CJE | Departamento de Jornalismo e Editoração



Nova edição da Revista Babel: Pontos que unem

A publicação parte de uma visão decolonial, que une em uma trama complexa as diferentes cores da América Latina

Vida acadêmica

“A Babel foi, desde os detalhes gráficos até os critérios de seleção das nossas pautas e temas, pensada como um produto latino americano, por latino americanos, sobre latino americanos.” 

Maria Clara Abaurre e Emilly Gondim, editoras-chefe

 

Está no ar a 8ª edição da revista Babel: Pontos que unem. A revista é uma produção de estudantes do quarto ano de Jornalismo, resultado da disciplina Laboratório de Jornalismo - Revista, e volta-se a discursos decoloniais, tendo a América Latina como tema central dos artigos. 

Para elaborar a revista, o grupo de estudantes teve que mobilizar muitos dos conhecimentos adquiridos ao longo da graduação: isso inclui redação, pauta, reportagem, mas também conhecimentos de jornalismo visual e de projeto gráfico. Por esse motivo, ela representa o ápice das produções jornalísticas dos estudantes e precisa apresentar conteúdos com mais profundidade em relação a trabalhos anteriores. 

 

América Latina em uma trama complexa

Segundo Alexandre Barbosa, docente do Departamento de Jornalismo e Editoração (CJE) e orientador da Babel, o viés decolonial da revista começa a partir do questionamento sobre a própria noticiabilidade dos fatos, isto é, o que  faz de um fato uma notícia. 

 Ilustração de mapa com o texto Uruguai, à direita da imagem, e uma linha de fronteira acima do  nome do país. Ao centro e na vertical, uma linha pontilhada vermelha, da qual saem outras linhas pontilhadas amarela, azul e verde, lembrando pontos de bordado. Objetos dispostos nas margens das linhas: recipiente azul, garrafas verdes e garrafas amarelas, sol laranja, bicicletas, motocicletas. O fundo é claro com palavras e linhas em marca d'água.
O título da edição, Pontos que unem, remete a traçar um retrato da América Latina a partir dos seus próprios interesses e cultura. Imagem: arte de Carol Borin/ Revista Babel.

Nesse sentido, o trabalho da equipe foi na direção de fazer uma revista “da América Latina e para a América Latina”, colocando a América em foco pelos mais variados ângulos, abordando desde temas relativos a uma equipe de futebol até os horrores da ditadura militar, ou, desde bordadeiras que usam arte para denunciar os abusos de um governo autoritário, até uma visão geral da religião vodu no Haiti, ou ainda, os temperos da culinária peruana.

 

“Nossas cores são as cores das ruas, as cores das festas, as cores dos tecidos e dos temperos. As colagens que ilustram essa revista, inspiradas na obra de Rosana Paulino, trazem para estas páginas um mosaico que já é nosso.”

Maria Clara Abaurre e Emilly Gondim, editoras-chefe

 

Tendo como referência a obra de Rosana Paulino, doutora em Poéticas Visuais pela ECA, as cores dos bordados que marcam a identidade visual da Babel transbordam como a intensidade das histórias que narram suas artistas. Esse colorido festivo, no entanto, contrasta  com o cinza das imagens que retratam a violência da ditadura no Brasil e a resistência do povo haitiano.

Passando da forma para o seu conteúdo, o professor Alexandre destaca os três temas principais da edição: os 60 anos do golpe militar no Brasil, os 220 anos da independência haitiana, e, de forma mais geral, a ancestralidade e cultura de povos originários, como a tradição das bordadeiras, que remete a práticas anteriores à colonização. 

 

Um passado que não passa

60 anos após o golpe militar, a matéria relembra os anos de ditadura e os esforços para fazer justiça por suas vítimas, além de traçar uma visão geral das causas e impactos do apagamento da memória histórica sobre o tema. Para isso, o artigo parte dos relatos de Carlos Russo Júnior, ex-membro da Ação Libertadora Nacional (ALN), um grupo comunista  ativo durante os primeiros anos da ditadura, e de César Novelli, membro do Núcleo de Preservação da Memória Política (NM),  grupo formado por ex-presos políticos que promove políticas públicas voltadas à memória e aos direitos humanos.

