Histórias sobre a mortalidade materna na pandemia
Transformado em livro, Trabalho de Conclusão de Curso da jornalista Camila Mazzotto conta a história de três mulheres no puerpério vítimas fatais da covid-19
a pandemia de covid-19 vitimou, só no Brasil, mais de 670 mil pessoas. Entre elas, mais de 2 mil eram gestantes ou puérperas. É sobre esses dados que Camila Mazzotto de Carvalho, formada em Jornalismo pela ECA em 2022, trata no livro-reportagem Maternidade Interrompida: histórias de mulheres grávidas e no pós-parto vítimas da Covid-19, seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) que foi publicado em formato e-book.
Anunciada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) no dia 11 de março de 2020,A obra “é um mergulho nas histórias de mulheres brasileiras cuja vivência do ser mãe foi abruptamente interrompida durante a pandemia, relatadas por entes queridos que lutam para que esses óbitos não caiam no esquecimento.” A autora, partindo da história de três mulheres no puerpério vítimas fatais da covid-19 — Paloma, Cristina e Denise —, aborda, sem deixar de individualizá-las, o cenário geral da mortalidade materna brasileira na pandemia com estudos, dados e falas de especialistas.
A escrita do trabalho que pretende ser “um casamento entre jornalismo narrativo e analítico” iniciou em setembro de 2021 e durou quatro meses. A abordagem, que já era pensada por Camila desde o meio do curso, foi um pouco alterada com o advento da pandemia. “Assuntos ligados à maternidade e à saúde materna há um tempo despertam meu interesse”, escreve no prefácio. “Era início de abril quando manchetes como ‘Covid-19 interrompe sonho de maternidade de professora na Bahia’ e ‘No Rio, mulher morre de Covid-19 dez dias após dar à luz prematuramente’, extraídas de notícias publicadas na época, fisgaram minha atenção”.

“O meu livro-reportagem é uma tentativa de humanizar os números da pandemia, dando rosto às vítimas da covid-19 — no caso, às grávidas e puérperas brasileiras.”
Camila Mazzotto, jornalista
Os capítulos alternam entre as histórias pessoais das três mulheres — seus sonhos, o momento em que descobriram a gravidez, o recebimento do diagnóstico de covid, o dia em que foram internadas e, por fim, seus falecimentos — e informações estatísticas sobre as mortes maternas no Brasil e no mundo — compiladas principalmente pelo Observatório Obstétrico Brasileiro Covid-19, lançado em 2021 por pesquisadores da USP e da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).
Apesar do difícil trabalho de entrevistar famílias enlutadas, a autora mantém o equilíbrio entre a sensibilidade e a seriedade jornalística na reconstituição dos relatos. Por conta da pandemia, os encontros entre ela e as famílias ocorreram de forma presencial apenas uma vez: “Embora eu quisesse tê-las encontrado mais vezes, o tempo em que estive com cada uma delas foi um tempo de escuta fértil, baseada no respeito e na confiança."
Para se preparar para as entrevistas, Camila estudou artigos científicos sobre como entrevistar pessoas em situação de luto e preparou poucas perguntas. Ela conta que, finalizada a pauta inicial, “o restante do processo se assemelhou a uma conversa, situação que deu aos enlutados liberdade para falar sobre o que precisavam e queriam compartilhar, no decorrer de longas tardes que foram alterando a minha própria trajetória à medida em que eu escutava as histórias dessas mulheres.”
Os parentes das vítimas, com quem ainda mantém contato, reconhecem a importância da obra para a construção da memória das vítimas de covid-19. A reação que mais impressionou a jornalista foi o choro da mãe de uma das mulheres, que “sorriu entre as lágrimas ao pensar que a neta, órfã, um dia será capaz de ler a obra e descobrir detalhes sobre a vida e morte de sua mãe que talvez a avó, no futuro, já não se lembre tão vividamente quanto agora.”
Com a realização do livro e ao acompanhar a situação crítica da pandemia para as grávidas e puérperas no país, Camila chegou também a uma conclusão: “percebi que é urgente investir mais em serviços de saúde materna no país, principalmente no sistema de saúde público.”
não foi publicado por um selo editorial, mas disponibilizado por uma editora sem fins lucrativos que costuma trabalhar com livros-reportagem de recém-formados em Jornalismo.
Após ser apresentado como TCC, Maternidade Interrompida: histórias de mulheres grávidas e no pós-parto vítimas da Covid-19 tornou-se um livro. Camila conta que ele
“Penso estar colaborando para preservar a memória da maior crise sanitária do século 21 até o momento.”
Camila Mazzotto, jornalista
O livro, atualmente apenas em e-book, deve continuar apenas nesse formato. A jornalista imprimiu somente algumas cópias e as deu para os familiares das vítimas, para a banca de avaliação do TCC e para a própria família, pois a impressão de livros é custosa. “Nunca tive o objetivo de imprimi-lo em grande quantidade, mas seria legal se isso acontecesse”, explica.
Formada, Camila não exclui a possibilidade de continuar publicando livros: “Depois de eu ter escrito esse livro-reportagem, muita gente me disse: ‘certeza que é o primeiro de muitos!’. Não sei se é o primeiro de muitos, mas, pelo fato de amar escrever e ver no livro-reportagem uma oportunidade única de documentar a História, pode ser que, no futuro, nasça um segundo e quem sabe um terceiro…”
O e-book Maternidade Interrompida: histórias de mulheres grávidas e no pós-parto vítimas da Covid-19 está disponível para compra no site da editora Casa Flutuante e na Amazon. Para ler um dos capítulos gratuitamente, acesse o site.