CAP | Departamento de Artes Plásticas



Das aulas na ECA aos livros e roteiros: Janaína Tokitaka mostra diferentes possibilidades de carreira nas artes

A roteirista e escritora trabalhou em séries como De Volta aos Quinze e Mila no Multiverso

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Foto da escritora Janaína Tokitaka, uma mulher de traços asiáticos, olhos castanhos, cabelos grisalhos, curtos e ondulados. Ela olha em direção à câmera e usa blusa com listras brancas e pretas. Ao fundo, uma parede branca com um quadro branco com moldura preta.
Ex-aluna da ECA, Janaína Tokitaka é escritora e roteirista. Imagem: Instagram @jtokitaka 

“Eu lembro de me sentir muito em casa pela primeira vez”: é como Janaína Tokitaka descreve sua experiência na graduação. Formada na ECA em 2008, no curso de Artes Plásticas — hoje chamado Artes Visuais —, Janaína, que demonstrou desde cedo interesse no universo das artes e narrativas, relata ter tido na ECA a oportunidade de explorar mais esses saberes nas disciplinas da grade de seu curso e nas optativas oferecidas em diferentes departamentos da escola.

Atualmente, escritora e roteirista, Janaína começou sua carreira ainda na ECA, em meados de 2005, com a ilustração de livros infantis. Em 2010, publicou seu primeiro livro, Tem um Monstro no meu Jardim, pela editora Escrita Fina. Desde então, ela publicou mais de 20 livros, foi roteirista em animações como Clube da Anittinha (Gloob) e Oswaldo (Cartoon Network), e séries juvenis como De Volta Aos Quinze (Netflix) e Mila no Multiverso (Disney+), da qual também é criadora.

Ela explica que mesmo sendo o audiovisual a sua principal área de atuação, a formação em Artes Plásticas é essencial na construção dos seus trabalhos: “A minha base está sempre nas artes gráficas porque é de onde saíram os livros, o universo da gravura. Eu uso ela até agora, para pensar os espaços e as imagens nos roteiros.”

Janaína conta que  mantém contato próximo com muitas pessoas que conheceu durante a graduação e que essas relações se estendem para os projetos que realiza atualmente, quando há oportunidade de trabalhar com antigos colegas de curso. 

 

“Quando eu entrei na faculdade, pensei: então, aqui estão as minhas pessoas e as pessoas que também se interessam por essas coisas esquisitas que eu sempre me interessei. Eu não sentia isso na escola, eu não sentia isso em outros lugares”.

Janaína Tokitaka, escritora e roteirista 

 

 

O trabalho com roteiros

Imagem de divulgação da série De Volta aos 15. No cartaz, está a foto da  atriz Camila Queiroz e, à sua frente, um celular antigo cuja tela mostra a foto da atriz Maísa Silva. Ambas são mulheres brancas com cabelos castanhos cacheados pouco abaixo dos ombros e trajam camisa xadrez de rosa e roxo sobre camiseta roxa. O fundo é colorido e conta com diversos elementos que remetem ao universo da adolescência e aos anos 2000, tais como adesivos, computadores antigos e CDs, em tons de azul, rosa, lilás, amarelo e branco.
A série De Volta aos 15 é inspirada em livro de mesmo título e foi adaptada por Janaína para a Netflix. Imagem: divulgação Netflix

Cercada por literatura e audiovisual, a roteirista conta como foi a experiência de transitar por esses dois universos na adaptação do livro De Volta aos 15 para as telas da Netflix na primeira temporada da série: “Eu fiz essa proposta para a Netflix, cheguei com uma ideia de adaptar o livro. [...] Muita coisa se mantém e outras mudam, porque são linguagens diferentes, o meu trabalho foi muito de entender o que que era importante naquela história,  para não perder e guardar com muito carinho”. 

O seriado conta a história de Anita, uma mulher de 30 anos que viaja no tempo. De volta aos 15 anos, a personagem revive suas experiências da adolescência — primeiros amores, conflitos na escola e com a família e outras questões típicas dessa fase. Todavia, todas as suas decisões acabam afetando  o futuro e mudando os rumos de sua vida adulta. Perguntada sobre o processo de criação do roteiro, Janaína comenta que trouxe elementos da própria adolescência nos anos 2000 para a história e ambientação. “Acho que pega muito para quem tem 30 anos também, não é só para quem tem 15, porque a série também vai nesse lugar efetivo”, afirma. Após uma primeira temporada bem-sucedida — a segunda temporada da série chegou ao catálogo da Netflix em 5 de julho — Janaína deixou o projeto, mantendo seus créditos de adaptação, para seguir em um novo trabalho: Mila no Multiverso.

Também voltada para o público infanto-juvenil, a produção é a primeira aposta do Disney+ em uma ficção científica nacional. Na série, a personagem Mila transita por dimensões diferentes à procura da mãe, com o auxílio de um artefato tecnológico. Em sua aventura, a personagem ainda enfrenta os Operadores, vilões que perseguem a jovem para obter o aparelho. Para Janaína, o desenvolvimento do seriado foi desafiador, por se tratar de um gênero pouco explorado em produções brasileiras: “Eu agarrei essa oportunidade, pensei ‘talvez seja muito difícil acontecer de novo, ainda mais por ser ficção científica’, que é um gênero super complicado. Era um sonho da minha vida fazer uma série de ficção científica”. Lançada em janeiro deste ano, Mila no Multiverso foi criada por Janaína Tokitaka juntamente com Cássio Koshikumo, que se formou em Audiovisual pela ECA em 2007. 

