TV pública: nas mãos do poder

Pesquisa publicada na última edição da revista MATRIZes revela pouca presença da sociedade civil na participação dos canais de TV públicos

 

 

 

 

Vida acadêmica

Frente à incerteza que cerca a sustentabilidade das emissoras de TV pública, os pesquisadores Daniele Ferreira Serridorio (Erich Brost Institut), Danilo Rothberg (Universidade Estadual Paulista - Unesp) e Octávio Penna Pieranti (Unesp) procuraram verificar "se a participação pública como princípio e prática foi incorporada ou não como compromisso organizacional" nessa modalidade de emissoras. 

O estudo mostrou que a participação da sociedade civil nas emissoras públicas de televisão é pouco estimulada, o que pode colocar em risco todo o sistema público de comunicação. “Com escassos e frágeis mecanismos de participação social, a existência das emissoras permanece sujeita a decisões dos governos de turno”, avaliam os pesquisadores.

O resultado preocupante foi revelado no artigo A participação como compromisso organizacional na TV pública, publicado na nova edição da MATRIZes, a revista do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação (PPGCOM).

 

Regulamentação tardia
 

Para os autores, a participação da sociedade civil nas TVs públicas é  essencial para que as emissoras não fiquem à mercê do governo que esteja no poder, evitando-se assim um uso para fins político-partidários do canal. Eles destacam que a participação social no controle das emissoras públicas ganha suas primeiras garantias na redemocratização, mais especificamente na Constituição de 1988, que apresenta diretrizes para a elaboração de um sistema de comunicação pública com representantes da sociedade, diminuindo o controle financeiro e editorial dos grupos privados que dominavam o setor.

Contudo, os avanços da democratização da comunicação demoraram a ser regulamentados nas décadas seguintes. Como bem lembram os autores, uma definição específica para o sistema público de radiodifusão, que contemplasse os três sistemas (público, estatal e privado) só apareceu 20 anos depois, através da Lei no 11.652, de 7 de abril de 2008, que criou a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), após quase uma década de discussão com o setor e sociedade civil.

 

Como foi feito o estudo
 
Foto de um estúdio cercado por janelas de vidro e localizado em um andar alto, com vista para a região central do Rio de Janeiro. Há um tripé com uma câmera no canto esquerdo do estúdio, que aponta na direção de um monitor de TV que exibe os dizeres "Repórter Brasil".
Estúdio panorâmico da TV Brasil, no Rio de Janeiro.
Imagem: Fernando Brazão (Agência Brasil)

Os pesquisadores verificaram os índices de participação civil nas emissoras de TV públicas ao final de 2018, após as eleições de outubro daquele ano, momento que antecedeu as trocas de governo estaduais e federal. Foram aplicados seis critérios de análise:

  • Expectativas
  • Feedback
  • Acesso
  • Transparência
  • Profissionalização
  • Aproveitamento

Para cada critério, foram concedidas três notas: "atende plenamente, atende parcialmente e não atende”. 

Das 23 emissoras mapeadas, apenas quatro apresentam, em suas páginas web institucionais, informações acerca da participação do público nas instâncias de gestão e produção editorial: TV Pernambuco, TV Brasil, Rede Minas e TV Cultura (SP). Dessas, as emissoras que mais se sobressaíram na análise foram a TV Brasil e, em especial, a TV Cultura, que obtiveram índices considerados razoáveis (atende parcialmente) ou bons (atende plenamente) em todos os seis quesitos.

A TV Cultura, pertencente à Fundação Padre Anchieta - cujo Conselho Curador tem a participação de representantes da sociedade em 47 cadeiras - atende às dimensões de acesso, gestão da transparência e aproveitamento. Entretanto, a emissora paulista peca ao não informar claramente como acontecem as formas participativas de jornalismo (uma diretriz editorial que pretende abrir espaços de mediação e debate), não exemplificando na prática como ocorre esse diálogo entre a sociedade civil e a redação do canal.

Já na TV Brasil, os autores apontaram uma fragilidade das práticas participativas, ainda que as diretrizes reconheçam a importância da participação social. O fim do Conselho Curador pelo Governo entre os anos de 2016 e  2019 e a fusão da TV Brasil com o canal governamental NBR, que pertencia ao Planalto (portanto, um canal de governo) em 2019, gerando a TV Brasil 2, foram avaliadas como intervenções que “enfraqueceram o compromisso institucional da empresa”. Por outro lado, um aspecto positivo é a ouvidoria da EBC, canal para manifestação do público. Contudo, alertam os pesquisadores, é preciso que exemplos como esses, ainda excepcionais, “se tornem regra para o estabelecimento de um sistema público estável e democrático”.

 

Novo volume da Revista Matrizes
 

A última edição da MATRIZes, revista do Programa deCapa do volume 6, número 2 da revista MATRIZes. O nome da revista e os demais dizeres aparecem em letras pretas sobre um fundo roxo, onde há uma grande letra Z que ocupa toda a extensão da capa. Pós-Graduação em Ciências da Comunicação (PPGCOM), traz diversos artigos sobre atualidades do campo da comunicação.

Em Imagens de Amor de Mãe: quadriculamentos e escapatórias, Sandra Fischer e Aline Vaz discutem quadramentos/quadriculamentos na telenovela global Amor de Mãe (2019 - 2021), ao analisar a estética das cenas que expressavam vínculos e convívios familiares articulando-se com os cenários de fundo, a paisagem opressora do Rio de Janeiro que não está nos cartões-postais e que reflete o Brasil atual, opressor e violento, seja na rua ou nos ambientes domésticos, em especial com as mulheres. 

A revista traz ainda as reflexões da professora José Van Djick sobre os problemas da economia de plataforma, sua inserção nos ecossistemas de informação e as possibilidades de mudança destas novas formas de produção e trabalho visando o interesse coletivo e o bem comum. Também merece destaque um ensaio do filósofo francês Edgar Morin publicado no jornal Le Monde, em 1993: Pensamento socialista em ruínas. O que podemos esperar?, em que o autor discute o significado do socialismo a partir de uma possibilidade de revisão de seus aspectos constitutivos e de suas aspirações para a construção de uma sociedade melhor. 

Acesse a nova edição da revista MATRIZes na íntegra.

 

 

 

Imagem de capa: Romério Cunha/VPR / Agência Brasil
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