Imprensa foi decisiva para mítica do futebol-arte, aponta pesquisa

Edwaldo Costa, pós-doutor pela ECA, pesquisou como a imagem simbólica da Seleção se conecta com a própria noção de brasilidade 
 

Comunidade

No dia 24 de novembro, a Seleção Brasileira de Futebol faz a sua estreia pela Copa do Mundo do Catar, contra o time da Sérvia. Para nós brasileiros, assim como para o resto do mundo, o futebol é praticamente um sinônimo da nossa nação. É impossível imaginar o Brasil sem esse esporte, e vice-versa. É graças a esse sentimento que a Seleção consegue unir as pessoas mais diversas, de todos os rincões do país, ainda mais em tempos de Copa.

Edwaldo Costa, que concluiu recentemente o seu pós-doutorado pela ECA com o tema Jornalismo e Seleção Brasileira: a relação entre a vitória e a derrota, pesquisou as razões para essa identificação que o povo sente com a Seleção. Essa relação quase metonímica entre futebol e Brasil se origina e se reforça através do nosso estilo marcante de jogar a redonda: o chamado futebol-arte. 

Essa expressão se popularizou durante a Copa da Espanha de 1982, na qual contávamos com nomes como Zico, Sócrates e Falcão. Jogadores como esses, além de todos os outros craques que vieram antes deles, ajudaram a consagrar uma dinâmica de jogo que ficou muito associada ao Brasil. Velocidade, dribles e jogadas plásticas marcam esse estilo ofensivo e individual. Ele representa valores típicos do nosso futebol, cheio de beleza, alegria e malandragem. 

Esse tipo de jogo, aliado ao sucesso histórico dos times, faz com que o brasileiro se sinta superior aos outros países quando o assunto é futebol. “Por isso”, afirma Edwaldo, “para muitos, ser torcedor da Seleção Brasileira é exigir que o time jogue com excelência. Não basta apenas ganhar o jogo. É preciso que o time canarinho tenha toque de bola, ginga e dribles”. Esse ideal que se criou em torno da Seleção se deve, em parte, à imprensa. 

 

A imagem da Seleção e o papel do jornalista 
 

Devido ao passado de glórias da Seleção, a única a ter participado de todas as Copas e a primeira a alcançar o pentacampeonato, a ideia de futebol-arte tem a preferência da torcida. Essa predileção passou a ser incorporada pela mídia, que pintava os times como a síntese perfeita desse estilo. Edwaldo aponta que “não por acaso, ainda hoje, estão na memória de muitos torcedores, graças à imprensa, um futebol brasileiro ofensivo, de lances bonitos e muitos golaços”. 

Foto em preto e branco de Pelé e Gerald Ford. O primeiro, negro de cabelos crespos e curtos, veste um terno branco risca de giz e uma gravata preta, juntamente com um sapato branco. Já o segundo, um homem branco e idoso, veste um terno cinza xadrez com um colete da mesma estampa, além de sapatos sociais pretos. Ele faz embaixadinhas com uma bola. Atrás deles, dois homens observam a cena. Os quatro homens encontram-se em um gramado, o qual parece fazer parte de um jardim.
Pelé foi um dos primeiros brasileiros a levar a imagem do Brasil para o exterior. Na imagem, podemos vê-lo com o presidente dos EUA Gerald Ford, em 1975. Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons 

Mas em seu artigo Notícia Pronta - CBF, Seleção Brasileira, futebol-arte e repórteres esportivos, o pesquisador afirma que a Seleção e o próprio jornalismo enfrentaram uma divisão entre o futebol-arte e o futebol-força, principalmente após a Copa de 1994. Esse outro método prega as propostas contrárias ao primeiro - aqui, a abordagem é mais racional, prezando pela objetividade do jogo. O que importa é a vitória, não a beleza da jogada. Agora, passada essa divisão, vê-se na Seleção um estilo que une os dois anteriores. 

