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“Meu nome é Jesus da Gente”: política e críticas sociais nos desfiles das escolas de samba

Publicado na Revista Rumores, artigo traz análise baseada no samba-enredo da Estação Primeira de Mangueira
 

Vida acadêmica

A verdade vos fará livre.  Esse foi o tema do samba-enredo e da apresentação da escola de samba Estação Primeira de Mangueira, no Carnaval carioca de 2020. Trazendo elementos da religiosidade cristã e de questões sociais contemporâneas, o desfile da escola na Marquês de Sapucaí foi alvo de críticas conservadoras, que são analisadas pelos pesquisadores Rafael Otávio Dias Rezende e Marco Aurélio Reis na última edição da revista Rumores. 

A apresentação foi baseada na história bíblica de Jesus Cristo, perpassada pela licença poética do carnavalesco Leandro Vieira, que comparou a figura central da fé cristã a grupos marginalizados (como indígenas, negros, mulheres e LGBTQIA+) da nossa sociedade. No sambódromo, Jesus frequentou bailes funks, foi revistado pela polícia, foi mulher e indígena, crucificado como um jovem negro baleado e renasceu na comunidade da Mangueira em um domingo de Carnaval.

O desfile causou polêmicas: diversos grupos conservadores se pronunciaram em repúdio à escola de samba, alegando que a narrativa desrespeitou as religiões, incluindo políticos como o então presidente da República, Jair Bolsonaro, e a ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves.  

“Interpretações distorcidas e preconceituosas”, conforme aponta o artigo, tais pronunciamentos eram previstos pela própria escola, que entoou em seu samba-enredo “Mangueira/ Samba, teu samba é uma reza /Pela força que ele tem / Mangueira/ Vão te inventar mil pecados/ Mas eu estou do seu lado/ E do lado do samba também”. Para os pesquisadores, o caso reafirma a ideia do Carnaval, em especial do desfile das escolas de samba, como um espaço de questionamento político, transgressão e reflexão de temáticas sociais, o que acaba causando controvérsias e, por vezes, censura. 

 

Ao pensar Jesus à imagem e semelhança dos moradores da favela, a escola [Estação Primeira de Mangueira] busca retirar o véu da invisibilidade social em que se encontra esses indivíduos, transformando o palco do Carnaval em um lugar de fala e de empoderamento.


Rafael Otávio Dias Rezende e Marco Aurélio Reis

 

 

Nos últimos anos, essa tentativa de restringir a liberdade de criação dos carnavalescos tem sido mais exposta e o meio utilizado para isso é a internet. Grupos de perfil conservador publicam e disseminam notícias falsas e ataques não apenas às escolas de samba e seus enredos, sobretudo, àquelas com enredos mais críticos, mas também à toda cultura popular do Carnaval, por exemplo, os bloquinhos de rua.

Para além de uma “defesa de crenças religiosas, trata-se de uma disputa de poder e pela consagração de narrativas conforme interesses pessoais”, avaliam os pesquisadores, uma vez que as temáticas pautadas pelas escolas de samba e pelas festividades do Carnaval são também questionamentos às ideologias dominantes e às estruturas que oprimem grupos marginalizados. 

 

Temáticas sociais retornam no Carnaval 2023

Delírios De Um Paraíso Vermelho é o título do samba da Acadêmicos do Salgueiro que, sob direção artística do carnavalesco Edson Pereira, apresentará um enredo sobre a liberdade de expressão. A Estação Primeira de Mangueira destaca este ano o protagonismo feminino e a musicalidade baiana dos cortejos afros. As Áfricas que a Bahia Canta é um enredo dos carnavalescos Annik Salmon e Gui Estevão. Em São Paulo, a Rosas de Ouro apresenta no Sambódromo do Anhembi um samba enredo sobre respeito e igualdade racial com Kindala! Que O Amanhã Não Seja Só Um Novo Nome. O carnavalesco é Paulo Menezes. Um Culto Às Mães Pretas Ancestrais é o título do samba-enredo da Tom Maior, que irá falar sobre a ancestralidade e força das mães pretas. O tema é desenvolvido pelo carnavalesco Flávio Campello.

 

 

O artigo A verdade vos fará livre: resposta à ideologia conservadora na narrativa do Jesus da Gente no Carnaval de 2020, pode ser encontrado na íntegra no volume 16, número 32, da Revista Rumores, que traz ainda outras pautas sobre liberdade de expressão, comunicação e artes. 


Foto de capa: Reprodução/Flickr
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