O que faz um professor sênior?
Docentes explicam o programa e relatam suas trajetórias e experiências
“A maior parte dos professores seniores que eu conheço são professores que amavam tanto dar aula que não conseguiram parar”, conta o docente sênior Marco Antonio da Silva Ramos, do Departamento de Música (CMU). Ele está aposentado desde 2019 e segue atuando na ECA. Participante do mesmo programa, o professor Adilson Odair Citelli, do Departamento de Comunicações e Artes (CCA), afirma que a posição sênior é “um expediente que faculta aos professores aposentados uma continuidade do trabalho acadêmico, com a possibilidade de utilização dos espaços da universidade de uma forma mais institucionalizada”.
Do Departamento de Jornalismo e Editoração (CJE), a docente Elisabeth Saad relata que sua função visa apoiar a formação de novos pesquisadores, docentes e estudantes de todos os níveis. “A existência da figura sênior da universidade objetiva reter talentos que podem ainda oferecer para a universidade uma sucessão de conteúdos e saberes.”
Por que ser um professor sênior?
O Professor Marco Antônio comenta que se aposentou por vontade própria e antes do tempo estipulado para sua aposentadoria compulsória, prevista para os 75 anos, pois estava fatigado de lidar com toda a burocracia atrelada à vida de um docente da USP. “Eu tinha que cuidar, além da parte musical, da administração de vários projetos. Eu nunca estudei para ser administrador, meu negócio sempre foi a música”. Quando o docente se aposentou não queria parar de ministrar aulas e, por isso, quis entrar para o Programa Professor Sênior. “A coisa que eu mais gosto na minha vida sempre foi a convivência com os alunos”.
A professora Beth Saad conta que decidiu se aposentar e se tornar uma professora sênior também antes de seu prazo para a aposentadoria compulsória. A decisão se deu por necessidade de reduzir a intensidade de suas atividades profissionais. “A posição de sênior te permite escolher o que quer fazer”.
“Estar como professor sênior é retribuir à Universidade de São Paulo tudo que ela me proporcionou. Essa colaboração me permite colocar conhecimentos em circulação e formar alunos”, afirma o professor Adilson Citelli, reforçando que seu interesse era dar continuidade ao seu trabalho na ECA.
Ensino, pesquisa e extensão
Dentre as atividades que podem ser continuadas ou começadas por esses professores, pode-se citar a possibilidade de ministrar disciplinas tanto na graduação quanto na pós graduação e realizar orientação de TCC e pesquisas, além da possibilidade de prosseguir como coordenador acadêmico de projetos.
Adilson Citelli conta que, após ingressar no programa, seguiu ministrando aulas na pós-graduação, mais especificamente no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação (PPGCOM). Ele relata que pelo fato do curso de pós ter a possibilidade de acontecer parcialmente à distância, teve experiências novas e agregadoras. “Tive alunos de locais e formações diferentes. Aconteciam diálogos muito especiais, pois eram advindos de experiências formativas distintas”.
O docente também fala sobre a continuidade na liderança do Grupo de Pesquisa Mediações Educativas (MECOM), o qual tem o objetivo de entender as relações da comunicação com a educação formal. O grupo realiza pesquisas e publica livros e relatórios. “O relatório mais recente, publicado em 2023 e denominado Ensino Remoto Emergencial e Transições Associadas, é resultado de uma pesquisa enorme que fizemos sobre o impacto da covid-19 nas escolas, sempre olhando o problema pela ótica comunicacional”, conta.
COM + é o Grupo de Pesquisa em Comunicação, Jornalismo e Mídias Digitais da ECA, vinculado ao PPGCOM e que tem como um de seus líderes a professora sênior Beth Saad. O grupo abarca pesquisadores envolvidos com temas relacionados à comunicação e mídias digitais. “Escrevemos um livro a cada dois anos com os principais conteúdos que trabalhamos durante o período. Os livros são gratuitos e em formato e-book”, explica a docente. Ela conta que depois de se tornar sênior, pode se inserir mais nas discussões do grupo, bem como participar eventualmente de outros grupos. “Você é chamado para estar como referência, como alguém que entende do assunto. Com a senioridade você tem tempo para essas coisas”.
Beth Saad segue também ligada a projetos internacionais, como o grupo Journalism: Safety Matters, liderado pela Oslo Metropolitan University e sediado na Noruega. Em conjunto, participam a USP, a Universidade de Tulsa, dos Estados Unidos, e a Universidade de Witwatersrand, de Joanesburgo, África do Sul. Seu objetivo é fornecer insumos para a pesquisa e vivência de doutorandos dentro do tema Assédios, Riscos e Violências Contra Jornalistas. “Todos ano selecionamos três doutorandos da ECA para passar 15 dias em Oslo convivendo com alunos de outros países e, em grupos, definir uma atividade de pesquisa que gerará uma publicação”. Ela acrescenta que durante esse período há também um treinamento de campo no qual são simuladas situações de violência contra jornalistas.
A docente continua regularmente ministrando aulas e oferecendo orientação na pós-graduação. “Eu também oriento alunos de pós-doutorado e TCC na graduação, desde que sejam vinculados aos meus temas de pesquisa, como jornalismo digital e gestão de empresas jornalísticas”.
Marco Antonio relata que depois de se tornar professor sênior continuou por mais dois anos dirigindo o Coral da ECA. Ele ainda acompanha eventualmente as atividades do grupo, que agora está sob a direção de Paulo Frederico, docente do CMU.
