Pessoa com deficiência no mercado de trabalho é tema de artigo da Organicom
Autora sugere dimensões de análise para inclusão ao verificar como ocorre a aplicação da lei de cotas para profissionais com deficiência
A inclusão da pessoa com deficiência na vida social, de forma que seja garantida acessibilidade em espaços físicos e possibilidades de participação, é uma questão que atravessa diretamente o mercado de trabalho. No entanto, os programas de inclusão de muitas empresas são pouco eficazes, como é verificado no estudo Dimensões de análise para inclusão de pessoas com deficiência no contexto da cultura organizacional, que se dedicou a analisar entraves da inclusão e propor parâmetros para o desenvolvimento de programas eficazes de recepção desse grupo em ambientes de trabalho. O estudo foi feito pela professora Ana Cristina Cypriano Pereira, da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e publicado na 46ª edição da Revista Organicom.
Legislação e lacunas da prática inclusiva
O debate sobre o impacto do capacitismo, preconceito que imprime rótulo de incapacidade a pessoas com deficiência, evoluiu pouco nos últimos anos, tanto na sociedade quanto nas organizações, como avalia Ana Cristina, que percebeu através de sua tese de doutorado que as empresas não desenvolvem condições que permitam que a pessoa com deficiência possa mostrar e aprimorar seus conhecimentos e habilidades.
"O desconhecimento por parte da sociedade e, mais especificamente, das organizações sobre as potencialidades dos sujeitos e das alternativas que se vislumbram, nesses contextos, limitam as possibilidades de inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho."
Ana Cristina Cypriano Pereira, professora da UFRGS
A autora reconhece como avanços a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, bem como a Lei de Cotas, que impõem reserva de vagas a empresas privadas com mais de 100 pessoas. Mesmo assim, ela avalia que as organizações seguem sendo ambientes despreparados e pouco inclusivos.
Uma vez que são escassas as pesquisas sobre pessoas com deficiência nas organizações, a autora justifica a realização de um estudo de cunho qualitativo e exploratório a fim de propor parâmetros de análise que sustentem processos inclusivos. Para desenvolver esse estudo, Ana Cristina realizou visitas a quatro organizações de grande porte em território gaúcho. Nas empresas ela observou espaços de trabalho, entrevistou gestores, trabalhadores com e sem deficiência, observou áreas comuns e acessos, além de coletar documentos disponíveis. Essas empresas eram da área da saúde, calçados, plásticos e agrícola, sendo que, em todas, as pessoas com deficiência ocupavam cargos operacionais.
Partindo do modelo social da deficiência, que indica que a própria sociedade cria desvantagens para as pessoas com deficiência, Ana observa que poucas organizações têm conseguido concretizar políticas internas de inclusão. Assim, ela afirma que “deveria partir da conscientização dos gestores e colaboradores, para então direcionar a reorganização estrutural da inclusão das organizações.”
A autora também reconhece que as organizações são complexas em sua natureza, o que dificulta a implementação de políticas inclusivas, acrescentando que programas de inclusão podem ser trabalhados de diferentes formas se “forem encaradas as relações que envolvem o ambiente, a sua natureza, as tecnologias, os processos de trabalho, enfim, os elementos que compõem a sua cultura organizacional.”
Caminhos para criação de processos inclusivos eficazes
Na pesquisa, foram observados processos de inclusão nos níveis gerencial, estratégico e operacional e foram destacadas as principais carências. Os processos de formação e capacitação, de acordo com a autora, seriam pontos mais invisíveis:
“Em uma das empresas pesquisadas, por exemplo, todos os funcionários ocupavam cargos de produção, tendo a desculpa do ‘enxuto setor administrativo’ como motivo da indisponibilidade de aprimoramento e qualificação desses sujeitos com vista a sua ascensão.”
Ana Cristina Cypriano Pereira, professora da UFRGS
A partir da verificação de fragilidades no processo de inclusão, foi proposta a revisão das características dos ambientes pela ótica das dimensões de análise, focadas na realidade dos trabalhadores com deficiência nas empresas observadas.
Ana Cristina sugere seis dimensões de análise para o processo de inclusão de pessoas com deficiência nas organizações: atitudinal; política; espacial; comunicacional; formação e capacitação; prática do trabalho. Elas foram desenvolvidas com o objetivo de pensar formas profundas para “oportunizar o direito à existência dessas minorias”, diz a autora.