 

O processo criativo

 Pôster de divulgação da série Mila no Multiverso. Na imagem, quatro personagens adolescentes aparecem ao centro, em diferentes planos. Em primeiro plano está Laura Luz, uma jovem negra, que segura um pequeno objeto com as duas mãos, caracterizada como Mila; à direita, mais ao fundo, estão os atores Yuki Sugimoto e João Victor Gonçalves, que interpretam as personagens Juliana e  Vinícius. À esquerda de Mila, em segundo plano, está Dani Flomin, cuja personagem na série é Pierre. No centro do cartaz, abaixo de Mila, estão o título do seriado, a logo do Disney+ e os dizeres: Série Original, 25 de Janeiro.
Criada por dois ex-estudantes da ECA, a série Mila no Multiverso é a primeira produção de ficção científica nacional do Disney+. Imagem: divulgação Disney +

Sobre a criação de diferentes narrativas e o exercício constante de trabalhar com criatividade, Janaína conta que se apoia muito na observação da realidade para construir seus personagens e a ambientação das histórias. A análise da postura e do trabalho dos próprios atores, por exemplo, influencia muito o processo de escrita dos roteiros, que aproveitam características de pessoas reais para a ficção: “a gente joga muito com o que o ator já tem. No caso do De Volta [aos 15], por exemplo, eu fiquei prestando atenção na embocadura da Maísa, como ela falava as coisas, que tipo de expressão ela falava mais ou falava menos. No Mila [no Multiverso], também. A gente ficou aproveitando o que os atores já tinham.

Para a produção de obras infantis e infantojuvenis, a roteirista considera que a criação pode ser ainda mais desafiadora, especialmente na adaptação da linguagem para o público que, apesar de jovem, é muito exigente. Ela acredita que a capacidade crítica das crianças e adolescentes é, por vezes, subestimada, afetando a qualidade das produções, que deixam de tratar de temas importantes. Janaína defende que, para escrever para essa faixa etária, é essencial que o autor tenha uma boa memória da própria infância e da adolescência, fazendo um exercício constante de lembrar dos sentimentos, pensamentos e conflitos dessas fases da vida. 

 

Diversidade é marca de seus trabalhos

Nas telas ou nos livros, uma característica essencial dos trabalhos de Janaína Tokitaka é a abordagem de questões relacionadas à diversidade. A roteirista afirma não abrir mão de trazer representatividade para suas obras: “sempre foi uma bandeira minha. Enquanto eu viver, vou estar ali falando ‘tem que respeitar a diversidade’. Sem isso não é uma história de verdade para mim”. 

Capa do livro infantil Pode Pegar! (Boitatá). Na imagem, o título da obra está centralizado na parte de cima, em azul claro. À esquerda, no canto inferior, há o desenho de um coelho cinza, vestido com um colete azul sobre uma camisa amarela e usando calças listradas. Do lado direito, há um coelho branco usando chapéu cinza, blusa e saia em tons de rosa. Os coelhos estão jogando sapatos vermelhos um para o outro.
 Capa de Pode Pegar! (Boitatá), livro infantil sobre estereótipos de gênero. Imagem: reprodução Editora Boitempo 

Ela ainda reflete que essa preocupação diz respeito à responsabilidade que existe em trabalhar com um público jovem, adaptando a linguagem de forma adequada. Em Pode Pegar! (Boitatá), livro destinado a crianças entre quatro e sete anos, Janaína aborda questões de gênero de forma lúdica, por meio de personagens que questionam  padrões e estereótipos sobre o que seria “de menino” ou “de menina”. Suas obras contam com personagens de diferentes realidades e grupos sociais, muitas vezes envolvendo elementos fantásticos ou fantasiosos em interação com a realidade:

 

“Se só tiver gente branca, gente rica, se só tiver homens, eu não acho certo. Eu acho que não representa o mundo em que a gente vive e o que a gente vê na tela é um recorte da realidade.”

Janaína Tokitaka, escritora e roteirista 

 


Projetos atuais e conselhos para estudantes da ECA

Nas redes sociais, em especial no Instagram, Janaína Tokitaka fala sobre seus trabalhos e rotina. Mãe de Rosa, de sete anos, ela também compartilha questões sobre a maternidade, dando dicas de leituras e atividades para realizar com os pequenos. Ela divulga muitas das suas novas publicações, como os livros da coleção Canoa (Companhia das Letrinhas), em que reformula contos de fadas, tratando de assuntos de diversidade e representatividade de forma lúdica para crianças.

Para os estudantes da ECA, Janaína deixa um conselho: “foco em trabalhos coletivos, porque os artistas são muito acostumados a criar sozinhos. É uma boa lição tanto para o ego quanto para a vida”. Ela ainda destaca as diversas oportunidades oferecidas pela USP e aconselha os estudantes a aproveitarem o máximo possível: “o melhor que você pode tirar de um lugar como a ECA-USP é cursar um monte de aulas ‘nada a ver’. Se dediquem aos assuntos que vocês acham interessantes e estejam atentos para gostar de aprender”.

 


Imagem de capa: Instagram @jtokitaka