Feminismo e comunicação: jornalismo na luta por direitos
Artigo da última edição da revista Alterjor apresenta mídias independentes feministas no Brasil
Pesquisa publicada na revista Alterjor busca apresentar e explicar o conceito de mídia independente feminista e fazer um levantamento desse tipo de mídia presente no território brasileiro. Jornalismo Independente Feminista: mídias brasileiras é um artigo de Fernanda Nunes da Silveira, jornalista e mestre pela Universidade de Santa Cruz do Sul, universidade comunitária do Rio Grande do Sul.
O jornalismo independente feminista busca visibilizar pautas, opiniões e reivindicações das mulheres e do movimento feminista. Esse jornalismo é considerado independente por ser contra-hegemônico e porque as pautas do feminismo e suas lutas não costumam caber dentro de grandes jornais, que têm sua linha editorial regida pela lógica de mercado. E para dizer ao que a palavra feminista faz referência, Fernanda se apoia em outras pesquisadoras e explica que é um jornalismo “feito por mulheres, a respeito delas e para elas, objetivando ser um espelho fiel delas e suas contradições, desejos, conquistas, questionamentos, problemas e lutas”.
“Essas mídias trabalham com a diversidade e a pluralidade, buscando dar visibilidade para diferentes pessoas e as diferentes realidades nos seus discursos.”
Fernanda Nunes da Silveira, pesquisadora
Ondas feministas
O feminismo, resumidamente, teve três marcos históricos que ficaram conhecidos como ondas feministas.
Fernanda nos lembra que “A primeira onda feminista aconteceu entre o final do século XIX e no início do século XX e foi marcada pela luta por direitos básicos — como educação, voto e participação política na vida pública”. As mulheres brancas lutavam pelo direito à educação e defendiam que o casamento estava relacionado à sua condição de submissão. No mesmo período, as mulheres negras lutavam pela abolição da escravatura. A segunda onda foi marcada pela discussão em torno dos direitos reprodutivos e da maternidade. Houve o surgimento do feminismo radical e começou, também, a ser pautada a distinção entre sexo e gênero. Este movimento ocorreu entre as décadas de 1950 e 1990. Já na terceira onda, a partir dos anos 90, o foco é a diversidade e a necessidade de uma abordagem interseccional, levando em conta condições socioeconômicas, culturais e étnico-raciais.
Fernanda explica que alguns teóricos defendem a existência de uma quarta onda do feminismo, que seria essencial para entender as mídias independentes feministas, por ser marcada pela atuação dos movimentos sociais nas mídias digitais. Segundo o artigo, “é caracterizada pelo uso das redes sociais e a criação de mídias jornalísticas para transmitir informações, divulgar opiniões, promover debates e organizar mobilizações em escala global e com um público cada vez maior”.
Essa forma de ativismo feminista, de acordo com a autora, permitirá, devido ao grande alcance das redes, que essa luta entre no imaginário social, dê mais voz à mulheres em contextos diversos e que ressalte a abordagem interseccional mencionada anteriormente.
Jornalismo independente feminista
O jornalismo independente feminista age como um “espaço estratégico de ação política”, de acordo com o artigo. Os veículos provenientes desse jornalismo, por não estarem vinculados a grandes empresas de comunicação, têm uma linha editorial que favorece a produção de conteúdos que destoam do que é vinculado pela mídia hegemônica, criando espaço para expor ideais feministas e promover discussão e luta por direitos das mulheres.
Os critérios de noticiabilidade, que são os critérios para construção de uma pauta, desde a escolha do assunto a ser abordado e escolha das fontes de informação até a redação do texto em questão, são influenciados pelas relações de gênero e poder. Para a autora, os jornais independentes fugiriam desse padrão: “não se trata de um jornalismo apenas sobre mulheres ou temas importantes para elas, e sim de um jornalismo que respeita e inclui as diferentes pessoas e problematiza as relações desiguais e assimetrias baseadas no gênero, raça/etnia, classe social, orientação sexual, etc”. Esse seria, portanto, um espaço de resistência.
Onde estão esses jornais no Brasil?
A pesquisadora se baseia no Mapa do Jornalismo Independente da Agência Pública, primeira agência de jornalismo investigativo sem fins lucrativos do Brasil, para fazer a sua análise das mídias independentes feministas brasileiras. Ele foi lançado em 2016, é atualizado constantemente e possui os seguintes critérios de seleção para classificar um veículo como jornalístico e independente:
- Organizações que produzem primordialmente conteúdo jornalístico;
- Organizações que nasceram na internet;
- Projetos coletivos, que não se resumem a blogs;
- Sites não ligados a grandes grupos de mídia, políticos, organizações ou empresas.
De acordo com o artigo, dentre essas mídias, são sete as que se identificam com o “feminismo, as questões das mulheres e de gênero e que seguem atualizadas em 2022”, ano da pesquisa: AzMina; Catarinas; Cientista Que Virou Mãe; Gênero e Número; Lado M; Nós, Mulheres da Periferia e Think Olga:
- Catarinas é um portal de jornalismo focado nos direitos das mulheres. Apresenta a localidade como critério de noticiabilidade;
- Cientista Que Virou Mãe é um blog que trata da vida de mulheres mães com uma “perspectiva baseada na diversidade e interseccionalidade”;
- Lado M é um portal que foca no empoderamento das mulheres. Tem conteúdo plural e promove campanhas como #NãoQueroFlores e #NãoSouObrigada;
- Gênero e Número usa do jornalismo de dados para analisar temas em relação a gênero e raça/etnia;
- Nós, Mulheres da Periferia é um site que busca representatividade de mulheres periféricas e defende o feminismo interseccional;
- Think Olga é uma ONG que comunica e informa pessoas para contribuírem no debate de gênero e melhorar a compreensão sobre a realidade das mulheres;
- AzMina é um instituto que propõe a equidade de gênero através de cinco frentes: jornalismo, tecnologia, palestras, campanha e consultoria. Também sedia a
- Revista AzMina, que cobre pautas ignoradas pela mídia convencional ou que “em geral, são abordadas a partir da ótica dos homens ou que desconsideram o recorte de gênero”.
Veja mais da ECA na Alterjor
Nesta edição da revista, também foram publicados artigos de ecanos. Entre elas, a Fotorreportagem por IA no projeto 90 miles, de Wagner Souza e Silva, docente do Departamento de Jornalismo e Editoração (CJE). Ele apresenta o projeto 90 miles, de Michael Christopher Brown, que produz fotos de através de inteligência artificial.
Entre telas, jogos e plataformas digitais: estudo de caso do SBT (Sistema Brasileiro de Televisão) busca explorar o processo de multiplataformização do SBT, uma vez que a televisão não é mais o principal instrumento de consumo audiovisual. O artigo foi escrito por Ana Claudia Fernandes Gomes, doutora em Ciências da Comunicação pela ECA.
O artigo A composição verbal e visual de publicidades on-line no site da revista todateen, escrito por Morian Policeno dos Santos e por Lucilene dos Santos Gonzales, pós-doutora pela ECA, discorre sobre a migração da revista Todateen para o meio digital e como essa migração alterou a veiculação das publicidades da revista.
Para conferir todos os artigos publicados, acesse o site da revista.
Foto de capa: Fernando Frazão/Agência Brasil