O Borba Gato (de Santo Amaro) e a relação das artes visuais com o espaço urbano

Artigo da revista Ars analisa a presença e o sentido de esculturas e estátuas nas cidades a partir de protesto ocorrido em 2021

Vida acadêmica

“Homenagear grandes figuras através de estátuas é continuar olhando para o passado, reiterando mais uma vez o pouco conhecimento das artes visuais e a falta de compreensão do pensamento visual na sociedade”, afirma Marco Buti, professor do Departamento de Artes Plásticas (CAP),  em seu artigo A partir de um lance de olhos ao Borba Gato (de Santo Amaro), publicado na última edição da revista ARS (São Paulo).

Foto da estátua do Borba Gato. A obra é feita de concreto e tem as cores marrom e cinza. A foto foi tirada perto da estátua, de baixo para cima. O retratado é branco, de barba castanho clara e olhos castanhos. Ele aparece de pé e olhando para a frente, segurando uma espingarda paralelamente a seu corpo, com o cabo apoiado no chão. Ao fundo, aparece o céu e parte da paisagem da avenida Santo Amaro..
A estátua do Borba Gato (de Santo Amaro) foi criada por Júlio Guerra. Imagem: Reprodução/ ARS

Em julho de 2021, um grupo de manifestantes incendiou a estátua do bandeirante Manuel de Borba Gato, localizada no bairro de Santo Amaro, em São Paulo, questionando a relevância de homenagear figuras associadas à violência e exploração. Partindo desse acontecimento, o professor analisa outras estátuas existentes na cidade e levanta uma discussão sobre os significados artísticos e políticos de homenagens a determinados grupos históricos  e a relação de obras artísticas com o espaço público e a paisagem urbana.

 
 
Cidade grande, estátuas pequenas
 

Para o docente, a estátua do Borba Gato (de Santo Amaro), apesar de ter uma escala imponente – são 10 metros de altura –, apresenta uma “atitude pequena”, com um gestual que difere das representações clássicas de figuras consideradas heroicas. Além de tudo, a obra perdeu força e presença desde sua inauguração, em 1963, se tornando “impotente contra as forças do mercado, e as edificações próximas foram relegando o bandeirante a um simples espectador da urbanização descontrolada da cidade.”

Marco Buti também reflete sobre como a estátua do bandeirante abre espaço para pensar sobre outras estátuas de figuras históricas localizadas em São Paulo. Uma delas é a de Zumbi dos Palmares, localizada na Praça Antônio Prado, no centro histórico da cidade. Praticamente apagada em meio à paisagem que a cerca, a obra passa despercebida por transeuntes, perdendo seu caráter de homenagem e sua intenção de resgatar parte da história do local, que abrigou a primeira sede da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. 

 

"A situação criada não homenageia Zumbi: todo o raciocínio visual deveria ser radicalmente diferente para realizar a intenção. [...] Na desprotegida situação urbana, ou a escultura consegue dialogar com o espaço real, ou nenhum símbolo existe.”

Marco Buti, professor do Departamento de Artes Plásticas, sobre a estátua de Zumbi dos Palmares, localizada no centro da cidade de São Paulo

 

Foto da estátua de Zumbi dos Palmares. O retratado é negro, está descalço e usa apenas uma calça. Ele tem o braço direito erguido, com o punho cerrado, e na mão esquerda tem uma lança apoiada paralelamente ao corpo, com umas das extremidades tocando o chão. A obra está ao lado de uma árvore e cercada de quiosques com tendas vermelhas. Na praça, diversas pessoas circulam, usando máscaras.
Estátua de Zumbi dos Palmares, localizada na Praça Antônio Prado, em São Paulo.  Imagem: Reprodução/ ARS

Em sua análise, o professor defende a necessidade de um ensino competente de História e Artes Visuais, para garantir o fortalecimento dos indivíduos contra “manipulações visuais” e combater o “desconhecimento das artes visuais na sociedade”. Tais manipulações, para Buti, acontecem porque “discursos e imagens  podem ser direcionados para mascarar a realidade”.  Ele cita como exemplo a derrubada de estátuas e monumentos ao longo da história que, apesar de grandiosos no aspecto visual e simbólico, pouco representaram transformações nas estruturas sociais. 

Sobre o fogo ateado na escultura do Borba Gato (de Santo Amaro) e o protesto em si, o professor conclui afirmando que a principal falha da manifestação foi desconsiderar o contexto em que o monumento está inserido, suas características formais e a repercussão do ato de protesto. “Uma ação em São Paulo, hoje, não pode ser uma simples imitação do que já aconteceu em outros tempos e lugares, lido ou visto em alguma tela digital.  O Borba Gato (de Santo Amaro) se localiza aqui (em São Paulo), numa cidade que apaga sua memória, esconde seus rios, tem seu urbanismo determinado por interesses privados, oculta a discussão e as decisões de seu plano diretor”.

 

Revista ARS
 

ARS (São Paulo) é uma revista do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais (PPGAV) da ECA. Publicada quadrimestralmente, visa promover o debate sobre a produção artística no mundo contemporâneo, tanto na Universidade como fora dela. 

A edição atual é um especial sobre modernidade brasileira. Publicada em duas versões, uma conta com o ensaio Vulgata, criado por Wallace Vieira Masuko para este número da revista, baseado no filme filme São Jerônimo, de 1999. 

Acesse a edição da revista ARS (São Paulo) na íntegra.