Como os influenciadores conquistam o público com reviews de gastronomia?
Artigo da revista Signos do Consumo decifra as ferramentas de persuasão da publicidade de experiência
Uma das principais características da publicidade é a sua forte capacidade de adaptação a públicos e contextos diversos. Nas redes sociais, por exemplo, um espaço de entretenimento para milhões de pessoas que já estão fartas de pular anúncios e fechar pop-ups intrusivos, é necessário desenvolver estratégias que mesclem a emissão de uma mensagem comercial à dinâmica dos conteúdos online, rápidos e divertidos.
Tendo em vista essa capacidade de adaptação e variedade de conteúdos publicitários que circulam nas redes sociais, as pesquisadoras Giovanna Parise, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Laura Wottrich, professora do Departamento de Ciências da Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), desenvolveram a pesquisa que resultou no artigo Uma proposta para caracterizar as estratégias persuasivas em reviews gastronômicos realizados por influenciadores digitais no Instagram, que faz parte do 2º número da 16ª edição da revista Signos do Consumo.
No artigo, as pesquisadoras situam as reviews (avaliações) gastronômicas feitas no Instagram como um gênero da publicidade da experiência, no qual um produto ou serviço é publicizado a partir da experiência do produtor de conteúdo, que cria laços com o público por meio de conteúdos orgânicos e bem humorados. Desse modo, a publicidade e o entretenimento se mesclam para gerar vínculos afetivos com os usuários, algo fundamental para criar o desejo de consumir. Para decifrar quais ferramentas persuasivas foram mais utilizadas por influenciadores destacados desse nicho, as pesquisadoras analisaram dezenas de reviews publicadas como reels no Instagram.
A experiência do criador como uma forma de publicidade
Para abordar a publicidade de experiência, Giovanna e Laura retomaram o conceito de publicização, que pode ser definido como “tornar algo público”, ou ainda como “qualquer forma de comunicação com caráter comercial em sua essência”. Embora pareça algo simples, essa definição é fundamental para entender o fenômeno da publicidade nas redes sociais, já que nem todo texto que publiciza algo é, necessariamente, um texto publicitário:
"A especificidade do discurso publicitário não estaria, nesse sentido, nas regularidades dos formatos da linguagem, mas na visão de mundo que organiza modalidades do discurso, de acordo com as propostas de interlocução com seu enunciatário — instaurado como consumidor."
Giovanna Parise e Laura Wottrich, pesquisadoras

De acordo com as autoras, a publicidade se tornou publicização por necessidade, “já que as plataformas digitais impõem que a publicidade esteja inserida de forma ‘ôrganica’ nas plataformas que o usuário usa para se divertir”. Por orgânica aqui, as pesquisadoras consideram aquela publicidade que integra o conteúdo produzdo pelo influenciador, ao contrário dos pop-ups ou dos pre-rolls (anúncios exibidos antes do conteúdo desejado, comum em vídeos). E é nesse contexto que a publicidade da experiência ganha seu espaço.
Essa expressão pode ser definida como a “publicização do produto através da experiência do produtor de conteúdo no vídeo, promovendo o consumo midiático da mercadoria e provocando desejos de compra”. Nas redes sociais, a prática começou com as blogueiras de maquiagem, que, ao demonstrarem domínio de seu conteúdo com uma linguagem leve e divertida, angariaram milhões de seguidores. Esse público as via não apenas como uma fonte de informação, mas sim como “amigas virtuais” capazes de dar conselhos e de fazer recomendações de produtos de forma confiável.
Tendo em vista a necessidade de se adaptar às novas plataformas e o potencial de engajamento de conteúdos orgânicos e divertidos, a publicidade da experiência se espalhou por diversos outros nichos de conteúdo. Na gastronomia, por exemplo, os donos de restaurante perceberam que divulgar seu negócio com conteúdos “orgânicos” era melhor para criar vínculos com o consumidor, enquanto os influenciadores que já produziam conteúdos fazendo recomendações de forma espontânea perceberam que as reviews poderiam ser uma fonte de renda, com as famosas “publis”, para esses mesmos restaurantes.
“Se no início os usuários das plataformas compartilham suas experiências por lazer, hoje é possível trabalhar com reviews que são, eles mesmos, conteúdos publicitários.”
Giovanna Parise e Laura Wottrich, pesquisadoras
As ferramentas persuasivas usadas pelos influenciadores de sucesso
Para definir quais são essas ferramentas persuasivas e entender por que elas têm sucesso nas redes, as autoras analisaram 69 reviews gastronômicas produzidas pelos criadores Sofia Arendt e Sofia Minardi (@sofiasporai), Beatriz Chiba e Clara (@reviewsporsp), Bruno Haddad (@rolezandoembrasilia), Arthur Alvez e Valeskinha (@indo.comer) e Gustavo Monteiro e Gabriel Prestes (@belemdiicas). As estratégias encontradas foram as seguintes:
- Expressões persuasivas: os criadores falam de ofertas, cupons de desconto e focam no custo-benefício. Expressões como “você pode não acreditar, mas é verdade”, “o melhor”, “o maior”, “o mais recheado” são usadas em diversos reels, assim como mesas cheias de comida ou alimentos enormes. Um dos influenciadores inicia o vídeo com a seguinte frase: “eu encontrei o gastrobar mais barato de Águas Claras”.