Como disse o holandês Johan Cruyff, porém, “qualidade sem resultado é inútil. Resultado sem qualidade é entediante”. Por isso, a imprensa está sempre em busca de uma nova ascensão do futebol-arte em nosso cenário, o que implicaria em um maior interesse por parte dos torcedores nas pautas produzidas, já que a Seleção está tão fortemente associada a esse estilo. Mais do que isso, boa parte do povo considera o futebol-arte uma parte integrante de ser brasileiro. 

Entretanto, na visão de Edwaldo, a forte conexão entre torcedores e jogadores tem se desgastado nos últimos anos. Ele conta que, no passado, Pelé e Garrincha iam à Praça Central da cidade fluminense de Teresópolis - onde fica o centro de treinamento da Seleção, a Granja Comary -, para se encontrarem com os fãs. Hoje, em todos os lugares, os jogadores adotam uma postura mais distante, não havendo tanto contato com os torcedores como em outros tempos. E esse afastamento também se verifica no relacionamento com a imprensa. 

Edwaldo argumenta que a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) assumiu para si o papel de produzir conteúdo sobre a Seleção, deixando de lado boas pautas dos profissionais. “As pautas sobre o futebol-arte e histórias de vida dos atletas estão sendo substituídas por notícias do cotidiano. Com isso, muitos torcedores não se identificam com os atletas”, comenta o pesquisador. Isso porque grande parte da ligação jogador-torcedor foi e ainda é mediada pela imprensa. 

 

Dribles e gols construindo o Brasil
 

De acordo com Edwaldo, “a identidade nacional se desenvolveu em paralelo ao esporte. E as mais diferentes manifestações culturais o incorporaram, em maior ou menor intensidade. O tempo nos mostrou e mostra que a história do futebol e a história do Brasil se misturaram, tornaram-se elementos indispensáveis uma da outra”. 

Ou seja, o que o pesquisador defende é que a imagem do Brasil perpassa a imagem do seu time de futebol. E é claro que esse simbolismo não permaneceu inalterado durante a história centenária da Seleção. Conforme o país se transformava, a Seleção experimentava processos de mudança em sua imagem, bem como o inverso também ocorria. O infame 7 a 1 para a Alemanha na Copa de 2014, por exemplo, teve impactos em muitas áreas além do futebol, incluindo até a política

 

Foto de um jogador da Seleção Brasileira se agarrando de cabeça baixa na rede de um gol. Ao fundo, encontram-se mais três jogadores, incluindo o goleiro. A foto foi tirada de baixo para cima, de modo que o céu ocupa a metade superior da imagem, emoldurado pelas bordas do estádio Mineirão.
Após a derrota para a Alemanha em pleno Mineirão, os jogadores e torcedores ficaram desolados, em um jogo que marcou uma geração. Imagem: Reprodução/AFP

 

A Copa do Brasil era uma oportunidade de vingar o Maracanazo, como ficou conhecida a derrota da Seleção para o Uruguai na final da competição de 1950, realizada no Maracanã. À época, a imprensa brasileira descreveu o evento como um enorme vexame para o Brasil. Não apenas no âmbito futebolístico, mas enquanto nação, o que exemplifica nossa relação com o esporte. Tanto que o jornalista Nelson Rodrigues cunhou o seu complexo de vira-lata depois da derrota por 2 a 1 para a Celeste. 

Com uma derrota ainda mais acachapante em 2014, a imagem da Seleção ficou mais desgastada do que nos anos 1950. Pouco tempo depois, foram revelados diversos escândalos de corrupção e assédio sexual e moral, que envolviam atletas e dirigentes. De lá pra cá, a Seleção foi recuperando paulatinamente o seu prestígio perante os torcedores, com resultados sólidos após Tite assumir o comando do time.

Para a competição desse ano, Edwaldo ressalta a liderança do Brasil no ranking da Fifa, o que lhe garante uma boa imagem, além do respeito dos adversários. Ele acredita no hexa: “todos sabem que a Seleção Brasileira tem grande chance de conquistar o hexacampeonato, principalmente por causa da profundidade e variação em seu ataque, juntamente com o início de temporada brilhante de Neymar e Vinícius Júnior”. 

 

 

 


 Imagem de capa: Reprodução/Wikimedia Commons 
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