 

Foto em preto e branco de um grupo de cerca de dez pessoas rendidas por policiais. As pessoas estão de costas com as mãos erguidas sobre as cabeças e apoiadas em um muro. Um grupo de três policiais, equipados com uniformes, capacetes e cassetetes vigia as pessoas.
A Comissão Nacional da Verdade (CNV) reconhece 434 mortes e desaparecimentos políticos durante o regime militar. A própria comissão, contudo, afirma que “os números reais são, certamente, maiores”. Foto: reprodução/ Correio da Manhã/ Acervo Arquivo Nacional.

 

Para os entrevistados, o processo de transição da ditadura para a democracia no Brasil foi mais pacífico que em outros países latino americanos, como o Chile ou a Argentina, o que deu espaço para a impunidade. Essa falta de punições vai desde a não responsabilização de torturadores conhecidos, até a permanência de homenagens aos mesmos em nomes de pontes e avenidas, e é a principal responsável pela problemática envolvendo a memória sobre o período no Brasil.

A matéria destaca como outros países latinos se saíram melhor tanto na punição dos culpados quanto na preservação de sua memória. No Chile, que enfrentou a ditadura de Augusto Pinochet, por exemplo, foi decidido que as leis de anistia não poderiam ser aplicadas aos casos de violação dos direitos humanos. Além disso, há mais sítios e museus dedicados ao tema em países como o Chile e a Argentina do que no Brasil, onde o Memorial da Resistência de São Paulo é o único espaço público dedicado à memória dos anos de chumbo.

 

Uma história de luta e resistência

 

“Castigado historicamente, o Haiti revive continuamente a luta pela liberdade.”

Maria Clara Abaurre e Emilly Gondim, editoras-chefe

 

A reportagem celebra o marco de 220 anos da revolução comandada por pessoas escravizadas haitianas, que se voltaram contra seus senhores e tornaram o Haiti o primeiro país independente da América Latina. Nela, Bethania Pereira, historiadora pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), explica que a sociedade do Haiti era fortemente estratificada, entre brancos escravagistas e negros escravizados. Além disso, destacam-se duas fases características da revolução haitiana.

gravura em branco e preto de um grupo de pessoas negras escravizadas enfrentando pessoas brancas. No lado direito e central, concentram-se homens negros de calças brancas e sem camisa, e segurando facas e bastões. Na parte esquerda e inferior, há um homem branco com roupas européias segurando uma adaga, e outras pessoas brancas deitadas no chão. O fundo é claro.
A revolução haitiana partiu da insatisfação dos escravizados e se intensificou com o desejo de independência do domínio externo. Foto: reprodução/ Correio da Manhã/ Acervo Arquivo Nacional.

Em um primeiro momento, entre 1791 e 1793, houve uma revolta inicial da população negra, com a queima de plantações e morte de escravagistas, liderada pelo sacerdote vodu Dutty Boukman. Seu segundo momento, entre 1794 e 1804, foi marcado pela luta contra os britânicos e franceses e culminou em uma nova Constituição, que dava à região autonomia em relação à França, além de proibir a escravidão e proclamar igualdade entre todos os habitantes da ilha.

Contudo, mesmo livre do colonialismo, o país não ficou livre de interferências do norte global. Afinal, a luta constante pela liberdade gerou instabilidade política e desconfiança em relação aos estrangeiros, o que deu espaço para grupos radicais que cometeram massacres entre 1804 e 1915, além da intervenção dos EUA (1915), que culminou em décadas de instabilidade política. Mais recentemente (1996), a Organização das Nações Unidades (ONU) passou a oferecer apoio ao Haiti por meio da Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah), que permaneceu no país até 2017 em virtude dos terremotos de 2010. Assim, entre desastres políticos e naturais, o povo haitiano segue em sua história de luta e resistência. 

