CJE | Departamento de Jornalismo e Editoração



De memória em memória, música na ECA

Professora Cremilda Medina lembra de história que começa em uma antiga redação da ECA e cruza as fronteiras do país

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A leitura do primeiro boletim da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo em 2025, me fez viajar no tempo junto com significativo retrospecto de “alguns compositores que passaram pela ECA”. Logo me reportei para os primeiros anos de 1970 da jovem unidade de pesquisa e ensino da USP. Isso porque, saindo de Porto Alegre, como assistente de catedrático no curso de Jornalismo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, na expectativa do primeiro curso de pós-graduação em Ciências da Comunicação, encerrei o contrato gaúcho para assumir, em janeiro de 1971, o novo contrato como auxiliar de ensino (já na etapa que alterou a carreira acadêmica após a reforma universitária de 1968).

Foto de uma mulher idosa. Ela é branca, tem cabelos curtos e escuros e usa óculos de armação preta e retangular e batom vermelho. Veste uma blusa azul marinho e um casaco vermelho. Ao fundo, almofadas claras e parte de uma porta.
Cremilda Medina. Foto: acervo pessoal.

O saudoso professor José Marques de Melo (1943-2018), então chefe do Departamento de Jornalismo — à época ainda não havia sido implantado o Curso de Editoração — me convidou para vir trabalhar na USP, embora a pós-graduação, meu motivo de mudança para São Paulo há 54 anos, ainda estivesse em processo de aprovação e só começaria em 1972. Pois bem, neste mesmo ano em que começo a frequentar o elenco de disciplinas de mestrado, no hoje Departamento de Jornalismo e Editoração (CJE) da ECA, me foi delegada a incumbência de criar um projeto que seria inédito na academia — a Agência Universitária de Notícias (AUN). Os alunos passaram a produzir, nesse laboratório, boletins semanais de informação científica da Universidade de São Paulo, distribuídos às sextas-feiras nos grandes jornais, redações locais e sucursais de outras capitais, bem como, por correio, enviados aos jornais do interior do Estado. 

Mas a memória me leva, em particular, à movimentada sala da AUN, povoada de agitados alunos de Jornalismo sentados à frente das máquinas de escrever, aquele barulho de redação que, hoje, é indescritível na Era Digital. Como no segundo andar do prédio principal da Escola, o Departamento de Música (CMU) se situava à frente da Agência de Notícias, pensava eu que a música sem modulação das datilografias feéricas ferisse os ouvidos de nossos eminentes vizinhos, compositores e professores de Música, produtores de sons dos instrumentos de orquestra sinfônica. Acontecia, porém, um fato imprevisível: dois dos colegas das Artes atravessavam o estreito corredor e vinham debater suas questões, convergências e divergências musicais, na barulhenta sala de redação. Não raro, assistíamos, alunos e os dois professores — trabalhava então com o professor Paulo Roberto Leandro (1943-2015) —, a uma briga muito relevante entre a música sinfônica e a chamada Música Nova. Os protagonistas do embate que nos maravilhava: Olivier Toni (1926-2017) e seu ex-aluno e agora compositor e professor aposentado na ECA, Willy Corrêa. Se o primeiro, um regente de música sinfônica, defendia o patrimônio clássico, o segundo afirmava o poder dos sons experimentais da nova criação irreverente.

Viria outro espanto. Havia saído da ECA por motivos políticos em 1975, circunstâncias registradas em livros de minha autoria, coletâneas por mim organizadas e depoimento publicado no capítulo da ECA na Comissão da Verdade, mas mantinha vínculos de pesquisa com o Centro Internacional de Estudios Superiores de Comunicación para América Latina (Ciespal). No fim dos anos 1970, era então editora de Artes do jornal O Estado de S. Paulo, fui ao Equador para dar andamento a uma pesquisa latino-americana e, em Quito, compareci à solenidade de aniversário histórico da Catedral Metropolitana. Aliás, um registro para lembrar, a fundação da primeira igreja em que os espanhóis enraizaram na colonização da América o catolicismo romano — Quito data de 1534 e, no ano seguinte, foi fundada a igreja que viria a originar a catedral equatoriana. Nessa solenidade a que fui assistir, o principal programa constava de um concerto em duas partes. A primeira, junto à memória dos séculos, música do passado. Já a segunda parte, me dá um arrepio: a orquestra quitenha interpreta uma composição contemporânea do brasileiro Willy Corrêa. 

Quem poderia imaginar? Aquele jovem compositor que vinha discutir com o maestro Toni na sala de redação da Agência Universitária de Notícias, no início dos anos 1970, chegava ao fim dessa década com sua música interpretada na cena internacional. É de chorar de emoção quando, agora, leio o boletim da ECA de 2025 e sei que ele, um dos criadores da Música Nova brasileira, aí está entre nós aos 88 anos, se não falham os cálculos da IA. 

De 1975 a 1985, quando trabalhei no Estadão, acompanhei percursos de outros músicos que passaram pela ECA, entre eles, Gilberto Mendes (1922-2016), criador do Festival de Música Nova. O Departamento de Música, sim, foi e é um celeiro das criatividades. Lembro também de, na editoria de Artes, nossa equipe reportar o sucesso explosivo de Arrigo Barnabé. Quem não lembra, Arrigo, da força de Clara Crocodilo em 1980?

Nossa memória afetiva das memórias de décadas. Grata ao Boletim da ECA por reviver a força criativa da música e de outras artes, não esquecendo os autores-mediadores do jornalismo que lhe dão voz coletiva. 

 

Sobre a autora

Cremilda Medina, jornalista, pesquisadora, professora titular sênior da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, é autora de vinte livros e organizadora de 64 coletâneas nas áreas de comunicação, de temas transdisciplinares, de literatura e de Narrativas da Contemporaneidade. Em 2025, orienta um mestrado e um doutorado, bem como supervisiona um pós-doutorado.

 

Leia a matéria comentada pelo artigo da professora Cremilda Medina: Conheça alguns compositores que passaram pela ECA.

 

 

As opiniões expressas nos artigos são de responsabilidade dos autores e não refletem a posição institucional da ECA.

 

 


Imagem de capa: página de Memos, poema musicado de Augusto de Campos e Willy Corrêa de Oliveira. Reprodução/ Francesco Budano Jr.
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