CAC | Departamento de Artes Cênicas



Saberes de artistas populares ocupam seu espaço na ECA

Mestre Martelo apresentou a tradição do Cavalo Marinho em encontro do projeto Cantar-Dançar-Batucar, no Departamento de Artes Cênicas
 

Vida acadêmica

O encontro Saberes Ancestrais - De onde pra onde? O Mateus no Cavalo-Marinho Pernambucano faz parte do projeto Cantar-Dançar-Batucar: Encontro com Mestres(as), do Departamento de Artes Cênicas (CAC) e sob coordenação da professora Andréia Nhur. Nesse evento, que aconteceu no dia 24 de outubro, o convidado foi Sebastião Pereira de Lima, mais conhecido como Mestre Martelo, um importante representante do Cavalo-Marinho. 

O Cavalo-Marinho é um folguedo tradicional nos estados de Pernambuco, Paraíba e Alagoas, que junta personagens animais e humanos em diversas atividades artísticas, da dança à poesia. Mestre Martelo, integrante do grupo Estrela de Ouro, da cidade pernambucana de Condado, representa o papel do Mateus desde 1955. É o mais antigo do estado. Para ele, o “Mateus tá no cavalo-marinho como o palhaço tá no circo"

A professora Andreia enfatiza a necessidade de trazer para a Universidade o conhecimento dos artistas populares. “Eu sempre trabalhei com esses conteúdos e práticas das culturas populares, então já trazia alguns desses elementos. Buscava trazer outras poéticas que não só as europeias. Em um dado momento, vemos que é impossível falar desses conteúdos sem trazer as pessoas que portam esses saberes - os mestres”, ela afirma.

 

O encanto dos versos
 

Sentados nas poltronas do Teatro Laboratório, estudantes esperavam a chegada do mestre. De repente, um murmúrio começa a tomar conta da sala: o mestre chegou. Apenas na sua entrada, já foi possível perceber que se estava diante de uma figura singular. O senhor de 86 anos de idade veio descendo as escadas fingindo uma debilidade que mais tarde se provaria inexistente. Antes de chegar ao nível do palco, gritou “bom dia!” em voz alta e clara. 

Depois, foi se preparar nos camarins, deixando todos ainda mais ansiosos para o início da apresentação. Com uma breve introdução feita pelos pesquisadores Alício Amaral e Juliana Pardo, estudiosos dessa manifestação artística, o Mestre Martelo retorna. Vestido com os trajes típicos do Mateus, a primeira coisa que ele faz é chamar os presentes para se reunir ao seu redor. A plenos pulmões, entoa versos e histórias que prendem o público imediatamente. 

A tradição oral é um aspecto muito forte no Cavalo-Marinho e o Mateus precisa dominá-la. Após poucos minutos, nota-se que Mestre Martelo conhece inúmeras fábulas, que conta em uma prosódia melodiosa. Não há como deixar de perceber o amor com que ele faz isso, assim como o respeito e encanto presente na face dos ouvintes. Algumas horas mais tarde, os pesquisadores que conduziam a atividade pediram que o mestre parasse, para que pudessem passar para a próxima etapa. Se dependesse dele, porém, poderia puxar histórias por mais um bom tempo. 

 

Foto de um senhor negro vestido com um traje amarelo e preto estampado. Seu rosto está tinto com um pigmento preto. Ele também usa um chapéu em formato de cone decorado com fitas roxas brilhantes. Ele se movimenta com um dos braços erguidos. À sua frente, encontra-se um menino negro, que usa a mesma maquiagem e o mesmo chapéu, que se diferencia apenas pela cor rosa.
Mestre Martelo durante a brincadeira do Cavalo-Marinho. Ele afirma que o Mateus “tem que ter o corpo de mola”. Imagem: Pedro Bueno

 

A performance
 

A primeira coisa que Mestre Martelo faz é pintar seu rosto com um pigmento preto, representando a presença negra durante o período açucareiro da Zona da Mata pernambucana. Ele convida os alunos a fazerem o mesmo. Recita mais alguns versos, para depois tocar um instrumento curioso, que ele bate na perna para marcar o ritmo. Chamado de bexiga, ele tem um formato oval e é feito a partir da bexiga do boi. Ela é secada e, antes de ser tocada, enchida com ar. Todo esse processo é feito pelo Mateus. 

Mestre Martelo age com toda a naturalidade do mundo, afinal ele já teve a oportunidade de mostrar a sua arte em muitas cidades e até mesmo fora do país, como quando visitou a Alemanha, em 2010. Ele transita entre a poesia, a dança e a música com uma energia surpreendente para alguém da sua idade e sem se vangloriar da sua sabedoria. Quando lhe perguntam como ele virou mestre, responde: “que mestre o quê”. 

Esse encontro, bem como os outros promovidos pelo projeto Cantar-Dançar-Batucar, acolhem os estudantes de forma mais abrangente. Um dos objetivos da iniciativa é a permanência estudantil, já que os estudantes se sentem mais incluídos ao verem manifestações culturais de matrizes negras e populares no espaço universitário. A professora Andréia conta que recebeu retornos positivos dos alunos. 

Mas ela ressalva - “eu acho que esse pensamento decolonial começa a aparecer nos debates, nas bibliografias, mas ainda é tímido. A começar pelo fato de existirem pouquíssimos professores negros e indígenas, o que faz com que o debate não se instaure efetivamente”. No entanto, a vinda de figuras como o Mestre Martelo prometem mudar esse cenário.

 

 

 


Imagem de capa: Pedro Bueno