A dimensão atitudinal refere-se às atitudes individuais dos sujeitos, positivas ou negativas, desde as que contribuem para o combate ao capacitismo até para ações preconceituosas. A professora afirma que a partir das atitudes individuais, manifestam-se as atitudes coletivas.
Embora a autora não tenha percebido situações de capacitismo, não foram encontradas evidências de programas de inclusão, como campanhas institucionais que tratam sobre discriminação capacitista. Ela percebe a falta de esforços que vão além do preenchimento das cotas legais e constata que os propósitos gerais das empresas “não destacam o tema da inclusão como um princípio organizacional”.
A autora define a dimensão política como a que garante o desenvolvimento e cumprimento de programas de inclusão, de forma que eles estejam presentes nos planos gerais das organizações. Para que tais programas tenham encorajamento para acontecer, eles também precisam da criação de documentos e orientações norteadoras, diz Ana Cristina. Ela aponta para a “necessidade da criação de propostas específicas que se atenham com exclusividade à solução dos problemas, forçando a existência de uma política contínua e articulada a esse respeito.”

É preciso também pensar na dimensão espacial, que leva em conta se o trabalhador com deficiência pode circular e interagir em todos os espaços da organização. Nessa dimensão observa-se “desde o transporte e acesso, até a possibilidade de circulação na totalidade dos setores e espaços, incluindo os de lazer e descanso, do nível gerencial até a produção”. Para atendimento das adaptações e políticas de inclusão, Ana Cristina sugere que elas sejam pensadas de forma articulada com a dimensão política, para que medidas sejam tomadas.
A dimensão comunicacional do processo de inclusão refere-se às condições que a pessoa com deficiência terá para relacionar-se no local de trabalho, ter acesso à informação e construir sentidos. A autora observou indícios de ações que auxiliam na comunicação, como a criação de tabelas de tarefas para pessoas com deficiência intelectual e alternativas de comunicação interpessoal para pessoas surdas por meio de bilhetes, mas “percebe-se pouco ou nenhum esforço na comunicação organizacional de forma mais ampla” acrescenta a autora.
A pesquisa também sugere que sejam pensadas as formas de avanço na carreira e políticas para o desenvolvimento profissional da pessoa com deficiência, desenvolvidas a partir da dimensão de capacitação e formação, defendendo que é necessário oferecer aos trabalhadores com deficiência “igualdade de oportunidades no plano de carreira e nas possibilidades de ascensão profissional, de forma indiscriminada.”
No que diz respeito à dimensão da prática do trabalho, a autora fala que “verificou-se a necessidade do espaço e das atividades estarem adaptados às necessidades do trabalhador com deficiência.” Ela diz que é preciso levar em consideração diferentes tipos de deficiência, para que seja possível atender as especificidades de cada profissional no processo de inclusão. Segundo a professora, duas empresas apresentaram adaptações específicas da execução do trabalho e foram verificadas soluções como tablados elevatórios e sistemas, como suportes para encaixes de peças, que auxiliam os trabalhadores na produção “respeitando-se suas necessidades, características e potencialidades, por meio de diferentes adaptações”.
O tema pede debates urgentes, diz a autora, que afirma ainda haver uma ignorância predominante em relação ao problema por parte da sociedade em geral, que estimula a organização “a mistificar as adaptações necessárias à inclusão das pessoas com deficiência no trabalho, levando a ideias equivocadas que remetem a crenças de altos custos e de processos difíceis”. Ela ainda considera que “não se trata apenas de cumprir normas legais, mas de criar e apostar em ambientes onde a diversidade é valorizada e respeitada, com igualdade de oportunidades de participação e crescimento.”
20 anos da Revista Organicom

A Organicom - Revista Brasileira de Comunicação Organizacional e Relações Públicas, reúne especialistas brasileiros e internacionais do meio científico e profissional que buscam apresentar estudos de caráter teórico ou aplicado para as áreas de Relações Públicas e Comunicação Organizacional, sendo uma referência no campo das Ciências da Comunicação e das Ciências Sociais Aplicadas.
A cada edição, o periódico traz um dossiê temático com o objetivo de fornecer direcionamentos para estudantes, pesquisadores e profissionais do ambiente corporativo. Em sua edição de número 46 a revista celebra seus 20 anos de existência com o dossiê Comunicação Organizacional no Brasil: estado do campo, panorama e perspectivas de estudo, que abre com o artigo O campo da Comunicação Organizacional na atualidade: direções epistemológicas e desafios, que reafirma uma proposta endossada pelo periódico: a de que se realizem mais estudos aplicados sobre a temática comunicacional.