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Como a inteligência artificial está transformando o mundo da moda?

Artigo da Revista Matrizes investiga, com uma abordagem semiótica, transformações nas passarelas

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Você já deve ter ouvido falar das semanas de moda: as famosas fashion weeks são eventos que reúnem desfiles das principais marcas de luxo em cidades como Paris, Nova Iorque e até São Paulo. Mas você conhece a AI Fashion Week? Já em sua segunda edição, essa nova forma de desfile de moda expõe roupas e modelos criados com inteligência artificial.

No artigo IArt-à-porter: a moda na era da inteligência artificial, José Maria Paz Gago, professor e pesquisador da Universidade de Corunha, na Espanha, explora as transformações que a IA vem causando no mundo da moda. O nome do artigo faz referência ao conceito francês de prêt-à-porter, que significa “pronto para vestir”. Esse fenômeno ganhou força no século 19, com a Revolução Industrial, e faz referências a roupas confeccionadas em larga escala a partir de moldes prontos e genéricos, que podem ser consumidas imediatamente após a produção. Essas vestimentas se diferenciam das roupas de alta costura, que são feitas sob demanda e representam peças únicas para um público exclusivo. O autor traça um paralelo entre o prêt-à-porter e a IA, já que, segundo ele, “o sistema da moda foi imediatamente colonizado pela inteligência artificial”, resultando na era da IArt-à-porter.

Esse artigo integra uma edição especial da Revista MATRIZes, voltada para a semiótica, um dos resultados do 10º Congresso Latino-Americano de Semiótica, realizado na ECA em julho de 2024. A palavra semiótica vem do grego “semeiotiké”, que significa “a arte dos sinais”. Trata-se da ciência que estuda os signos, ou seja, os sistemas de comunicação presentes em uma sociedade. O autor do artigo também é presidente da Federação Latino-americana de Semiótica, organizadora do congresso.

 

Representação, simulação e maquinação

O autor divide a colonização do mundo da moda pela IA em três estágios: representação, simulação e maquinação. A primeira etapa é um precedente da IArt-à-porter e corresponde às representações dos produtos do mundo fashion nas tecnologias da informação e comunicação que antecederam a IA, como os anúncios em redes sociais, que representam os objetos por meio dos signos de imagem. 

Com a chegada das tecnologias de realidade virtual e aumentada, foi possível desenvolver o metaverso: universos virtuais e interativos, em que as pessoas podem interagir por meio de avatares, explorar espaços virtuais e estabelecer relações sociais e econômicas. É nesse cenário que entra a segunda etapa dessa transformação semiótica, a simulação. Com a popularização dos metaversos, marcas de moda passaram a investir nesse mercado. Esse é o caso da Gucci, uma das maiores casas de alta costura do mundo, que, desde 2021, vem desenvolvendo seu próprio metaverso, onde os participantes podem visitar boutiques virtuais e comprar roupas da marca para seus avatares, simulando o mundo real. “Esse novo paradigma tecnológico pode significar uma mudança no status semiótico do sistema da moda, em que a representação é substituída pela simulação de roupas, modelos e lojas reais”, afirma José Maria Gago. 

 

 

A etapa atual da IAr-à-porter é a maquinação, em que a Inteligência Artificial generativa é usada em todo processo da moda, desde a criação das peças, passando pela produção e campanhas publicitárias até chegar ao consumidor final. “Hoje, podemos usá-la para concepção de desenhos de croquis ou estampas usando chatbots ou aplicativos. Campanhas completas de marketing podem ser lançadas sem qualquer esforço criativo humano, porque a máquina nos dá tudo resolvido”. 

Imagem realista de uma mulher negra com cabelo crespo castanho andando pela areia em um desfile de moda ao pôr do sol. Ela usa um top laranja com alças finas, uma saia longa lilás com crochê e transparência e carrega uma bolsa grande amarela. Ao fundo, o céu está em tons de rosa e laranja e há uma plateia desfocada observando.
Modelo e roupas criados com inteligência artificial por Aria Phenix, designer de moda digital de São Paulo, que chegou ao top 10 da IA Fashion Week. Imagem gerada com inteligência artificial. Reprodução/AI Fashion Week.

Ainda segundo o autor, a moda é uma arte, mas também é uma indústria, então essa é uma “estratégia essencialmente comercial”, cujo objetivo final é o lucro, já que reduz os custos com estilistas, modelos, publicitários, fotógrafos, costureiras e outros profissionais. O custo com espaços físicos também se torna menor, já que até as passarelas estão migrando para espaços virtuais em semanas da moda de todo o mundo. Esse é o caso da AI Fashion Week de Nova Iorque, que começou em 2023 e teve sua segunda edição em 2024. Nesse evento, podem participar designers que criam peças de moda com IA generativa e, ao final da semana, os designs apresentados são julgados por um comitê. Os ganhadores têm a oportunidade de transformar seus desenhos virtuais em roupas reais. 

Para José Maria Gago, esse processo também significa uma profunda transformação semiótica, à medida que “o sujeito enunciador não é mais humano, mas uma máquina”. Por isso, a terceira etapa desse processo é chamada pelo autor de maquinação, nome que carrega consigo dois significados, um que corresponde a utilização das máquinas, e outro que remete a estratégia de uso da IA para imitar o mundo real e atingir lucro.

 

“A IA supera o que chamamos de modo de simulação e inaugura o que chamaremos de modo de maquinação, no duplo sentido deste termo: engano artificial, truques maliciosos e o etimológico produzido por uma máquina.” 

José Maria Paz Gago, professor da Universidade de Corunha 

 

 

Revista MATRIZes

MATRIZes é a revista científica do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação (PPGCOM) da ECA. Lançada em 2007, a revista é uma publicação quadrimestral  que publica estudos de diferentes perspectivas no campo da comunicação. Aberto a reflexões sobre tecnologias, culturas e linguagens midiáticas, o periódico é dirigido por Maria Immacolata Vassallo de Lopes, professora sênior do Departamento de Comunicações e Artes (CCA)

 

 


Imagem de capa: gerada com inteligência artificial pelo Studio Éden. Reprodução/AI Fashion Week.