ECA na Amazônia: Ciência da Informação sugere caminhos para o desenvolvimento sustentável

Doutorado interinstitucional com a Universidade Federal de Rondônia produz teses com impactos reais na região amazônica e é tema de livro
 

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A Amazônia, em sua diversidade ambiental e cultural, tem despertado admiração e preocupação em todo o mundo. Esse ecossistema requer atenção cuidadosa e, para garantir sua preservação e promover um desenvolvimento sustentável, é necessário poder contar com informações confiáveis. Tendo em vista que a formação de docentes e pesquisadores na região é fundamental para a produção de tais informações, oito professores do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação (PPGCI) da ECA se deslocaram até o campus Porto Velho da Universidade Federal de Rondônia (Unir) para dar início a um Programa de Doutorado Interinstitucional (Dinter) em Ciência da Informação. 

O projeto ocorreu entre 2017 e 2021 e foi coordenado pelas professoras Asa Fujino, do PPGCI, e Joliza Fernandes, da Unir, e se consistiu em uma parceria entre a USP e a Unir com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal em Nível Superior (Capes), tendo como objetivo capacitar docentes que já dão aulas no ensino superior. Durante o Dinter, professores de diversas áreas da Unir tiveram a oportunidade de desenvolver trabalhos que cruzassem sua área de pesquisa com a Ciência da Informação, e contaram com aulas na própria universidade e estágios na USP.

As teses desenvolvidas se concentraram em problemas reais da região amazônica e causaram impactos práticos nas comunidades locais, tornando processos mais eficientes e sustentáveis na agricultura e na indústria. Além disso, há trabalhos que colocam em primeiro plano a relação construtiva dos povos originários com as Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), apresentando assim formas de ativismo ambiental nas quais esses povos têm o protagonismo.  O desenvolvimento e os resultados desses trabalhos são apresentados no livro Informação, ciência & Amazônia, organizado pelas professoras Asa e Joliza e disponível gratuitamente em formato digital.
 

O que é um doutorado interinstitucional?

Foto de mulher amarela de cabelos escuros e lisos de tamanho médio, com franja,  sorrindo. Ele veste blusa azul escura e rosa. O fundo é claro.
Professora Asa Fujino, docente do PPGCI-ECA. Foto: Susana Narimatsu/LAC-ECA.

O Dinter, diz a professora Asa Fujino, é uma modalidade de doutorado na qual instituições de grandes centros urbanos ajudam a formar profissionais em regiões que têm dificuldade na capacitação de docentes, e envolve aulas e orientação tanto na universidade destino quanto na ministrante do Dinter. No caso do programa realizado pelo PPGCI da ECA e a Unir, as etapas do processo foram as seguintes: 
 

  1. Apresentação inicial da Ciência da Informação e do Dinter: nessa etapa, os professores visitantes foram à Unir para apresentar tanto o programa (Dinter), quanto a matéria em questão (Ciência da Informação). Feito isso, os professores de todos os campi da universidade visitada foram convidados a participar do edital para o doutorado. 
  2. Abertura de edital para o doutorado: esse edital é exclusivo para os membros da instituição de destino, sobretudo para os membros que já são professores. Embora o Dinter seja destinado aos professores, outros membros da comunidade Unir puderam participar, como funcionários e pesquisadores, sem receber a bolsa Capes, mas com auxílio da universidade de origem. Mesmo sendo exclusivo, o edital deve seguir as regras de um doutorado padrão na instituição ministrante (no caso, a ECA USP). 
  3. Deslocamento dos professores e início das aulas: duas matérias foram oferecidas para a Unir: Metodologia da Pesquisa em Ciência da Informação, ministrada pelos professores Marcelo dos Santos, Marivalde Francelin e Rogério Mugnaini, e Informação e Cultura, com as professoras Marilda Ginez de Lara e Nair Kobashi. Essas matérias foram ministradas em duas semanas, uma no primeiro semestre e outra no segundo. 
  4. Estágios obrigatórios e defesa de tese: durante o Dinter, os doutorandos passaram por três estágios obrigatórios de três meses cada na USP. Neles, foram cursadas as matérias restantes para cumprir os 28 créditos exigidos pelo programa. A grande dificuldade dessa etapa, segundo Asa, foi “encaixar” o cronograma desses estágios na rotina de aula dos doutorandos, que também eram professores universitários. A professora conta que as disciplinas dessa etapa do Dinter precisaram ser ministradas de forma concentrada, por conta desse cronograma, de modo que os estágios que estavam previstos para quatro meses foram encerrados em apenas três meses. 

