Como o livro se torna livro? Conheça a Com-Arte, editora laboratório da ECA
A editora já reúne mais de 200 obras publicadas em seu portfólio e tem estudantes participando de todas as etapas do processo editorial
A Com-Arte é a editora laboratório do curso de Editoração da ECA. É um espaço de experimentação para que estudantes coloquem em prática o que aprenderam durante a graduação. A editora já reúne mais de 200 obras publicadas em seu portfólio e os alunos participam de todas as etapas do processo editorial. Um dos professores responsáveis Com-Arte, Plínio Martins Filho, do Departamento de Jornalismo e Editoração (CJE), é também um dos idealizadores da Festa do Livro da USP.
Na 26º edição da Festa, que aconteceu entre 6 e 10 de novembro, a Com-Arte esteve presente com diversos livros em seu stand, onde os alunos puderam viver a experiência de entrega das obras ao consumidor final, o leitor.
Como nasceu a Com-Arte?
Plínio afirma que a Com-Arte surgiu como uma maneira dos alunos do curso de Editoração terem a oportunidade de praticar os processos editoriais, adquirindo conhecimento e participando da produção de livros de ponta a ponta, do autor até o leitor.
“Estamos contribuindo para a formação de profissionais, principalmente editores. E não editores comerciais, mas sim editores que tenham projetos culturais, pessoas que possam influenciar, que possam, de fato, mostrar o que é possível fazer com o livro e criar projetos”.
Plínio Martins Filho, docente do CJE
No curso de Editoração, o primeiro ano é focado em humanidades, com disciplinas como História do Livro, e Teoria da Literatura. A partir do segundo ano, começam as disciplinas específicas. O laboratório da Com-Arte é a síntese desses aprendizados teóricos e práticos, segundo o professor Thiago Mio Salla, docente do CJE. Um exemplo é a disciplina Introdução à Edótica, em que os estudantes aprendem os princípios para o estabelecimento de um texto e sua posterior publicação. Para estabelecer um texto, é necessário pesquisar e analisar as características de diferentes versões e edições de uma determinada obra, além de investigar outros aspectos relativos à sua produção e autoria. A coleção Reserva Literária da Com-Arte reúne publicações editadas no âmbito dessa disciplina, com obras de autores consagrados, como Mário de Andrade, e de escritores menos conhecidos, a exemplo de Arnaldo Tabayá.
A editora começou com a produção de cadernos de jornalismo, com uma divulgação mais interna, restrita à ECA. A partir de 2013, houve uma profissionalização do laboratório, com a criação de um catálogo coerente, mas sem perder a proposta de formação de editores. Aos poucos, o laboratório foi construindo seu nome de editora de livros, ampliando e diversificando seu catálogo até chegar naquilo que Thiago chama de “carro-chefe” , que são os livros sobre livros.
Como uma editora laboratório funciona?
O processo de edição de um livro da Com-Arte é similar ao de outras editoras, começando com prospecção de originais, que consiste no levantamento e seleção de textos compatíveis com a linha editorial da Com-Arte. Em seguida, começa o processo jurídico de contrato e a preparação do original. A próxima etapa é o projeto gráfico e, depois, há a revisão de prova, ou seja, uma espécie de protótipo do livro (conhecido como boneco) é impressa e verifica-se toda a formatação, diagramação e qualidade dos designs, além do material utilizado. Ao final do processo editorial, começa a etapa comercial, com eventos de lançamento e comunicação com as mídias para divulgação da obra.
Algumas das obras publicadas pela Com-Arte são teses de mestrado e doutorado. Marisa Midori, docente do CJE, afirma que, apesar das editoras universitárias não publicarem mais este tipo de obra (por partirem do pressuposto que a pesquisa está disponível em um banco de teses), transpor pesquisas para o formato livro, como a coleção Universidade e Sociedade faz, é uma maneira de tornar mais acessíveis os resultados das investigações científicas. “O produto final não é mais aquele mestrado e aquele doutorado que foi publicado no banco de teses de uma biblioteca, ele é um livro. Isso muda tudo ", diz Marisa.
