Chico Medina: 50 anos de história

O querido supervisor técnico do estúdio de TV do CTR completa cinco décadas de ECA
 

Comunidade

Às 6h da manhã, o rapaz de 21 anos começava seu caminho subindo no ônibus Largo da Concórdia, no bairro do Tatuapé, na zona leste de São Paulo. Depois de atravessar toda a avenida Celso Garcia, chegando ao centro da cidade, ele tomava outro ônibus que o levaria ao seu destino, a Universidade de São Paulo. O caminho nem sempre foi o mesmo, mas, durante 50 anos, Francisco Carlos Medina Coca vem se fazendo presente no dia a dia da Escola de Comunicações e Artes da maior universidade do país.

Chico é supervisor técnico do estúdio de TV do Departamento de Cinema, Rádio e Televisão (CTR) da ECA, mas já trabalhou em muitas áreas dentro do audiovisual. Ele acompanha estudantes e docentes na disciplina Direção de TV, que acontece todos os semestres pares quase que inteiramente no estúdio B do departamento. Ele conta que também ajuda os alunos a produzirem seus trabalhos pessoais, auxiliando a manusear os equipamentos e trocando conhecimentos. 

 

“Eu sinto que fui abençoado por trabalhar no que eu gosto. Eu vejo alunos como se fossem meus filhos, fico feliz em ver eles entrarem no curso e ajudar eles a se desenvolverem. É muito gratificante.” 

Chico Medina, supervisor técnico de estúdio de TV
 

 

Foto de um homem idoso de costas, operando uma câmera de vídeo em um estúdio. Ele tem cabelos e barba grisalhos, veste camiseta cinza e calça jeans e usa óculos e relógios pretos. No lado direito da imagem, há cinco rolos grandes de papel azuis e verdes, do lado esquerdo há equipamentos de audiovisual. As paredes e o teto do estúdio são pretos e o chão cinza.
Chico opera câmera do estúdio B do Departamento de Cinema, Rádio e Televisão, seu local de trabalho. Foto: Sofia Zizza/LAC ECA
 

 

O menino que gravava sons 

Chico relembra que a área técnica sempre chamou sua atenção. “Eu tinha um gravadorzinho em casa de fita cassete, gravava músicas, tirava cópias e dava para as pessoas de presente. Eu sempre tive o interesse de mexer com gravação”. No entanto, seu primeiro emprego não foi relacionado ao audiovisual. Ele começou a trabalhar, ainda muito novo, como promotor de vendas da marca Kolynos, que produzia pastas de dente. Com 14 anos de idade surgiu a oportunidade de colaborar com um estúdio de som no qual trabalhou por três anos como auxiliar técnico de gravação de eventos. Durante esse período, ele realizou um curso técnico de som e sonoplastia na TV Cultura, onde adquiriu grande parte de seus conhecimentos. 

Em 1973, aos 21 anos, um amigo que estudava Cinema na USP lhe informou sobre a abertura de uma vaga para técnico de som de cinema na ECA. “Então eu fiz o teste e entrei”, declara.  Ele afirma que os professores foram essenciais para que ele pudesse evoluir e aprender tudo que precisava fazer. Na época, a ECA acabava de passar pela Reforma Universitária, mudando de Escola de Comunicações Culturais para Escola de Comunicações e Artes. O curso que hoje é denominado Audiovisual, antes, era dividido em dois, o de Cinema e o de Rádio e Televisão. Ambos compartilhavam o departamento com o curso de Teatro, atual curso de Artes Cênicas. As aulas da graduação em Cinema aconteciam no Prédio Central da ECA, enquanto o curso de Rádio e Televisão tinha aulas no edifício que atualmente abriga a Reitoria. 
 

Foto em preto e branco de um amplo prédio de dois andares posicionado na diagonal da imagem. No térreo, na parte central,  pessoas em pé. Em frente há uma calçada, algumas árvores e arbustos, um gramado, um orelhão, uma caixa dos correios e duas pessoas caminhando.
O Prédio Central foi construído com a finalidade de abrigar o depósito e arquivo da administração da USP. A ECA foi transferida para o local em 1970. Foto: Acervo Pessoal Eduardo Farsetti. 

 

Em 2000, quando o curso de Cinema e o de Rádio e Televisão foram fundidos e renomeados para Audiovisual, Chico assumiu o cargo, que exerce até hoje, de técnico do estúdio de TV, onde cuida, principalmente, das imagens de produções televisivas. Ele explica que, aos poucos, foi tendo contato com os aparatos televisivos e aprendendo a nova função.  “O que me manteve aqui todos esses anos foi o prazer de trabalhar com o que gosto, eu me realizei aqui. Daqui não saio e daqui ninguém me tira”, Chico brinca ao mencionar que sua aposentadoria vai ter que ser compulsória, ou seja, quando atingir a idade limite de 75 anos. 