 

Pontos que unem

Para Alexandre, Pontos que unem é uma metáfora do que é a Babel, porque ela, tal como um bordado, une as narrativas, traz os personagens e cria uma trama das histórias latino-americanas. Na matéria, é contada a história da prática do bordado, ou “arpilleria”, prática em tecido que já existia antes da colonização, a partir dos relatos de três mulheres: Rosana Reátegui, artista peruana que vive no Brasil, Maria Lúcia Firmino, membro da Associação das Mulheres Artesãs de Passira (Amap), e Susana Alegria, arpillera chilena que reside no Rio de Janeiro. 

Fotografia de duas mãos brancas bordando flores vermelhas e brancas e folhas verdes em uma toalha branca.
Mais do que dar vida às cores e imagens do dia a dia, o trabalho das bordadeiras é capaz de manter a vida de uma cultura e denunciar o abuso contra um povo. Foto: Cortesia/Hélder Santana.

Para Rosana, que criou um livro infantil com estórias orais da tradição peruana, o bordado é como uma dança, no sentido de ser feito aos poucos e por movimentos originais de quem o executa. Maria Lúcia, por outro lado, ressalta o vínculo entre o bordado e as relações de gênero no trabalho, já que a maioria das artesãs é mulher, o que coloca nas mãos delas a responsabilidade pela organização de coletivos, como o da Amap, que tem o propósito de apoiar, por meio de cursos de capacitação, mulheres que ainda não sabem bordar, abrindo espaço para melhores condições de vida e autonomia. 

Por fim, Susana chama a atenção para o bordado como forma de resistir à violência política. Isso porque, durante a ditadura militar chilena, as arpilleristas bordavam a violência e os silenciamentos em seus tecidos. Além disso, a maioria dessas mulheres eram parentes de pessoas desaparecidas e torturadas pelo regime, o que revitaliza a tradição ancestral com um viés combativo, mas sem perder seu caráter original de contar histórias de uma comunidade. 

 

O que é o decolonialismo?

Foto em preto e branco de um homem de pele clara, careca, com um leve sorriso. Ele usa uma camisa por baixo de um suéter e óculos de armação retangular. À frente dele, há um microfone e, ao fundo, há uma parede revestida por material de isolamento acústico.
Alexandre Barbosa (CJE) 
Foto: reprodução/Instagram
@prof_alexandrebarbosa

O decolonialismo é um movimento intelectual e político que critica o eurocentrismo e busca desmantelar as estruturas de poder marcadas pelo colonialismo, que ainda está muito vivo na sociedade. O movimento promove a valorização dos saberes e das culturas marginalizadas durante os vários séculos de opressão e, dessa maneira, propõe a descolonização da cultura e do conhecimento, reavaliando narrativas que perpetuam estereótipos e defendendo a justiça social, incluindo a reparação histórica das injustiças sofridas por povos colonizados. Para entender mais sobre o tema, confira o texto do professor Alexandre Barbosa, O que é decolonialismo?

 

 

 

 

Revista Babel

O propósito da Babel, criada em 1997, é oferecer aos estudantes de Jornalismo um espaço para o exercício do gênero revista. Nesse sentido, suas pautas dão mais espaço para os estudantes refletirem, bem como para colocarem em prática o que foi aprendido ao longo do curso. Em 2023, a publicação passou a adotar a temática latino-americana.

Da edição atual, participaram cerca de 35 alunos. As editoras-chefe, Maria Clara Abaurre e Emilly Gondim, contam que o trabalho de cada membro da equipe parte de uma decisão individual. Isto é, dentro da redação, os alunos se dividem de acordo com aquilo que cada um pode oferecer para a revista, quer o trabalho com a parte visual, quer com o texto, entre outras tarefas. 

No site da revista, estão disponíveis as matérias publicadas nas edições de 2017, 2020, 2021 e 2022. Além disso, você pode conferir a edição atual na íntegra por meio da plataforma Issuu. 

 

 


Imagem de capa: reprodução/ revista Babel.