- Atributos gastronômicos: dá-se destaque para alimentos artesanais e caseiros. Os ingredientes exóticos e as combinações incomuns são ressaltadas, bem como pratos de alta gastronomia ou com ingredientes frescos: “eles são trocados a cada 24 horas”, diz uma das influenciadoras sobre uma gelateria artesanal. As pesquisadoras também apontam o destaque para locais famosos ou com chefes renomados por parte dos influenciadores.
- Estímulos sensoriais: os influenciadores destacam que o ambiente é “instagramável”, ao ar livre ou temático. O food porn (imagens com zoom ou gravadas de perto com exagero de caldas, molhos e queijos) é um dos recursos mais utilizados. As pesquisadoras destacam que alguns influenciadores estimulam o sentimento de romantismo em um de seus reviews, vinculando o local a momentos em casal quando iniciam o vídeo apresentando o restaurante como “romântico e a luz de velas”.
- Coloquialidade: uso de expressões coloquiais ou com duplo sentido, engraçadas. Falar diretamente com a audiência, como se estivesse em uma conversa com um amigo, recomendando o restaurante. Por exemplo, em um dos reviews, o primeiro perfil descreve como “maionesudo” o cachorro quente apresentado. Em outro, questiona “como é que vai num sushizinho véi depois desse? Dá até uma raiva.”
- Autenticidade: uso de frases criativas, uso de jargões, destaque para os “preferidos” dos influenciadores, opiniões “ao vivo”, com “reações imediatas”. Presença de família e amigos nos reviews. Aqui, destacam-se as opiniões em relação aos “preferidos” dos influenciadores, bem como formas criativas ou com bordões usados por eles e os quais seus seguidores reconhecem.
“Calcada em testemunhos e estímulos emocionais, a mensagem dos reviews gastronômicos se manifesta a partir das seguintes características persuasivas: expressões persuasivas, atributos gastronômicos, estímulos sensoriais, coloquialidade e autenticidade.”
Giovanna Parise e Laura Wottrich, pesquisadoras.

As pesquisadoras também fazem uma distinção entre o viés apolíneo e dionisíaco em publicidade. No primeiro, busca-se convencer com argumentos racionais. “É possível argumentar” dizem Giovanna e Laura, “que o creme de avelã artesanal preparado pela confeiteira é tão bom quanto Nutella, ou melhor do que Nutella, por exemplo”, isto é, apelar para algo conhecido ao chamar atenção para algo novo.
No segundo, a razão dá lugar à emoção e ao humor, aos sentidos e ao encantamento. No viés dionisíaco, os valores positivos que quer-se associar a um produto são mostrados sempre de forma sutil. Os takes no estilo food porn, por exemplo, registram o alimento de perto, com cores quentes, queijo puxando, chocolate escorrendo, passando a ideia de suculência. Ao mesmo tempo, expressões faciais transmitem a reação do criador para o público e vídeos com casais ou grupos de amigos associam a ideia de “romantismo” ou “diversão” aos restaurantes avaliados.
Apesar das diferenças entre os modelos apolíneo e dionisíaco, essas lógicas não são opostas. Para as autoras do artigo, “elas coexistem e funcionam como um pêndulo nas mensagens publicitárias, vão em uma gradação de uma para a outra, variando as intensidades.”
Novas formas de publicizar para novos meios de consumir
Para as pesquisadoras, é importante situar as reviews gastronômicas como um fenômeno da publicidade de experiência, isto é, um conteúdo que evita ser abertamente publicitário, se valendo do marketing de influência para publicizar um produto através da experiência do criador. A principal característica de tais conteúdos é o uso de ferramentas persuasivas que apelam para o racional e para o emocional das pessoas, criando um vínculo com os seguidores e aumentando seu desejo de consumir os produtos recomendados.
Para além das estratégias de persuasão identificadas na pesquisa, Giovanna e Laura apontam para uma outra dimensão da publicização nas redes sociais: o “nível do planejamento”. Para elas, essa camada da produção de conteúdos envolve as escolhas relacionadas a técnicas de utilização da plataforma: o planejamento de horários de postagens, o tipo de publicação (reels, carrossel, etc.), além das dinâmicas de colaboração entre criadores. As pesquisadoras anunciam que esse nível do planejamento será o tema de seus próximos estudos.
Revista Signos do Consumo
A revista Signos do Consumo, sediada no Departamento de Relações Públicas, Propaganda e Turismo (CRP) da ECA, tem a missão de criar um espaço de intercâmbio de conhecimentos em rede, por meio de artigos científicos e resenhas de livros, para a comunidade científica nacional e internacional interessada em divulgar os resultados de suas pesquisas em publicidade, propaganda e os fenômenos do consumo.
Neste 2º número de sua 16ª edição, a revista traz um dossiê sobre o consumo no seio da vida social. Nele, encontram-se pesquisas sobre o impacto das redes na vida diária das pessoas, além de análises de peças publicitárias em busca de estratégias de publicização que funcionem nas redes sociais. A edição também traz uma resenha sobre o filme A substância e sua relação com a construção de identidade, e outras resenhas sobre semiótica e moda.