“Na pandemia continuei como regente e diretor artístico do Coro de Câmara, um dos coros do Laboratório Coral Comunicantus, até ele ser extinto em 2022. O Coro era formado por bolsistas selecionados, tendo como requisito uma boa leitura, voz trabalhada e experiência de coral anterior”, relata Marco. Hoje em dia, o docente segue coordenando o Coral Escola, também um dos grupos do Laboratório Coral Comunicantus, e orientando estudantes do Programa de Pós-Graduação em Música (PPGMUS) na linha de pesquisa Questões Interpretativas.
Mais disponibilidade e algumas restrições
Algumas atividades devem ser interrompidas pelo docente a partir do momento em que se aposenta e ingressa no programa de professor sênior. Não é possível compor colégios eleitorais da universidade, nem votar e ser votado. O professor também não pode ser responsável por atividades financeiras de projetos ou grupos, que devem ser transferidas a um docente regular.
Beth Saad comenta que essa regra gera alguns impasses. “Depois que eu me aposentei eu passei a ter mais disponibilidade para desenvolver pesquisas e contatos com universidades estrangeiras. No entanto, esses projetos envolvem recursos financeiros e eu, como coordenadora, não tenho permissão para regularizar os contratos”. Ela explica que isso resulta em parcerias com docentes ativos que têm o desejo de pesquisar sobre o mesmo tema e assumir essa carga burocrática adicional. “Se tivesse que mudar alguma coisa na atividade do sênior seria dar mais flexibilidade para essa gestão de projetos de pesquisa que envolvam recursos, de forma a facilitar seu desenvolvimento”.
A docente opina também sobre a falta de investimento das agências financiadoras de projetos de pesquisa em professores sêniores. Essas agências deixariam de aprovar projetos que têm todos os requisitos exigidos só pelo fato de serem coordenados por professores dessa categoria. “Duas vezes eu apresentei um projeto para o Projeto Temático da Fapesp, o qual é centralizado por um tema em que vários professores colaboram. Nessas duas vezes o projeto foi rejeitado pelo fato de eu ser sênior”.
“A vida do professor na USP é uma vida em grupo. Você não vive de uma maneira isolada, você está sempre se relacionando com colegas”, reflete Beth. Ela explica que, por conta do conjunto de restrições em torno do cargo, existe uma possibilidade maior do docente se isolar, caso ele deixe de efetivar sua atuação e participação. “Por mais que o professor tenha contribuído muito para sua vida acadêmica, existe o risco do esquecimento”, completa.
Adilson Citelli aponta que acha interessante a possibilidade de um incentivo maior da universidade para que docentes prestes a se aposentar se tornem seniores. “Muitos não moram tão perto do campus e têm que custear, além da preparação de materiais de trabalho, o deslocamento até o local de trabalho. Como não há nenhum tipo de remuneração ou auxílio, alguns acabam desistindo de dar continuidade à atuação na universidade”.
O programa Professor Sênior na ECA
Em 2012, foi criado o Programa Professor Sênior, que visa à continuidade do trabalho de docentes já aposentados na universidade. No final de março de 2024, a ECA conta com 46 professores sêniores.
A resolução Nº 6073, de primeiro de março de 2012, traz uma série de regras e regulamentações a serem contempladas pelo programa.
O ingresso no programa de professor sênior não gera nenhum vínculo empregatício, ou seja, não há nenhuma obrigação de natureza trabalhista, é um trabalho voluntário. Para participar, o docente pode solicitar por conta própria ou pode ser convidado pelo departamento. No entanto, é necessário atender certos requisitos: possuir título de doutor pela USP ou de validade nacional, possuir atuação como docente na USP comprovada e estar aposentado ou encontrar-se a menos de seis meses da data prevista para a aposentadoria compulsória. Há uma cláusula que afirma que poderão ser admitidos docentes que não possuam o título de doutor, caso atendam às demais exigências e recebam o voto favorável de dois terços dos membros da Congregação da unidade ou colegiado equivalente.
Atendidas essas condições, o docente necessita realizar um plano de atividades de ensino, pesquisa e/ou extensão que serão desempenhadas durante os dois anos de vigência do contrato. O plano deve ser aprovado pela Congregação ou pela instância decisória equivalente. Até três meses antes do vencimento do período, poderá ser acordado, caso seja de interesse do docente, um novo Termo de Colaboração. Para isso, será necessário um novo plano de atividades juntamente com um relatório das atividades realizadas e aprovadas no biênio anterior.
Foto de capa: Montagem com fotos do rosto de 24 professores seniores que participam do programa em 2024 -Da direita para a esquerda, de cima para baixo: Alice Mitika (Reprodução/Jornal da USP); Regina Keiko (Reprodução Congressos Virtuais); Ismar de Oliveira (Leonardo Veras); Madalena Natsuko Cordaro (Reprodução USP Imagens); Edmir Perrotti Reprodução Nova Escola); Carlos Fajardo (divulgação); Norma Grinberg (Foto: Reprodução/ Arte Bunkyo); Dilma de Melo Silva (Reprodução Youtube); Boris Kossoy (Malu Tussi/ Reprodução Jornal da USP); Waldenyr Caldas (Reprodução Lattes); Wilson da Costa Bueno (Reprodução USP Imagens); Sueli Mara (Reprodução Lattes); Fabio Cardozo de Mello (Reprodução Lattes); Heloiza Mattos (Reprodução Lattes); Lisbeth Ruth Rebollo (Reprodução Lattes); Maria Christina de Souza Lima Rizzi (Reprodução Lattes); Ingrid Koudela (Reprodução Lattes); Mayra Rodrigues (Reprodução Lattes); Maria Immacolata (Susana Narimatsu); Dora Mourão (Amanda Ferreira); Cremilda Medina (Susana Narimatsu); Adilson Citelli (Susana Narimatsu); Domingos Tadeu Chiarelli (Reprodução Lattes) e Gilberto dos Santos Prado (Reprodução Lattes).