CRP | Departamento de Relações Públicas, Propaganda e Turismo



A Comunicação Intercultural e o compartilhamento das trajetórias indígenas

Artigo discute identidade, interculturalidade e comunicação a partir de narrativas fílmicas e literárias

Vida acadêmica

Foto de homem branco sorrindo. Ele tem cabelos brancos e curtos, barba e bigode brancos.
 Professor Luiz Alberto Beserra de Farias (CRP).
Foto: Reprodução/Lattes

“A interculturalidade deve ser entendida como um desenho e proposta de sociedade, como um projeto político, social, epistêmico e ético, voltado para a transformação estrutural e sócio-histórica baseado na condição de todos. Uma ferramenta para agir”. A partir desse conceito, o docente Luiz Alberto Beserra de Farias do Departamento de Relações Públicas, Propaganda e Turismo (CRP), juntamente com as doutorandas da Universidade Metodista de São Paulo (Umesp), Adriana Cristina Alves do Amaral, Roberta Beatriz Cirillo Attene e Thais Regina Aiello, busca entender de que modo a comunicação corrobora com as práticas da interculturalidade. O estudo foi publicado no segundo número da revista Interfaces da Comunicação

Foto de uma mulher branca de cabelos compridos, lisos e descoloridos nas pontas. Ela usa blusa cinza, blazer branco e colar prateado. Atrás dela há folhas e galhos de uma árvore.
Doutoranda Roberta Attene. 
Foto: reprodução/ LinkedIn

O artigo Um diálogo comunicativo que aproxima e transforma: narrativas interculturais contemporâneas nas produções Vídeo nas Aldeias e Um Dia na Aldeia propõe uma análise exploratória de duas produções: os documentários da organização Vídeo nas Aldeias e a coleção literária infantojuvenil Um dia na Aldeia, coordenados por  Vincent Carelli e Rita Carelli, respectivamente. No estudo, os autores analisam as narrativas, expressões e interações sociais de comunidades indígenas brasileiras. Seu objetivo é destacar “o protagonismo e a participação das populações indígenas na autoria e no compartilhamento das vivências, culturas e línguas com outras aldeias e com a  sociedade em geral, em uma comunicação a partir de produções fílmicas e literárias”, afirmam os pesquisadores. 

 

Vídeo nas Aldeias e a Comunicação Intercultural

 O projeto Vídeo Nas Aldeias é uma iniciativa da ONG Centro de Trabalho Indigenista (CTI), fundada em 1986 por Vincent Carelli, Virgínia Valadão e outros indigenistas. O projeto tem como objetivo fortalecer as lutas dos povos indígenas, de forma a proteger seus patrimônios territoriais e culturais por meio da formação de diretores de cinema. Para isso, são oferecidas capacitações, oficinas e cursos, na área do audiovisual, realizados nas aldeias.

Foto de mulher branca  sorrindo. Ela tem cabelos castanhos claros, curtos e lisos, usa óculos de armação fina, brincos brancos e camisa social cinza.
Doutoranda Thais Regina Aiello. 
Foto: Reprodução/ Lattes

De acordo com os autores do artigo: “O exercício do registro imagético permite a preservação de tradições, crenças, ritos, hábitos e cultura para as futuras gerações, evidenciando o aspecto identitário por meio da comunicação oral e da documentação audiovisual.” Eles explicam que a produção cinematográfica viabiliza a troca de experiências com outros povos indígenas. Os documentários produzidos são gravados nas línguas originárias dos povos e possuem tradução para o português, sendo que  vários deles também contam com traduções  para o inglês e o espanhol.

Foto de um homem indígena segurando uma filmadora cinza e preta em frente aos olhos. Ele tem cabelos pretos e lisos, usa um casaco preto,  colar grande e pulseira. Atrás dele há uma parede de madeira com uma televisão e nela há uma imagem verde na qual aparece a ilustração de um homem branco sem camisa e está escrito “UGA UGA” em letras laranjas grandes.
Imagem de capa do documentário Índio na TV. Foto: Reprodução/Vídeo nas Aldeias 

No documentário Índio na TV, realizado por cineastas da etnia Xavante, apenas a primeira cena se passa no ambiente da aldeia e apresenta uma atividade cultural coletiva. O restante da produção se dá em ambiente urbano, onde acontecem entrevistas com pessoas diversas, as quais são indagadas pelos cineastas sobre a necessidade de um programa televisivo que tratasse das culturas indígenas. “A maioria dos entrevistados mostrou-se curioso, valorizando em suas respostas a possibilidade de acesso a informações sobre o universo da cultura indígena”, afirmam os autores. 