Como o livro se torna livro?
Os docentes afirmam que a parte mais difícil do processo editorial, porém mais importante, é o livro chegar ao leitor. O livro só se torna livro quando chega ao leitor e, para que isso aconteça, é necessária uma identidade bem-estabelecida e com conteúdos de qualidade. Plínio chama atenção para o déficit de livrarias no Brasil e a falta de diversidade no catálogo oferecido por elas. “A gente gostaria, de fato, que houvesse uma rede de livrarias que desse conta dessa diversidade porque não tem coisa mais fantástica do que você descobrir um livro que você nunca viu”.
Segundo Marisa, todo o esforço é recompensado quando os livros encontram seu leitor: “chegar na Festa do Livro e ver um leitor que pega o livro e compra é um reconhecimento para todo esse trabalho [de produção de livros]”.
“É um prazer que você sente de levar o livro, de ver o livro que você fez, de sentir que você está contribuindo de alguma forma para essa formação cultural do Brasil.”
Plínio Martins Filho, docente do CJE
O processo de trabalhar com livros
Para trabalhar com livros, na visão de Thiago, é essencial ter um cuidado: “o livro tem a hora dele, não adianta ter pressa”. Para Plínio, “pode demorar um, dois, três, até quatro anos. O livro tem isso porque não é uma coisa que sai rapidinho. Se ele demora três anos as pessoas acham muito, mas ele vai durar cem anos”. O cuidado é necessário para que a obra seja assertiva e atinja o seu público. Plínio continua, dizendo que para trabalhar com livros “você tem que ter a paixão pelo livro, tem, acima de tudo, que ter a paixão pela leitura” para que seja algo que mude vidas, que mude pessoas.
Os docentes destacam a bibliodiversidade atual nas editoras, algo nunca tido antes. Além disso, editoras independentes vêm ganhando cada vez mais força e os livros impressos estão voltando a ocupar espaço na vida dos jovens. Marisa afirma que “a leitura tem um outro tempo de reflexão. Acho que não só a produção do livro impresso, mas a própria leitura de um livro impresso demanda uma outra dimensão temporal e espacial, e isso entrou na vida dos jovens”.
Conheça alguns projetos de destaque desenvolvidos pela Com-Arte
- Periferia Livr@
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Periferia Livr@ é um projeto de cultura e extensão em parceria com a FEA, que criou uma editora com catálogo, autores e estudantes da periferia;
- Memória Militante
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A coleção Memória Militante reúne textos de ativistas que lutaram contra a ditadura militar. Um dos destaques dessa coleção é o design. A sobrecapa do livro, feita em um papel semelhante ao sulfite e com poucas cores, foi concebida como uma referência aos lambe-lambes utilizados até hoje como forma de expressão por grupos ativistas;
- Design de Capas do Livro Didático
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A obra Design de Capas do Livro Didático é a primeira publicação da Com-Arte a ganhar um prêmio Jabuti;
- Universidade e Sociedade
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A coleção Universidade e Sociedade publica dissertações e teses inéditas da USP e de outras universidades brasileiras que abordam questões sociais. Um dos livros é o Páginas Coloridas, tese defendida pelo Programa de Pós Graduação em Ciência da Comunicação (PPGCOM) da ECA;
- Memória Tipográfica
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Memória Tipográfica é uma coleção que, como o próprio nome indica, busca resgatar e valorizar a memória da indústria tipográfica no Brasil, apresentando a história, técnicas e termos deste ofício. As obras procuram orientar e guiar profissionais da área de edição de livros;
- Com-Arte Horror
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A Com-Arte Horror é um selo de clássicos de horror atualmente em desenvolvimento, que será ilustrado em parceria com estudantes do Departamento de Artes Plásticas (CAP) da ECA.