Pesquisa aborda visibilidade do futebol feminino e histórico de proibições do esporte
Trabalho de Conclusão de Curso reflete sobre impactos da transmissão televisiva no Brasil da Copa do Mundo de futebol feminino
A Copa do Mundo Feminina de 2023 marca a segunda vez em que a TV aberta faz a transmissão dos jogos da modalidade. A primeira transmissão, quatro anos atrás, se destacou por recordes de audiência e de menções nas redes sociais e foi decisiva para o crescimento da visibilidade da seleção brasileira feminina.

É sobre esse tema que trata o Trabalho de Conclusão de Curso As mulheres entram em campo: Reflexões sobre os impactos da Copa do Mundo de 2019 na visibilidade do futebol feminino no Brasil, de Luana Torres, formada em Relações Públicas na ECA. Em seu TCC, além de abordar a competição de quatro anos atrás e sua repercussão, a ex-aluna também fala da história do futebol feminino no Brasil e da presença das mulheres no esporte.
Luana explica que escolheu falar de futebol feminino em seu TCC, realizado em 2020, por gostar do esporte e como uma forma de provocação a si mesma. Apesar de também ser fã, ela notou que acompanhava a modalidade feminina bem menos do que fazia com relação à masculina. “Foi um meio de aliar um pouco do que eu gosto e também de me provocar a pesquisar sobre o assunto”, diz.
Copa da França: a virada de chave
“Desde sua primeira edição, em 1991, a Copa do Mundo de Futebol Feminino foi praticamente ignorada pelas grandes emissoras da TV aberta”.
Luana Torres, formada em Relações Públicas pela ECA
Desde a criação do campeonato mundial de futebol feminino, em 1991, a seleção brasileira participa de todas as edições. Porém, foi apenas em 2019, quase 30 anos depois, que o evento começou a ser transmitido em rede nacional aberta pelas emissoras Globo e Bandeirantes.
“Antes de 2019, a Globo não fazia a cobertura que ela fez, mostrando os jogos. Não tinha o Casemiro fazendo lives no canal dele, transmitindo os jogos, como foi nessa última edição. Então foi uma virada de chave muito grande”, aponta Luana.
Em seu TCC, Luana menciona, de acordo com dados do Global Broadcast Audience Report, relatório divulgado pela FIFA, que, até a competição deste ano, a Copa do Mundo de Futebol Feminino da França havia sido a mais assistida da história.
“Pela televisão, o torneio chegou a 993,5 milhões de pessoas únicas [que assistiram a competição] no mundo inteiro, o que representa um crescimento de 30% em relação aos dados da edição de 2015, realizada no Canadá”, pontua. Luana ainda cita que a América do Sul apresentou um crescimento de 560% de público, o mais expressivo de todos os continentes. Somente o Brasil representou 71% da audiência da competição.
A edição de 2019 também gerou o maior número de buscas na internet por conteúdos relacionados à Seleção Brasileira de Futebol Feminino, de acordo com um relatório do Google. Cada vez mais pessoas buscaram por assuntos relacionados à história do futebol feminino e à trajetória de proibições impostas à modalidade. Com a transmissão na TV aberta e o contato televisionado do público com as jogadoras, que levaram o país até às oitavas de final, as interações nas mídias sociais se intensificaram, e as atletas ganharam mais notoriedade.

Mobilização das marcas

Em seu trabalho, Luana aponta que além do engajamento do público e da imprensa, outro fator importante para o período da Copa de 2019, foi a mobilização, antes não vista, de marcas que começaram a promover propagandas com as atletas da seleção feminina — ação frequente no futebol masculino.
Além de abrir um espaço “até então inédito” para o futebol feminino brasileiro, como apontado no TCC, a Copa de 2019 também colocou em pauta questões relacionadas ao gênero no esporte que foram discutidas diretamente com as jogadoras nas redes sociais, nas campanhas publicitárias e em projetos de diversos formatos criados pelas marcas.
O Guaraná Antarctica, por exemplo, lançou a campanha Seleção Feminina é #CoisaNossa, a primeira a ser exclusiva à equipe feminina. Com as jogadoras Andressinha, Cristiane Rozeira e Fabi Simões como protagonistas da campanha, a empresa tinha como objetivo explicitar o potencial da seleção feminina e convocar outras marcas a apoiar a modalidade também.

