Comissão de Direitos Humanos

O projeto CURADORIAS da Comissão de Direitos Humanos da da ECA apresenta:
 
 
TEMPO PARA IROKO
 
folder de divulgação da exposiçãoA pesquisa TEMPO PARA IROKO foi desenvolvida pela professora do Departamento de Artes Plásticas Dália Rosenthal. TEMPO PARA IROKO foi realizado com o apoio da Fundação Joaquim Nabuco do estado de Pernambuco, a partir do V Edital de Residências Artísticas e com curadoria de Moacir dos Anjos, que assina também o texto da exposição. 
 
TEMPO PARA IROKO parte de uma denúncia a dois atentados religiosos sofridos pela árvore IROKO - ou Gameleira Branca – que vivia no terreiro ILÊ OBÁ OGUNTÉ ou Sítio de Pai Adão, o mais antigo espaço destinado ao Candomblé do estado de Pernambuco e tombado pelo IPHAN em 2018 como patrimônio cultural do Brasil. O Iroko do Sítio de Pai Adão é morada da memória ancestral e símbolo da luta e resistência comunitária aos inúmeros momentos políticos de perseguição religiosa aos povos de terreiro no estado de Pernambuco. Como um trabalho de base colaborativa, TEMPO PARA IROKO foi criado por meio de uma rede de parcerias formada com várias frentes da sociedade pernambucana.  Assim, mudas e sementes de IROKO, foram coletadas e cuidadas durante o percurso da investigação a partir de um trabalho construído em diálogo com toda a comunidade. As mudas produzidas pelo grupo foram ao final plantadas formando uma grande instalação viva de carácter permanente: O “Círculo dos Irokos”. 
 
A seguir publicamos uma entrevista para Leila Kiyomura bem como alguns dos trabalhos expostos na exposição TEMPO PARA IROKO nas Galerias Massangana e Baobá, do Núcleo Casa Forte da FUNDAJ, na cidade do Recife entre 24 de setembro e 26 de novembro de 2021. Os cinco trabalhos aqui selecionados para o projeto “CURADORIAS” foram realizados em parceria com a Comunidade Quilombola Poço Dantas localizada na cidade de Inajá, no agreste pernambucano, e liderada por Maria Antônia Dos Santos; com a Casa IlêOca de Tradições AfroIndígenas, liderada pelo Babalorixá, membro do Grupo de Trabalho “Povos Originários e Comunidades Tradicionais” do Ministério Público do Trabalho e Coordenador de Comunicação do MNU-PE, Tiago Kfuzo Nagô e com o Terreiro de Ilê Obá Ogunté liderado pelo babalorixá Manoel do Nascimento Costa, ou Manoel Papai e as entrevistas realizadas pela artista com os integrantes mais antigos da casa:  Walfrido José da Silva (que faleceu em 2020 aos 105 anos durante o processo) e Jaci Felipe da Costa (Pai Cecinho). Destacam-se ainda os parceiros Sítio Sete Estrelas de Agroecologia, Escolinha de Arte do Recife, Maracatú Raízes de Pai Adão, Arquivo Público do Estado de Pernambuco, Viveiro do Jardim Botânico e Prefeitura do Recife

Círculo dos Irokos - Comunidade Quilombola Poço Dantas, Inajá (PE)

 

Entrevistas com Manoel Papai, Tio Valfrido e Pai Ceci

 

Imagens de documentos do Arquivo Público de Pernambuco - interpretação por Tiago Kfuzo Nagô 

 

Tempo para Iroko, por Moacir dos Anjos

Iroko é um dos Orixás mais antigos nas tradições religiosas de matriz africana, sendo cultuado no candomblé do Brasil pela nação Ketu. É ele quem rege o tempo, representando a ancestralidade dos que vivem no presente sob o signo dos que vieram antes. No início do mundo, ensinam os religiosos, Iroko habitava a primeira árvore plantada na terra, tendo sido através dela que os outros Orixás teriam descido do céu. Uma árvore por isso sagrada e que, no Brasil, afirma-se ser a gameleira branca, razão pela qual é costumeiramente cultivada em terreiros de candomblé. Árvore alta e frondosa que é a casa de Iroko e com este Orixá se confunde, guiando os acontecimentos e oferecendo proteção. 

A exposição de Dália Rosenthal é resultado de projeto de pesquisa que tem início com o incêndio criminoso da gameleira branca que ocupava o Terreiro Ilê Obá Ogunté, conhecido como Sítio de Pai Adão, no Recife, em novembro de 2018. Ataque violento ao Orixá que ali vive e à comunidade que Iroko acolhe e cuida. Incêndio que provocou a queda da árvore dois meses depois e que faz parte de uma persistente agressão, através de leis persecutórias ou de atos ilícitos, a símbolos e práticas religiosos associados à população negra do Brasil. Passado um ano do ataque, o que restou do tronco do Iroko queimado foi novamente incendiado, impedindo sua possível recuperação. 

A exposição – distribuída nas galerias Massangana e Baobá –, oferece indícios visuais desse fato e atesta, através das imagens e das vozes de líderes espirituais do Terreiro Ilê Obá Ogunté, a importância desse espaço de culto a que tantos pertencem para a cultura do Brasil. Confirma, por tais meios, a incomensurável violência que é queimar a árvore com que Iroko se mistura em entidade única. O projeto da artista não se resume, todavia, à denuncia de um dano material e de uma ofensa à religião de tantos. Construindo rede de pessoas e instituições diversas de Pernambuco – de babalorixás a agrônomos, do Terreiro ao Jardim Botânico – Dália Rosenthal cuidou para que mudas de gameleira branca fossem criadas e plantadas em lugares onde Iroko as possa habitar. Vestígios materiais desse processo são também incluídos na exposição, sem que com isso pretenda lhes dar permanência. Tudo, afinal, existe na passagem do tempo.

Valendo-se de práticas disciplinares e estratégias criativas diversas, a artista faz da arte uma encruzilhada onde temporalidades distantes se aproximam e se atravessam. Faz do espaço expositivo um lugar onde passado e presente se tocam para resistir à manifestação atual da violência racista fundadora do Brasil. Oferece, a Iroko, o tempo longo de vida das nascentes gameleiras brancas.  


Moacir dos Anjos


Fotos do projeto:
Imagens do projeto Tempo para Iroko. Fotos: Divulgação

 


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