 

Por fim, a professora explica que o principal desdobramento do Dinter é a capacitação de novos professores, que estarão aptos a desenvolver novos trabalhos e formar ainda mais profissionais. No Dinter de 2017-2021, 12 teses foram defendidas e aprovadas, concedendo o título de doutor e doutora a dez docentes, uma funcionária e um pesquisador da Unir

Veja a seguir uma síntese de dois dos trabalhos de doutorado desenvolvidos nessa parceria entre universidades:

 

Ciência da Informação traça novos caminhos para o plantio de soja em Rondônia

A maioria dos produtores de soja do estado de Rondônia concentra-se no sudeste do território, região conhecida como Cone Sul de Rondônia. No entanto, peculiaridades climáticas e características do solo nessa região trazem aumento de custos de produção, implicando na necessidade de um segundo cultivo, além da soja, para que a produção se mantenha econômica, social e ambientalmente sustentável. Uma forma de auxiliar os produtores a decidir qual o segundo cultivo mais indicado é ter dados sistematizados para análise e tomada dessa decisão.

 

Foto de plantação de soja. No primeiro plano, uma planta com caule, folhas e vagens verdes, as demais são em sua maioria amareladas. O céu é azul com algumas nuvens.
 O plantio de soja, embora se concentre no Cone Sul de Rondônia, traz benefícios para todo o estado, diz o pesquisador Adelmo Pedro de Oliveira Junior. Foto: Reprodução/Folha BV.

 

Desse modo, a tese Matriz informacional para formação de decisão: uma proposta para os produtores de soja do Cone Sul de Rondônia, defendida por Adelmo Pedro de Oliveira Junior e orientada pela professora Asa Fujino, tem o objetivo de ajudar os produtores de soja da região de Rondônia a escolherem qual grão irão plantar como segundo cultivo, além de auxiliar a planejar o plantio da soja. Para isso, ele fez uma extensa pesquisa de campo com produtores e fornecedores de insumos, colhendo dados sobre toda a cadeia de produção da soja, incluindo fontes e canais de comunicação utilizados e identificação de quem define qual cultura será cultivada. 

Com esses dados, Adelmo elaborou uma tabela com diversas características qualitativas relevantes para a produção agrícola, que pode ser usada como uma matriz informacional para tomada de decisão dos agricultores.

Foto de homem branco de cabelos curtos grisalhos. Ele sorri e usa óculos de armação retangular azul e camiseta preta, o fundo é escuro.
Adelmo Pedro de Oliveira Junior, doutor em Ciência da Informação. Foto: Reprodução/instagram. 

Segundo o autor, a matriz informacional condensa 1) tipos de informação relevantes sobre o mercado, o solo e outras características da produção; 2) fontes da informação, que incluem sites especializados, especialistas e programas especializados; 3) canais de informação, desde TV, internet ou escritórios internacionais; e 4) resultados esperados, que incluem preços da saca do cultivar. Cada um desses quatro tópicos será aplicado às cinco etapas do planejamento, a saber: 1) Mercado comprador; 2) Capacidade financeira; 3) Solo; 4) Fornecedores; 5) Planejamento da produção. 

Na etapa “mercado comprador”, por exemplo, há informações sobre o mercado nacional, internacional e regional, que incluem a demanda internacional por grãos, as condições climáticas da produção e políticas públicas de incentivo. Tais informações podem vir de fontes como sites especializados e noticiários e, nesse caso, seus canais seriam a internet e a TV. Desse conjunto de dados, espera-se uma estimativa do preço da saca no momento da colheita, da área de produção, do total da produção e da receita total bruta daquela safra. 

O resultado da pesquisa foi muito bem recebido e foi, de fato, adotado pelos agricultores da região. A professora Asa, que orientou a tese, comenta que um dos fatores que favorece a aplicação prática de uma pesquisa teórica é o contato entre os pesquisadores e a comunidade. Para ela, o que favoreceu a aplicabilidade da matriz foi a “sensibilização não apenas do meio científico, mas também da comunidade como um todo, sobretudo dos produtores”. Além disso, a professora diz que o contato do doutorando diretamente com os produtores e com cientistas da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) também favoreceu o desempenho da tese.

 

Povos originários se apropriam de tecnologias para proteger seu território

As comunidades indígenas têm como particularidade a tradição oral em suas construções e concepções da floresta, do real, de suas identidades e representações de pertencimento. Contudo, o pós-contato, período onde passam a ocorrer mudanças culturais decorrentes do convívio pacífico ou conflituoso com não-indígenas, impôs a esses grupos alterações drásticas, tanto na sua forma de existir como na de contar a sua história. Esse foi o caso dos Paiter-Suruí, que encontraram nas redes sociais uma forma de contarem eles mesmos a sua história, além de trabalhar para a manutenção de seu território. 

Foto de homem branco de cabelos curtos falando. Ele usa uma camisa preta de mangas longas e tem um crachá pendurado no pescoço. O fundo é claro.
Walace Soares de Oliveira, doutor em Ciência da Informação. Foto: reprodução/Lattes.