 

Do preto e branco ao Full HD

50 anos de história, para a tecnologia, significam bastante coisa. De 1973 a 2024 Chico vivenciou inúmeras mudanças nos modos de se fazer cinema e televisão. “Quando eu cheguei aqui os equipamentos eram todos grandes, caros e em pouca quantidade. Não tinha equipamento de gravação externa, por exemplo. Hoje em dia há mais de 30 câmeras”, conta. Ele relembra, que, na época em que trabalhava com sonoplastia de cinema, os sons eram gravados fora de estúdio e depois passavam por um longo processo, entre magnético perfurado, copião e moviola, até se tornarem um filme. O tratamento e a junção dos sons eram feitos dentro da ECA, mas a junção da parte imagética com a parte sonora do filme tinha que ser feita em laboratórios específicos fora da Universidade. “Hoje é tudo feito aqui, o filme sai pronto”, afirma. 

 

Fotografia antiga, em preto e branco, de três pessoas manuseando uma moviola de cinema em uma sala de edição. Um dos homens veste camisa social quadriculada, calças e usa óculos. Ele está sentado em um banco alto olhando diretamente para a moviola. Outra pessoa está de perfil sentada em uma cadeira com as mãos sobre a moviola, tem os cabelos lisos na altura do pescoço e usa roupa estampada e óculos. O terceiro homem ocupa o canto direito  da imagem em primeiro plano, ele tem cabelos lisos na altura dos ombros e veste camisa clara. A moviola ocupa metade da sala e tem vários pratos e eixos, sendo que em um deles está encaixado um rolo de filme. Em cima da moviola há uma luminária e um refletor e, no fundo da sala, há um armário com latas de filme.
Moviola no Laboratório de Cinema da ECA. Antes da gravação de vídeo em fitas e cartões e da edição em computadores, a moviola era o aparelho utilizado para fazer a montagem de filmes. Foto: Arquivo Pessoal Luís Milanesi. 

 

Chico afirma que, em determinado momento, chegaram equipamentos do curso de televisão para integrar os equipamentos do cinema, o que lhe provocou muito interesse. “Não tinha muito quem me auxiliasse com o equipamento de vídeo, eu aprendi praticamente sozinho”. Ele aponta que foi se transferindo aos poucos do som para o vídeo. “Eu acompanhava os alunos na operação das câmeras de gravação externas. Era um equipamento muito grande, complicado e robusto”.  Ele explica que a redução do tamanho das câmeras contribuiu muito para o barateamento de seu custo.

“Eu fui acompanhando essas mudanças, perguntando, pesquisando, sendo ajudado e também [aprendendo] por meio de cursos”. Ele relembra que sempre que era adquirido um novo equipamento era oferecido também um curso para aprendizagem. Ele dá o exemplo de quando os aparelhos de TV em preto e branco foram substituídos por coloridos da marca Sony e ele foi até a empresa para aprender a operar. 

Chico rememora, em tom de brincadeira, o momento em que foi instalado o cenário virtual no estúdio de TV. “Veio um engenheiro polonês para ajustar os equipamentos e eu montei junto com ele, ele [falando] em inglês e eu em português e nós nos entendemos perfeitamente”. Ele completa afirmando que, mesmo com a facilidade trazida pela nova tecnologia, os alunos acabam preferindo utilizar cenários físicos, uma vez que também é trabalhoso desenhar o cenário virtual que será utilizado. “Eu corri muito atrás para me adaptar a todas essas tecnologias, mas eu aprendi muito também. Até cheguei a fazer longas metragens para além da universidade”. Chico teve participação na área de som de produções como o longa-metragem produzido pela ECA As Três Mortes de Solano, de Roberto Santos, e no documentário Linha de Montagem, de Renato Tapajós, sobre as greves dos metalúrgicos no fim da década de 70. 

 

Foto de um estúdio de TV  com tela verde de chroma key em suas paredes laterais. O chão é revestido por um carpete preto e há duas camadas de cortinas pretas recolhidas. No teto estão instaladas estruturas que suportam luzes e refletores.
 Tela de chroma key instalada no estúdio de TV do CTR. Foto: Sofia Zizza/ LAC-ECA

 

Estudantes que vão e voltam 

Chico afirma que sua relação com os professores é sempre de colaboração, desde o início de sua trajetória. “Eu ajudo eles a dar aula, facilito as coisas, e eles me ensinam”. No entanto, ele lembra que antigamente a convivência entre funcionários, professores e alunos era maior, extrapolava mais o limite da sala de aula. “Nós almoçávamos e saíamos todos juntos. Era como uma família, tinham muitas festas, confraternizações, torneios entre os funcionários… Hoje em dia as relações são mais restritas ao ambiente de trabalho”, relata. 

