“Mídias digitais abrem horizontes para narrativas audiovisuais voltadas às artes”

Artigo da revista Novos Olhares analisa a produção de conteúdo midiático de companhias de dança

Vida acadêmica

O uso das mídias digitais para transmitir produções artísticas foi uma das alternativas possíveis para que organizações por trás de espetáculos de danças, exposições e peças de teatro garantissem a circulação de cultura durante o período mais crítico da pandemia de covid-19.

No artigo Passos da Dança nas Redes: Circulação da Cultura em Mídias Digitais, Rosana de Lima Soares e Sofia Franco Guilherme apontam para a importância do conteúdo midiático produzido pelas companhias de dança para alcançar novos públicos e para dar visibilidade a narrativas alternativas àquelas que são veiculadas em grandes veículos de comunicação.

O artigo faz parte de estudo de doutorado da ECA intitulado O circuito midiático da dança contemporânea brasileira em produções audiovisuais para meios digitais. A tese foi defendida por Sofia com orientação da professora Rosana. 

 

Passos de dança na rede

Rosana é professora no Programa de Pós-Graduação em Meios e Processos Audiovisuais (PPGMPA) e no Departamento de Jornalismo e Editoração (CJE), e Sofia, doutoranda do Programa e professora na Universidade Anhembi Morumbi (UAM). Ambas são pesquisadoras do MidiAto - Grupo de Estudos de Linguagem: Práticas Midiáticas.

Segundo elas, as imagens televisuais e digitais se tornaram uma parte fundamental da cultura. Com essas  imagens cada vez mais presentes na vida cotidiana, a oferta  de experiências narrativas expandidas — por exemplo, transmissões online para mostrar cenas dos bastidores — torna-se muito importante. 

“O consumo transmidiático de um espetáculo de dança, por exemplo — usualmente realizado de forma presencial e ao vivo — pode ser mostrado por meio das mídias sociais da companhia, oferecendo um olhar por trás das coxias para seu público”, explicam.  

Esse olhar é explorado no documentário Temporada em Construção — objeto de análise das pesquisadoras —, da São Paulo Companhia de Dança (SPCD). A organização é gerida pelo Governo de São Paulo e, com a pandemia, passou a criar produções voltadas para canal próprio no YouTube

O documentário fez parte do World Ballet Day, uma celebração global em que companhias do mundo todo fazem transmissões ao vivo de suas sedes enquanto mostram os bastidores de produção, cotidiano e rotina de trabalho
 

Captura de tela de uma cena do documentário Temporada em Construção. Na imagem, quatro bailarinos, três homens e uma mulher, vestidos com roupas comuns de cor preta, estão em uma rua onde performam passos de dança. Na captura eles estão alinhados lado a lado de costas para a filmagem.
Bailarinos da São Paulo Companhia de Dança performam nas ruas do Estado. A Companhia de dança foi criada em 2008 e conta com direção artística de Inês Bogéa. Imagem: reprodução/São Paulo Companhia de Dança (canal do YouTube)

 

A mídia como mediadora

Para analisar o documentário, Rosana e Sofia usam o conceito de cultura de convergência. O termo foi abordado por Henry Jenkins para se referir às transformações culturais, mercadológicas, sociais e tecnológicas na comunicação. 

A cultura da convergência é marcada por um  intenso fluxo de conteúdo pelas diferentes plataformas de mídia, por uma cultura participativa e pelo comportamento migratório do público entre os meios midiáticos. É nesse contexto que os discursos que circulam nas redes ganham significado, acreditam as autoras.

Dentro da cultura de convergência, a produção coletiva de significados é valorizada, pois é nas interações sociais do público nas redes que se dá o que chamam de “construção subjetiva de sentidos”. 

A partir dessas ideias, as pesquisadoras explicam que “as mídias, como os vídeos publicados por companhias de dança no YouTube, ao apresentarem produções culturais, se tornam mediadoras entre as esferas da produção e recepção no processo de circulação das obras”. 

