Jornalismo é fundamental para promoção da paz
Em artigo, pesquisadoras analisam cobertura do conflito Israel-Palestina feita pelo G1
A cobertura jornalística de guerras e conflitos armados é permeada por questões políticas, sociais e culturais. Os grandes veículos de comunicação têm importância fundamental na promoção da paz. Porém, na maioria das vezes, eles não têm a paz como norteador das suas coberturas. É o que diz o artigo Perspectivas de uma comunicação para paz em relação à cobertura jornalística brasileira sobre o conflito palestino-israelense: análise das matérias veiculadas pelo G1 a respeito da Palestina no primeiro semestre de 2023.

As autoras Daniela Osvald Ramos, professora do Departamento de Comunicações e Artes (CCA), e Vitória Paschoal Baldin, mestre em Ciências da Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação (PPGCOM), baseiam-se no conceito de jornalismo para paz para avaliar as notícias veiculadas pelo Portal G1 relativas à Palestina no conflito palestino-israelense.
O artigo foi publicado na revista Paulus, da Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação (FAPCOM), em junho de 2024.
Jornalismo para a paz
Na maioria dos veículos de comunicação, a narrativa predominante é a cobertura de conflitos com viés militarista, na qual os fatos mais importantes das notícias são números de mortos, avanço ou recuo de tropas e danos materiais. Para mudar esse cenário, as pesquisadoras afirmam que os jornalistas devem dar voz, de forma humanizada, a todas as partes envolvidas no conflito, além dos dois lados que em geral são identificados como aqueles que provocam a guerra.

O jornalismo para a paz é aquele que procura promover a paz positiva, ou seja, a extinção da violência estrutural cotidiana das guerras, a instabilidade institucional, a vitimização, as ameaças de renovação da violência etc — o que vai muito além de um cessar-fogo, por exemplo.
Este conceito de jornalismo foi proposto por Johan Galtung nos anos 1970 e, segundo o artigo, é uma forma de trabalho que “se baseia no envolvimento consciente, ativo e formal dos jornalistas em princípios de trabalho específicos para promover a paz”. É uma abordagem jornalística “que possibilita à sociedade refletir sobre respostas não violentas ao conflito”.
“O jornalismo para a paz busca superar enquadramentos dicotômicos e simplificados no jornalismo convencional, reintegrando eventos e protagonistas em suas estruturas sociais subjacentes.”
Daniela Osvald Ramos e Vitória Paschoal Baldin
A forma de fazer jornalismo defendida pelas pesquisadoras da ECA desafia o conceito de objetividade nua e crua, muito difundida na prática da profissão, em que o repórter apenas relata os fatos que vê. Elas afirmam que o jornalismo para a paz não abandona os valores de objetividade e precisão, “mas reconhece que existem diferentes formas de representar conflitos e essas distintas formas produzem efeitos sociopolíticos distintos”.
Como classificar as coberturas?
As autoras escolheram o veículo G1, portal de notícias da Rede Globo, para analisar a cobertura sobre a Palestina no conflito palestino-israelense. Para chegar a essa decisão, elas primeiro realizaram uma busca simples por notícias com a palavra-chave “Palestina” publicadas no primeiro semestre de 2023 nos sites da Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, UOL, Estadão e G1. O último portal foi o escolhido por ter uma cobertura mais centrada no conflito, diferente dos demais veículos que tiveram como resultados matérias relacionadas ao judiciário de Israel, ao esporte da região ou ao presidente dos EUA e primeiro-ministro de Israel.
Foram analisadas cinco matérias: O que foi a Nakba palestina e porque ela é tão importante (publicada em 15 de maio de 2023), Maioria de jovens palestinos é contra solução de dois Estados, diz pesquisa exclusiva (5 de julho de 2023), O que é ‘Cova dos leões’, nova milícia palestina ‘jovem e raivosa’ (10 de março de 2023), A idosa palestina que resiste à expulsão forçada de casa por colonos israelenses (2 de março de 2023) e Palestina: a dor de famílias na linha de fogo no conflito com Israel (5 de janeiro de 2023). Todas as matérias eram traduções de textos produzidos por duas empresas jornalísticas estrangeiras, a BBC e a Deutsche Welle.
Para classificar o que seria jornalismo para a paz, as autoras definiram oito critérios de análise das abordagens do jornal:
Reportagem | Efeitos invisíveis da guerra | Danos à sociedade e à cultura | Orientação para as pessoas | Causas e consequências mais profundas | Não favorece um dos lados | Evita o uso de linguagem vitimizadora | Evita o uso de linguagem demonizadora | Usa termos objetivos e moderados |
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O que foi a Nakba palestina e por que ela é tão importante | SIM | SIM | SIM | SIM | NÃO (pró-palestinos) | SIM | SIM | SIM |
Maioria de jovens palestinos é contra solução de dois Estados, diz pesquisa exclusiva | NÃO | NÃO | SIM | NÃO | SIM | SIM | SIM | SIM |
O que é ‘Cova dos leões’, nova milícia palestina ‘jovem e raivosa’ | NÃO | NÃO | NÃO | NÃO | NÃO (pró-palestinos) | SIM | NÃO | NÃO |
A idosa palestina que resiste à expulsão forçada de casa por colonos israelenses | SIM | SIM | SIM | NÃO | NÃO (pró-palestinos) | NÃO | SIM | SIM |
Palestina: a dor de famílias na linha de fogo no conflito com Israel | NÃO | NÃO | SIM | NÃO | NÃO (pró-palestinos) | SIM | SIM | SIM |
As autoras definiram os critérios para a análise de acordo com Lee e Maslog, jornalistas asiáticos que produziram o artigo Jornalismo de guerra ou paz? Cobertura dos jornais asiáticos sobre conflitos (tradução livre). Quanto mais quadros com a palavra “SIM”, mais a matéria se aproxima de uma abordagem ideal de jornalismo para a paz. Caso não consiga ver a tabela claramente, clique e acesse o arquivo em pdf.
“Cenário complexo, mas surpreendentemente positivo”
Algumas das notícias analisadas pelo G1 têm uma linguagem mais voltada para o jornalismo para a paz, algo mais presente do que as autoras imaginavam. As reportagens publicadas pelo portal de notícias mostram a possibilidade de equilíbrio na cobertura das vozes dos conflitos.
Por outro lado, as mídias ocidentais e brasileiras ainda têm dificuldades em retratar todas as perspectivas do conflito Israel-Palestina. A binariedade da cobertura de conflitos é um dos grandes problemas enfrentados pelo jornalismo brasileiro, uma perspectiva que, segundo as autoras, tende a ocultar detalhes e complexidades dessas histórias.
No caso da cobertura brasileira sobre o conflito Israel-Palestina, é preciso considerar, por exemplo, a recente aproximação da extrema direita brasileira à Israel, por suas agendas religiosas e políticas internas, fato que reconfigura as narrativas do conflito:
“[Há] uma relação íntima entre política, conflito e mídia, em que os fatores estruturais da formação de produtos jornalísticos são diretamente atravessados pela estrutura político-militar dos conflitos e, em simultâneo, a atuação midiática é parte central para o desenrolar dos eventos de violência, bem como, elemento fundamental para estruturação da paz”.
Daniela Osvald Ramos e Vitória Paschoal Baldin
As autoras concluem que, apesar das muitas dificuldades na implementação, observa-se um "cenário complexo, mas surpreendentemente positivo", com avanços no jornalismo brasileiro em direção a um jornalismo para a paz.