“É uma maravilha trabalhar com eles, eu aprendo com eles e eles comigo. É um prazer pegar todo ano uma turma nova e acompanhar os quatro anos”, conta Chico sobre sua relação com os estudantes. Ele relata que ensina, mas que também aprende muito, principalmente, sobre internet, redes sociais e programas de edição. “Eu também conto as histórias de antigamente que eles gostam muito”, completa. 

Raissa dos Anjos, estudante do 5° semestre do curso de Audiovisual, conta que ainda não cursou a disciplina da qual Chico participa, mas que ele vem se fazendo, desde o ano passado, essencial em sua graduação. “Eu sempre ouvi falarem muito sobre ele no departamento. Até que, ano passado, precisei digitalizar fitas de DVcam e indicaram o Chico para me ajudar”. Ela fala que admira muito seu conhecimento com todas as etapas do audiovisual, desde o filme em si até saber diferenciar a função de cada equipamento. “Ele é uma pessoa pela qual tenho um carinho muito grande. Ele é muito atencioso e dedicado, e se propõe a explicar o funcionamento das coisas”. 

Raissa diz também que, sempre que tem um tempo, vai ao estúdio B para conversarem. “O Chico é uma daquelas pessoas que faz as outras felizes. Eu não sou de São Paulo, então sempre que tenho um encontro com alguém que não se deixa levar tanto pela correria, que é um pouco mais amistoso, carinhoso, é sempre um conforto, um aconchego”, completa. 

Chico relembra que viu a trajetória de estudantes que terminaram por se tornar professores do curso. Esse é o caso de Luís Fernando Angerami,  que leciona a disciplina Direção de TV. O docente conta que sua relação com Chico se iniciou há muito tempo, em 1982, quando ainda era aluno de Cinema. Luís relata que, em um dado momento de sua graduação,  ele passou a ter mais curiosidade para aprender a lidar com vídeo, pois era uma tecnologia muito distinta do que era trabalhado no curso de cinema. “Fomos procurar o Chico para nos dar um auxílio técnico e, embora não fosse obrigação dele, ele foi muito receptivo e generoso, compartilhou seu conhecimento. Desde aquela época eu tinha o Chico como uma referência de um profissional diferenciado, atento e disposto a ajudar”. 

Luís também comenta que retomou seu contato com Chico quando voltou para a ECA como docente, em 1988. “Ali começou uma parceria muito feliz na qual eu sou muito grato”. Ele explica que, na época, por estar iniciando sua carreira como docente, não possuía muita experiência. “Ele sempre muito calmo e muito paciente me ajudou muito na condução dessa disciplina e na estruturação do curso. Pudemos desenvolver juntos uma série de trabalhos”. 
 

Foto de  um grupo de aproximadamente 30 pessoas, majoritariamente brancas, de diferentes gêneros, sorrindo, diante de um cenário composto por biombos. Elas usam roupas coloridas e seguram objetos como placas, papéis, e bonecos. Algumas estão sentadas no chão, algumas em uma poltrona vermelha ou abaixadas e outras em pé. Em primeiro plano, um cavalete amarelo zebrado e um cubo preto.
Uma das turmas da disciplina de Direção de TV do curso de Audiovisual. Quase ao centro, de pé, está Chico Medina. Na frente dele, ajoelhados, os professores Almir Almas e Luís Fernando Angerami. No canto direito, de azul, Guido Agovino, técnico do Laboratório de Equipamentos, e na última fileira, de camiseta vinho, Marcos da Silva Pinto, iluminador. Foto: Arquivo Pessoal/Luís Fernando Angerami.

 

Desde então Luís afirma que o Chico se faz uma peça fundamental nessa disciplina, auxiliando na explicação e montagem de toda parte técnica das câmeras e do switcher. “Como é uma disciplina com uma carga grande, nossa convivência acaba sendo grande também, promovendo uma troca muito legal ao longo do semestre”. Ele também menciona a calma como uma característica muito marcante do Chico, que traz segurança para os alunos. “Isso é muito positivo, pois gravamos programas que são transmitidos ao vivo e que geram uma grande tensão em todos nós, principalmente nos alunos que estão fazendo pela primeira vez”.

Para Chico, que desde criança sempre gostou de assistir TV e fantasiar e imaginar, o trabalho no CTR representa uma realização. “Meu sonho sempre foi trabalhar com televisão, cinema e eu realizei”.

 

 


Imagem de capa: Sofia Zizza/ LAC ECA