Institucional



Luiz Gama, o abolicionista que sonhava com um país “sem reis e sem escravos”

Escritor, jornalista, advogado, maçom e abolicionista do século 19, Luiz Gama teve seu nome sugerido pela ECA para receber o título de Doutor Honoris Causa da USP

Vida acadêmica

“Em nós, até a cor é um defeito. Um imperdoável mal de nascença, o estigma de um crime. Mas nossos críticos se esquecem que essa cor é a origem da riqueza de milhares de ladrões que nos insultam; que essa cor convencional da escravidão, tão semelhante à da terra, abriga sob sua superfície escura, vulcões, onde arde o fogo sagrado da liberdade”. Luiz Gama marcava em seus versos aquilo que o guiaria durante toda sua vida: a defesa da liberdade.

Um intelectual, Gama se aprofundou nos estudos das Letras, do Jornalismo e da Advocacia. Proibido de estudar Direito regularmente na Faculdade do Largo de São Francisco, foi aceito como ouvinte e tornou-se autodidata, trabalhando na libertação de mais de 500 escravos. Era também um líder político, disseminador dos ideais abolicionistas e importante figura dentro da imprensa brasileira.

Recebeu em 2014, 133 anos após sua morte, o título oficial de advogado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e em 2018 foi declarado patrono da abolição da escravidão no Brasil. Ano passado, foi reconhecido pelo Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos. Agora, a ECA busca homenageá-lo com o título de Doutor Honoris Causa da USP.

A proposta foi apresentada pelo professor Dennis de Oliveira, do Departamento de Jornalismo e Editoração (CJE) e do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre o Negro Brasileiro (NEINB-USP), e apoiada pela Comissão de Direitos Humanos (CDH). “Considerando a adoção recente de Cotas Raciais pela USP, a homenagem da ECA a esse intelectual negro acenaria para o compromisso político e social da instituição na defesa da diversidade e no acolhimento a estudantes negras e negros”, afirma o NEINB.

A ação também conta com o apoio da Congregação da ECA e foi assinada por diversos professores, entre eles Cláudia Lago, chefe do Departamento de Comunicação e Artes (CCA). Segundo ela, há extrema importância na homenagem. “Além do mérito do Luiz Gama em si, existe uma outra questão que é a gente lançar luz sobre essas personalidades extremamente importantes da história brasileira e que foram apagadas porque eram negras. Acho que é uma forma da gente, enquanto universidade, assinalar para essa mudança”. 

De acordo com o Estatuto da Universidade, o título de Doutor Honoris Causa é concedido “a personalidades nacionais ou estrangeiras que tenham contribuído, de modo notável, para o progresso das ciências, letras ou artes; e aos que tenham beneficiado de forma excepcional a humanidade, o país, ou prestado relevantes serviços à Universidade”. Para acontecer, a concessão do título precisa ser aprovada pelo Conselho Universitário (CO) da USP. 

 

Carta Campanha Luiz Gama Doutor Honoris Causa

Trecho da carta escrita pelo Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre o Negro Brasileiro para as congregações das unidades da USP.

 

Um herói brasileiro

Filho de uma africana livre com um fidalgo português, Luiz Gama nasceu em Salvador, em 1830. Aos 10 anos foi vendido pelo próprio pai, que buscava dinheiro para quitar dívidas de jogos. Foi assim que acabou chegando em São Paulo, onde aprendeu a ler e escrever aos 17 anos e recuperou sua liberdade judicialmente.

Para Cinthia Gomes, jornalista que estudou Luiz Gama em sua tese de mestrado, ele “foi um homem que utilizou todos os recursos e ferramentas disponíveis no seu tempo a favor da luta pela libertação dos corpos negros, da emancipação de mentes e da humanidade”. Ela ressalta sua importância não apenas para a comunidade negra, mas para toda a sociedade brasileira.  

Gama foi poeta do movimento romântico brasileiro, lançando em 1859 o livro Primeiras trovas burlescas de Getulino. Como advogado, ajudou na libertação de muitos negros e pobres. Paralelamente, teve uma grande carreira no jornalismo, sendo responsável pela criação do Diabo Coxo, primeiro jornal ilustrado da cidade de São Paulo, e membro do periódico Radical Paulistano, no qual publicou o primeiro Manifesto Abolicionista

Escreveu diversos artigos para jornais paulistas e cariocas, e defendia princípios como a liberdade de imprensa. Segundo Cinthia, em suas atividades como empreendedor, cronista, editor, repórter e colunista, Gama já trabalhava com textos que mais tarde seriam reconhecidos como editorias específicas no ramo jornalístico.

