com a distância geográfica enfrentada pela comunidade artística periférica, o Ali realiza visitas a museus, como o Masp, e a eventos, como a Bienal de Artes de São Paulo. Lúcia explica que grande parte dos gastos do projeto são com o deslocamento dos participantes para a região central da cidade. “O mais importante é o contato, é o acesso dessas pessoas a tudo aquilo que a cidade oferece.”
Além das visitas, no âmbito de formação, o Ali também ministra aulas teóricas, workshops e oficinas, cujos conteúdos foram adaptados para o formato on-line durante a pandemia. Lúcia explica que, com a abertura gradual para as atividades presenciais após o período de isolamento social, o Ali começou a organizar oficinas de pintura de tela ao ar livre em que os artistas tinham a oportunidade de capturar paisagens do bairro.
Do Ali à ECA
Foi por meio dessas oficinas de pintura ao ar livre, que Jaqueline Bernardino conheceu o Ali e começou a fazer parte do projeto. “A gente estava lá no meio do mato fazendo pintura de paisagem com tinta óleo, uma coisa que não é a realidade da galera que vive aqui”, conta a estudante residente do bairro de Guaianases.
Na época, Jaqueline era estudante de Ciências Sociais e, por motivos familiares, precisou abandonar a graduação. Com sua participação no Ali, ela começou a se aproximar mais das artes visuais e entendê-las como uma opção para sua trajetória profissional. “Aí, eu fui pensando em formas de estudar porque você sabe que pessoas da periferia não têm muitas opções de estudo, faculdade”.
Ela relembra que nunca havia encarado a USP como opção, por ter um vestibular muito difícil, mas essa visão mudou com sua entrada no Ali e o contato com a professora Lúcia e outros participantes que também frequentavam a universidade. Assim, Jaqueline se inscreveu para o vestibular de 2023 e foi aprovada no curso de Artes Visuais na ECA. Hoje, ela está no quarto semestre de sua graduação.
Apesar de poder estudar na melhor universidade da América Latina, Jaqueline enfrenta obstáculos como estudante periférica. “Uma coisa que eu tenho muita dificuldade é de atender o ritmo e a expectativa da faculdade tendo um cotidiano que não se encaixa nele”. Ela relata que precisou abandonar o trabalho por não conseguir conciliá-lo com as exigências do curso e, hoje, conta com o auxílio de permanência que a USP oferece. Ainda assim, a estudante diz que o curso a fez enxergar novas possibilidades para o seu futuro como artista.
“Eu consigo me imaginar fazendo obras gigantescas de instalação, consigo me imaginar trabalhando como artista mesmo, em exposição, galeria e tudo mais e, principalmente, trazendo arte para a periferia.”
Jaqueline Bernardino, estudante de Artes Visuais e integrante do Ali:Leste
Das bordas para o centro, do centro para as bordas
Atualmente, Jaqueline está mais envolvida com o projeto, que busca levar a arte para a periferia e inseri-la no cotidiano da população. A relação entre o bairro e a arte foi um dos aspectos transformados pelo Ali na vida da estudante. Ela conta que, antes do Ali, o bairro onde morava era apenas um local por onde passava. Hoje, a artista tem uma relação mais profunda: o bairro se tornou o lugar com o qual ela interage e tem planos para ele.
“Eu quero que muitas pessoas vivam isso.”
Jaqueline Bernardino, estudante de Artes Visuais e integrante do Ali
Além de incentivar a arte de rua, como o grafite que já é uma expressão artística presente no cotidiano da periferia, o Ali busca possibilitar que os artistas possam conhecer e experimentar outras linguagens artísticas e ter acesso ao capital cultural que muitas vezes é restrito a certas partes da cidade. “Eu vejo pessoas no meu grupo do Ali, que sempre foram pichadores, à margem total de tudo, sem nada, e, hoje, eles podem entrar num museu muito grande, ser muito respeitados e sentar pra conversar com a gente que fez faculdade, doutorado, mestrado e eles conseguirem ter algo em comum para conversar porque ambos conhecem profundamente sobre arte.”
Cruzando distâncias
Por acreditarem na importância de aproximar artistas com diferentes histórias e trajetórias, Lúcia e Jaqueline coordenaram a vinda dos integrantes do Ali:Leste para o Departamento de Artes Plásticas da ECA. Jaqueline acredita que essa visita tenha sido importante para os integrantes do Ali, já que a periferia não oferece o tipo de infraestrutura que a ECA possui. “É uma sede muito grande dos artistas periféricos em experimentar coisas e eles sobrevivem apesar da escassez.”
A professora conta que os alunos do Departamento também se engajaram e participaram das oficinas como monitores, o que permitiu uma troca de experiências entre artistas de dentro e de fora da academia. Esse foi o principal objetivo da roda de conversa ao final da oficina, na qual todos os artistas puderam contribuir com suas experiências e entender o que é importante para a formação de artistas, estando no centro ou na periferia.
Olhando para o futuro, Lúcia conta que tem planos para o Ali receber os estudantes do CAP, mostrar sua sede e realizar atividades artísticas por lá também. “Para que eles atravessem a distância que a turma do Ali: Leste está acostumada a atravessar e ir até a Cidade Tiradentes para conhecer”.
Reprodução/ Facabook Ali: Arte Livre Itinerante