As três jogadoras participaram de um ensaio fotográfico em que simularam propagandas de diferentes segmentos como beleza e produtos esportivos. A ideia era de que essas imagens fossem vendidas a outras marcas interessadas em utilizá-las em ações publicitárias próprias. O dinheiro arrecadado por esse projeto foi dividido entre as três atletas e o Joga Miga, projeto sem fins lucrativos que organiza treinos e campeonatos de futebol para mulheres que querem começar a jogar ou que já jogam.
Luana conta que foi a partir dessa mobilização que a Nike, fornecedora oficial dos uniformes da seleção brasileira, lançou, pela primeira vez, um uniforme exclusivo para as jogadoras. Antes disso, a equipe feminina vestia versões adaptadas das peças masculinas.
Em comparação com a Copa deste ano, pelo que acompanhou, a ex-aluna explica que não sentiu a mesma mobilização midiática de quatro anos atrás. “Em 2019, você ligava a televisão e estava o 'É Coisa Nossa' do Guaraná Antarctica. Você ligava a TV e estava a Marta na propaganda da Avon. Esse ano não senti uma exposição tão grande. Senti um pouquinho menos do que seria o natural, de ir aumentando”, relata.
40 anos de proibição
“No senso comum, as partidas entre equipes femininas ainda eram classificadas como sem graça e com qualidade menor, e as matérias veiculadas na imprensa reforçavam esses estereótipos com opiniões de 'especialistas' no assunto”.
Luana Torres, formada em Relações Públicas pela ECA
De acordo com Luana, é difícil afirmar com precisão quando ocorreram os primeiros jogos de futebol feminino no Brasil. Alguns autores apontam uma partida ocorrida em Tremembé, em 1921, como o marco introdutório da história da modalidade.
Ela explica que apenas no final da década de 1930 foi que os primeiros clubes femininos começaram a surgir nos estados do país. Esse acontecimento chamou a atenção da imprensa que, além de analisar a capacidade técnica das jogadoras, também analisava suas aparências.
Em 1940, um jogo entre mulheres foi sediado no Estádio do Pacaembu, inaugurado no mesmo ano, e causou revolta em parte da sociedade.
“Na imprensa, colunas jornalísticas e carta de leitores que pediam a proibição do futebol feminino ganharam cada vez mais espaço, com argumentos que quase sempre se pautavam em críticas científicas, apontando os perigos de um esporte violento para o corpo de uma mulher, classificando-o como 'incompatível com a natureza feminina' ”.
Luana Torres, formada em Relações Públicas na ECA
A partir desse momento, iniciaram-se manifestações contra a prática do futebol por mulheres. As mobilizações se baseavam na concepção do esporte como uma atividade violenta que colocava a saúde da mulher, bem como sua capacidade reprodutiva, em risco, além de masculinizar seus corpos.

Longe de serem refutadas, essas ideias chegaram a instituições científicas, como a Divisão de Educação Física do Ministério da Educação e a Subdivisão de Medicina Especializada, onde encontravam aceitação.
Como consequência, em 1941, um decreto-lei proibindo as mulheres de praticarem esportes considerados violentos foi assinado por Getúlio Vargas, presidente à época. Aqui, a proibição ao futebol ainda não era explícita, porém, com a resistência das mulheres, que seguiram jogando, o decreto passou a conter o nome do esporte, expressamente proibido em 1965.
Entre organizações clandestinas e a resistência feminina, em 1979 — 40 anos depois do decreto-lei — a proibição chegou ao fim. A modalidade, no entanto, continuou invisibilizada pelas autoridades esportivas, e só foi regularizada em 1983.
As dificuldades continuam
Mesmo que a proibição ao futebol feminino não seja mais uma realidade, as profissionais ainda precisam enfrentar obstáculos em suas trajetórias. Segundo estudo divulgado pela FIFA em 2019, cerca de 15 mil mulheres jogam o esporte de maneira organizada, com disputa em campeonatos amadores ou profissionais no Brasil. Nos Estados Unidos, esse número chega a 9,5 milhões.
Quanto mais alto o cargo em órgãos e entidades esportivas, menor é a presença feminina. Atualmente, uma única mulher faz parte da diretoria da CBF: Catherine Negreiros Carneiro da Cunha, diretora de Infraestrutura e Patrimônio.

Além da ausência feminina em cargos estratégicos no futebol brasileiro, a desigualdade salarial entre homens e mulheres no esporte é realidade em todo o mundo. O mesmo acontece com os patrocínios. Marta, uma das maiores jogadoras do mundo, participou das copas de 2019 e 2023 sem o patrocínio de marcas esportivas por não ter recebido propostas consideradas justas.
“Mesmo que o Brasil carregue o título de 'país do futebol', os principais símbolos, ídolos e marcos históricos continuam sendo do futebol masculino”, diz Luana. Segundo ela, com a eliminação do Brasil na fase de grupos em 2023, comentários que negam a capacidade das jogadores e se opõem ao investimento na modalidade voltaram a aparecer nas redes sociais.
Para a pesquisadora, independente das mudanças positivas que aconteceram no cenário futebolístico feminino, ainda há um longo caminho a ser percorrido para a equidade no esporte.
“Todos esses anos de invisibilidade trouxeram muitos prejuízos ao desenvolvimento da modalidade no Brasil e, mesmo com alguns avanços de lá pra cá, o universo do futebol continua sendo essencialmente masculino e a presença das mulheres nos gramados ainda busca afirmação e luta por igualdade de condições.”
Luana Torres, formada em Relações Públicas pela ECA