O projeto que ele empreendeu através da imprensa era complementar à sua atuação jurídica e política. Gama queria não apenas libertar aquelas pessoas, mas também promover uma mudança cultural e social para que os negros recebessem de volta sua humanidade roubada. Por isso, em suas poesias e artigos priorizou uma representação do sujeito negro praticamente inédita na época: a de alguém com nome e com história.

Sendo uma figura de tantos feitos, é questionável o motivo para seu nome ainda ser pouco conhecido e estudado pela sociedade brasileira. “Por exemplo, nós que somos jornalistas não aprendemos na faculdade que Luiz Gama foi um importante jornalista, que ele fundou o primeiro jornal ilustrado de São Paulo, que ele teve uma vida profícua no jornalismo do século 19”, diz Cinthia.

Luiz Gama morreu em 1882, seis anos antes da abolição, sem ver seu sonho de um país “sem reis e sem escravos” tornar-se real. Para Cinthia, “esse reconhecimento póstumo é o mínimo que o Brasil deve a essa figura histórica que foi tão importante não só na reconstrução da cidadania da população negra, como também na própria construção de um projeto de nação para o país”.
 

imagem da campanha em homenagem a Luiz Gama que informa haver quatrocentas e oitenta e nove assinaturas em prol da campanha

 
“Para a gente andar hoje, alguém libertou nossos grilhões lá atrás”

Para os alunos da USP, Luiz Gama reforça o quanto a comunidade negra é diversa e atuante em variadas áreas do conhecimento. Mas também traz a reflexão sobre o apagamento da atuação de negros e negras na história brasileira.

Enquanto alguns membros do Coletivo Opá Negra, da ECA, já conheciam o jornalista, outros tiveram uma experiência diferente. “Durante o período escolar, foi me apresentado o Luiz Gama apenas como escritor, onde parte das ilustrações dele o retratavam como branco! Em nenhum momento ao estudar a parte da abolição da escravatura foi citado seu nome”, afirma Larissa Barbosa, uma das integrantes do coletivo.

Segundo o grupo, essas experiências reforçam a necessidade de um ensino mais preciso e honesto sobre a participação da comunidade negra no contexto histórico-social do Brasil. “A gente ainda tem que redescobrir a história, porque uma borracha branca e opressora passou por cima dela. Reconhecer devidamente Luiz Gama é dar sentido a parte da história do nosso país. Mostrar que, tal qual Gama, usar a caneta vai para além do tribunal ou do jornal, mas por uma causa que muda a vida da população negra”, afirmam.

No Coletivo Negro Claudia Silva Ferreira, do curso de Letras da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), Gama também é reconhecido como figura essencial nos campos jurídico e jornalístico e principalmente em sua atuação como poeta inaugurador do movimento literário afro-brasileiro. Os integrantes consideram essa homenagem uma forma de combater as narrativas que “tentam distorcer a história para negar os efeitos maléficos da escravidão, da perseguição contra os negros e da existência do racismo estrutural no nosso país”.

A mensagem que esses estudantes enfatizam é a importância do ensino como forma de apresentar à população as realizações de figuras como Luiz Gama, sendo a universidade um dos pilares desse movimento. Para o Opá Negra, homenagear Gama com o título de Doutor Honoris Causa é também uma maneira de mostrar que “para a gente andar hoje, alguém libertou nossos grilhões lá atrás”.

Quer participar dessa campanha? Assine a petição!

 

Materiais de campanha

Você também pode demonstrar seu apoio à concessão do título de Honoris Causa à Luiz Gama compartilhando em suas redes sociais os materiais da campanha:

Para trocar a moldura de perfil no Facebook, basta atualizar a foto, clicar em adicionar tema e buscar por "Luiz Gama" ou "Honoris Causa" para visualizar a arte criada para a campanha. 

 

Outdoor Luiz Gama Doutor Honoris Causa
 

Arte: Susana Narimatsu

 

Notícias do