Esse processo e as suas consequências são o tema da tese A floresta em rede: a informação como instrumento de mediação e resistência cultural, defendida por Walace Soares de Oliveira e orientada pelo professor Marco Antônio Almeida. O pesquisador acompanhou a rotina dos Paiter-Suruí entre 2018 e 2019, dando especial atenção aos indígenas que participam ativamente do site oficial da tribo e de projetos que envolvem o uso das novas TICs, como notebooks e computadores com acesso à internet.

O pesquisador aponta que a experiência da tribo mostra um novo caminho para o ativismo ambiental. É um ativismo onde os próprios povos originários contam suas histórias usando novas tecnologias, e se apropriam de tais tecnologias para preservar os costumes e interesses do seu povo. Para Wallace, “a apropriação social da informação, trocando suas bordunas e seus arcos e flechas pelos notebooks” permite que a tribo cuide de um território preservado e gerencie diversos projetos ligados à sustentabilidade.

Wallace afirma que os Paiter-Suruí foram especialmente bem-sucedidos no uso das TICs, chamando a atenção do mundo para a Terra Indígena Sete de Setembro, seu território, mobilizando recursos de empresas estrangeiras com um programa de créditos de carbono, que foram empregados na proteção do território e subsistência dos indígenas. O pesquisador também aponta que tal uso das ferramentas digitais promove uma nova forma de ativismo na qual os indígenas “resgataram o protagonismo de sua história”. 

 

“Os Paiter-Suruí passaram a ser reconhecidos como os ‘índios da internet’. A sua história não é mais contada por terceiros, visto que esses indígenas, ao compreenderem as novas fronteiras ditadas pela tecnologia da informação, assumiram a condição de narradores de sua cultura para o mundo.”

Walace Soares de Oliveira, doutor em Ciência da Informação

 

Esse programa de crédito de carbono chamou a atenção da Google Inc., que promoveu uma iniciativa única junto aos Paiter-Suruí: um projeto de etnozoneamento que incluía a capacitação dos indígenas. Durante o projeto, uma equipe da Google, junto ao departamento Google Earth, visitou a tribo e fez um treinamento voltado ao domínio de equipamentos eletrônicos, como notebooks e smartphones, além de uma ferramenta de mapeamento que foi usada para marcar pontos de interesse do Território Sete de Setembro. 

Além de registrar os locais sagrados da tribo, o trabalho tem uma consequência prática: os dados do etnozoneamento são usados para defender o território de madeireiros ilegais e outros invasores, já que é possível acompanhar a área mapeada em tempo real. 

 

Informação para entender e enfrentar problemas atuais

O livro de Asa e Joliza é apenas um dos muitos resultados da parceria entre as duas universidades. Para Asa, a Ciência da Informação é importante não apenas para trazer informações novas sobre problemas reais, como também para propor soluções para esses problemas:

 

 “O que nós fizemos foi orientá-los no sentido de, a partir da perspectiva da Ciência da Informação, investigar quais eram as alternativas de solução dos problemas da região.”

Asa Fujino, docente do PPGCI-ECA

 

Em se tratando de resolver problemas práticos da região amazônica, as teses trabalharam para entender demandas de produtores rurais, industriais e instituições públicas, propondo soluções que, de fato, foram implementadas e melhoraram o planejamento, produção e organização de tais grupos. 

Asa comenta que a decisão de focar em problemas da região da universidade visitada é uma forma de sensibilizar tanto os pesquisadores quanto a comunidade, o que aumenta a chance de parcerias com os grupos e organizações visando sanar tais problemas. Além disso, “é importante para a sensibilização da comunidade para questões como o desmatamento ou povos originários e outras relacionadas ao meio ambiente.”

 

“Seria, na verdade, o melhor em todos os casos de mestrado e doutorado. Que, de fato, independente de ser um avanço do ponto de vista teórico ou um avanço do ponto de vista do conhecimento da realidade, que isso pudesse se transformar em resultado de uma melhoria das condições da sociedade.”

Asa Fujino, docente do PPGCI-ECA

 

Foto de homem branco de cabelos lisos e castanhos, até os ombros, e de homem indígena de cabelos curtos e escuros fumando. O homem branco está de camiseta branca e acende o cigarro do indígena, que está sem camisa. Ao fundo, as árvores da floresta.
Os Paiter-Suruí alimentam sua página no Instagram com fotos de momentos emblemáticos da tribo e atualizações sobre os projetos nos quais trabalham. Foto: reprodução/Instagram.


Além do livro que reúne os resultados dessas pesquisas, outro fruto do Dinter é a aprovação de um programa de mestrado profissional. Segundo a professora Asa,  o mestrado profissional Informação, Inovação e Sustentabilidade foi recentemente aprovado pela Capes e será ministrado na Unir.

 

 


Foto de capa: Mantaphoto/Canva.