CJE | Departamento de Jornalismo e Editoração



Aos 10 anos, Lei de Acesso à Informação resiste a entraves técnicos e políticos

LAI é importante ferramenta democrática, mas sofre sob uma cultura de opacidade e sigilo na administração pública

Comunidade

Com mais de um milhão de pedidos realizados, a Lei de Acesso à Informação (LAI) completou, no dia 16, dez anos como uma das principais ferramentas de transparência no Brasil. Apesar do balanço positivo, especialistas se preocupam com tentativas recentes de dificultar sua atuação.

Em vigor desde 2012, a LAI regulamenta o direito humano à informação e fortalece o exercício da democracia por meio de dois tipos de ação: a transparência ativa, na qual o governo divulga os dados proativamente no Portal da Transparência, e a passiva, que requer a solicitação da informação para o órgão responsável. Cada ente público tem seu próprio portal para receber as solicitações e deve dar um parecer no prazo de 20 dias - atualmente, o governo demora em média 15. 

Durante esses anos, o número de informações solicitadas vem crescendo. Segundo dados da Controladoria-Geral da União, em 2012 foram feitos 55.025 pedidos. Em 2021, o número foi de 1.093.504. 

Apesar disso, a lei precisa lidar com problemas como a qualidade das respostas fornecidas, o número de negativas pelos órgãos e a falta de conhecimento pela população. Um dos motivos para essas dificuldades é o fato da LAI ser uma lei muito nova.

 

“10 anos é pouco tempo. Por exemplo, a Freedom of Information Act (FOIA), lei norte-americana, tem mais de 50 anos, por isso é bem mais consolidada”.

Vinicius Guedes, jornalista, pós-doutor pela ECA, professor da Universidade Federal do Mato Grosso e membro fundador do coletivo Jornalistas Livres

 

Mas essa não é a única razão. Mesmo em meio a avanços, a legislação requer aprimoramentos. 

 
 
Os entraves da lei 

 

Print de tela mostrando a página inicial do Portal da Transparência do Governo Federal. No centro da imagem destaca-se uma série de retângulos azuis dispostos lado a lado. Cada retângulo é um atalho para um tema e tem uma imagem de fundo relacionada ao assunto. Há temas como Auxílio Emergencial, Despesas e Receitas, Estados e Municípios, Emenda Parlamentar, Viagens a Serviço, entre outros.
Página inicial do atual Portal da Transparência do Governo Federal. Fonte: site Portal da Transparência

“O balanço desses 10 anos é positivo”, defende Vitor Blotta, professor do Departamento de Jornalismo e Editoração (CJE), "mas a qualidade das respostas, alguns órgãos com mais dificuldade de fazer o trabalho de transparência e, mais recentemente, iniciativas de tentar dificultar e retroceder no caminho da transparência são alguns entraves.”

Dados da agência de jornalismo Fiquem Sabendo apontam que os órgãos federais têm encontrado novos meios de barrar pedidos, muitas vezes utilizando a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) como justificativa. Um exemplo recente foi a negativa de disponibilizar registros sobre as visitas dos pastores Arilton Moura e Gilmar Santos, ligados ao escândalo do balcão de negócios do Ministério da Educação

Um levantamento realizado pelo jornal O Globo mostra que o índice de não-respostas e a decretação de sigilos em documentos aumentou durante o governo Bolsonaro. 

Apesar desses casos, o relatório da Artigo 19, organização não-governamental de direitos humanos, conclui que houve um esforço maior, em especial dos estados e municípios, para aumentar a transparência.   

Segundo Vitor, os problemas nascem de uma conduta histórica de opacidade na administração pública brasileira. “Ainda vivemos sob essa cultura centenária de segredo, a ideia de que quanto mais informação circula mais exposto fica o poder público.”

Já Vinicius acredita que a gestão atual piorou a situação. “Esse é um governo de desconstrução nacional. A cultura militar é oposta à transparência e nós estamos sob um governo militar. Quando você tem um ex-militar como presidente da República, um militar reformado como vice-presidente, boa parte dos Ministérios ocupados por militares e mais de 8 mil militares com cargos de confiança, sem concurso, trabalhando para o governo, você tem um governo militar. Essa ideia da transparência muda e acaba refletindo o conceito militar de uso da informação.”

Além disso, a LAI enfrenta dificuldades causadas pela falta de organização dos órgãos públicos.