 

Temporada em Construção: expansão da narrativa

O documentário Temporada em Construção mostra os bastidores das produções da SPCD por meio de entrevistas — guiadas pelos próprios bailarinos — com os profissionais que participam de cada etapa de produção. A narrativa se divide em quatro partes, passando pelos processos burocráticos e administrativos, pelos ensaios e pelo espetáculo em si

A Companhia tinha como intenção se conectar com o público de diferentes maneiras — suportes e conteúdos diversos —, fortalecer a relação com os espectadores fiéis e captar novas pessoas. 

 

“A união do audiovisual com a dança em diversos formatos de produções, como videodança, apresentações simultâneas de espetáculos e atividades educativas para plataformas digitais, se destaca como uma alternativa encontrada para continuar alcançando a audiência onde quer que ela esteja e manter a criatividade e os intercâmbios artísticos para as produções da companhia”. 

Rosana Lima Soares, docente da ECA e Sofia Franco Guilherme, docente da UAM

 

As docentes também observam diferenças entre o conteúdo do documentário e o que é representado na mídia tradicional. Elas apontam que de forma oposta ao que é pressuposto, de maneira redundante, em reportagens jornalísticas ou entrevistas documentais, em Temporada em Construção o que é mostrado complementa ou expande o espetáculo e seu processo de produção

 

Circulação de cultura e conexão entre artista e público

 

“É preciso superar preconceitos que tentam separar mídia e arte, como se fosse possível a existência de uma alheia à outra. As mídias, como suportes tecnológicos para produção artística e como meios de comunicação e difusão, tornaram-se aliadas das artes e esta tendência não é apenas fruto da cultura digital, mas de uma cultura audiovisual mais ampla”. 

Rosana Lima Soares, docente da ECA e Sofia Franco Guilherme, docente da UAM

 

Rosana e Sofia indicam outra característica dos vídeos da companhia: a participação concreta do público. Em relação ao documentário, elas contam que “os comentários apontam possibilidades para a compreensão das relações estabelecidas entre a Companhia e seus públicos, conectando os campos da produção e da recepção por meio de uma obra audiovisual”. 

Capa da revista Novos Olhares. A capa tem a parte superior com fundo amarelo e a inferior branco. Na parte amarela está escrito Novos Olhares. Novos está escrito em fonte de cor preta, olhares com fonte branca. Na parte branca há a ilustração de um olho, abaixo dele o volume da edição.
Edição atual, v. 12 n. 1, da revista Novos Olhares – Revista de Estudos Sobre Práticas de Recepção a Produtos Midiáticos, publicação semestral. Imagem: reprodução/Portal de Revistas da USP
 

Com a chance de fazer comentários ao vivo ou mesmo com a transmissão finalizada, as interações entre a obra, os profissionais e o público são intensas. Isso porque não só os personagens estão envolvidos na produção, mas vários outros agentes colaboram para a criação de formas e conteúdos, o que potencializa a circulação de produtos culturais, como os vistos em companhias de dança. 

Para as pesquisadoras, as tecnologias promovem novos processos de criação e circulação de obras culturais. “As mídias digitais – e suas singularidades – abrem horizontes para narrativas audiovisuais voltadas às artes não apenas em termos estéticos ou visuais, mas na relação que estabelecem com os públicos e os contextos sociais e políticos nos quais se inserem”. 

 

Revista Novos Olhares

A Revista Novos Olhares foi  criada em 1998 e, desde 2012, é vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Meios e Processos Audiovisuais (PPGMPA) da ECA. O periódico aborda em suas edições assuntos diversos inseridos nas práticas midiáticas

Na última edição da revista, os artigos apresentam temas voltados ao rádio, a crítica televisiva, Lovecraft e xenofobia, charges em games, circuitos comunicativos do metrô de São Paulo, entre outros. 

Acesse na íntegra essa e outras edições da Novos Olhares no Portal de Revistas da USP .

 

 

 

Imagem de capa: reprodução/Instagram (SPCD)