Foto de mulher branca sorrindo. Ela tem cabelos compridos, castanhos e lisos, usa um colar amarelo e maquiagem.
Doutoranda Adriana Cristina Alves do Amaral.
Foto: Reprodução/ Lattes

Os pesquisadores concluem que o documentário se faz um produto da comunicação intercultural, uma vez que se faz “uma fonte de informações na qual a comunidade indígena, apropriando-se dos meios tecnológicos e das Teorias da Informação e da Comunicação, divulga seu modo de vida e promove seus valores culturais, em uma relação horizontalizada”.  Além disso, eles ressaltam que,  apenas o fato dos indígenas estarem em um ambiente alheio à aldeia em que vivem, questionando a população urbana sobre seus valores, cultura, direitos e modo de vida, já constitui por si só uma prática intercultural.

A Comunicação Intercultural (CIC) consiste em uma ferramenta social que visa à construção identitária e sua divulgação, tanto para fortalecimento de imagem e identidade, quanto para a viabilização de políticas públicas. “A CIC possibilita ampliar os olhares para diversas sociedades, construir novos sentidos e romper com visões preconcebidas, estereotipadas e preconceituosas”, explicam os pesquisadores. Nesse sentido, o avanço da tecnologia contribui para disseminar discursos não hegemônicos e ampliar vozes de outros atores, tornando-os protagonistas e produtores de conteúdos autorais.

 

Uma comunicação intercultural dentro da outra 

Com inspiração no projeto Vídeo Nas Aldeias, a artista plástica Rita Carelli, juntamente com as escritoras Ana Carvalho e Mariana Zanetti, organizou e produziu a coleção de livros infantojuvenis denominada Um Dia na Aldeia. Os seis volumes da coleção são baseados em seis documentários produzidos pelos cineastas do projeto, mostrando a percepção que as autoras tiveram ao assistir aos documentários. Cada livro disponibiliza um QRCode que leva ao documentário da comunidade ali referenciada, possibilitando que os leitores entrem em contato diretamente com a versão indígena dos fatos.
 

Foto de um livro ilustrado aberto. Nas duas páginas, há uma imagem contínua de três macacos marrons sentados em galhos de árvore, entre eles há troncos de árvore, galhos escuros e folhas nas cores marrom e laranja. O fundo da imagem varia em tons de laranja e amarelo com desenhos de folhas pequenas. Sob o livro há uma superfície cinza.
A coleção Um Dia na Aldeia trata sobre costumes e tradições de comunidades indígenas do Amapá, Pará e Mato Grosso. Foto: Reprodução/Youtube 

Os autores do artigo colocam a escrita do livro como mais uma prática de comunicação intercultural, uma vez que “Embora não sendo indígenas, as idealizadoras da coleção retratam a visão e a percepção que possuem daquela realidade. Trata-se, portanto, de outra narrativa, resultante de novos olhares e significações”, explicam. Além disso, os livros evidenciam uma troca cultural entre a imaginação literária das autoras e a preservação e a fidelidade às realidades dos povos indígenas ali retratadas sob a forma ficcional. Essa comunicação intercultural permite “destacar realidades diversas e estabelecer conexões com outros povos e nações”, comentam os pesquisadores.

 

Revista Interfaces da Comunicação 

Arte digital com o logo da Revista em branco no canto superior esquerdo. Ao lado dele há o texto “Inter Faces” em amarelo, sendo que a palavra “Inter” está acima da palavra “Faces”. Ao lado há um qr code e o logo da ECA USP. Abaixo há um texto de informações sobre o volume da revista ao lado de uma ilustração de um cérebro amarelo e um rosto cinza esculpido. O fundo da imagem é azul claro.
Foto da capa do segundo número da revista Interfaces da Comunicação.
Foto: Reprodução/ revista Interfaces da Comunicação

Publicada pela primeira vez no segundo semestre de 2023, a revista Interfaces da Comunicação é vinculada ao Grupo de Estudos em Novas Narrativas (GENN).  Sua proposta surgiu da necessidade de ampliar o campo e a área de estudos sobre as novas percepções, criações e utilidades do conceito de narrativas. Com publicações semestrais e no formato online, o periódico busca difundir conhecimento e reflexões sobre as narrativas na contemporaneidade,  principalmente nas áreas de Comunicação e Artes, mas também em diálogos com os campos da História, Psicologia, Antropologia, Sociologia, Administração, Literaturas, Direito, Direitos Humanos, Políticas Públicas, Museologia, Arquitetura e Design. 

A revista publica artigos científicos, resenhas e entrevistas e tem como editor o professor Paulo Nassar do Departamento de Relações Públicas, Propaganda e Turismo (CRP). O segundo número da revista propõe, em seu editorial, o diálogo, os encontros e os vínculos como os principais formadores de conhecimentos e saberes. Esse número é composto por seis artigos, duas resenhas e uma experiência, de autoria de pesquisadores, principalmente da ECA,  mas também de outras instituições de ensino superior do Brasil.

 

 


Imagem de capa: Reprodução/ Vídeos nas Aldeias