 

“Temos um poder acostumado a ser opaco e que não fez muito esforço para criar uma cultura de transparência e campanhas de conscientização dos servidores públicos, o que reflete na capacidade técnica de resposta”.

Vitor Blotta, docente do CJE

 

 
Políticas públicas e atores sociais

 

Uma das maneiras de fortalecer a lei é fazer com que a sociedade se aproprie de seu uso. Apesar de ser muito utilizada por jornalistas, os professores concordam que a LAI carece de um reconhecimento mais abrangente. 

Prova disso está em análise feita pela Fiquem Sabendo. Segundo os dados, a LAI teve um boom de pedidos em 2020, primeiro ano da pandemia. O problema? Eram solicitações pessoais referentes ao auxílio emergencial.

Gráfico de linha na cor amarela mostrando o pico de solicitações registradas em 2020, cerca de 150 mil pedidos. No título, “número de solicitações feitas por meio da Lei de Acesso à Informação ao governo federal brasileiro (2013-2021)”.
Número de pedidos aumentou em 2020, mas muitos foram feitos de maneira incorreta. Fonte: Luiz Fernando Toledo/ Fiquem Sabendo

Para evidenciar a função da lei entre os cidadãos, o Estado e outros atores sociais precisam reforçar a cultura de transparência. O governo, por meio de ações educativas para a população e servidores; a imprensa, com a produção de materiais que utilizem e divulguem essas informações. Iniciativas como as da Fiquem Sabendo e da Artigo 19 são bons exemplos. 

Os problemas técnicos e de organização podem encontrar soluções em parcerias com profissionais da área de gestão de informação, incluindo universidades, que também possuem um papel importante nesse processo.

Segundo Vinicius, o evento em comemoração aos 10 anos da LAI realizado no dia 16 na ECA - que contou com a participação da Embaixada dos Estados Unidos, da Fiquem Sabendo e do jornalista americano Jason Leopold, do BuzzFeed - é um exemplo a ser seguido. “É muito importante a gente apresentar a LAI para os alunos de jornalismo também, assim eles vão saber que existe essa possibilidade para suas futuras matérias.” 

 
 
O futuro demanda mudanças

 

“Não tem como prever o futuro”, declara Vinicius; “o que a gente pode fazer é analisar o passado para entender o presente e a partir daí traçar possibilidades de futuro”. E as possibilidades para a LAI podem ser positivas.

Além da implementação de políticas histórico-educativas, da melhora na qualidade dos serviços oferecidos pelos órgãos e da atuação dos agentes sociais, Vitor defende a implementação de uma política de reconhecimento.

 

“O que devemos almejar daqui para frente é uma política de acesso à informação como reconhecimento e não somente como ausência de restrição. Temos que pensar na qualidade dessa informação e para quem nós estamos falando.” 

Vitor Blotta, docente do CJE

 

A política de reconhecimento exige a aplicação de práticas que dialoguem com o cidadão. A disponibilização de dados transparentes sobre grupos que sofrem maior violência, como a população negra e indígena, mulheres e pessoas trans são exemplos disso.

Essas práticas também contemplam o respeito com as condições de recepção da população que está pedindo a informação. Ou seja, o fornecimento de dados mais acessíveis e menos complexos, cuidado necessário em um país grande e com diferentes condições sociais como o Brasil. 

Fique por dentro
 

Para acompanhar análises e relatórios dos dados obtidos pela Lei de Acesso à Informação você pode assinar a newsletter Don’t LAI to me, da agência de jornalismo investigativo Fiquem Sabendo, ou acompanhar a ONG Artigo 19, que desde 2012 produz pesquisas e levantamentos sobre a atuação da LAI. 

Essa implementação demanda tempo e esforço. “Iniciamos esse movimento 10 anos atrás e, como sabemos, mudanças na cultura política são processos longos. Mas eu acredito que a gente está no caminho certo”, conclui Vitor. 

Para os docentes, a preservação e o fortalecimento da LAI vão depender das ações dos agentes sociais e do governo que entrará em vigor. “Temos que tentar virar esse jogo para que haja mais transparência, mais informação e mais participação popular; para que as pessoas conheçam o direito à informação que possuem; e para que jornalistas não sejam mais intimidados, agredidos e desrespeitados”, conclui Vinicius.

 

 

 

 

 

Imagem de capa: versão antiga do Portal da Transparência do Governo Federal. Foto: Agência Brasil