O Jornal Nacional e o caso Marielle Franco: a heroína e a busca pela audiência

Artigo da revista Novos Olhares analisa como principal telejornal do país buscou se aproximar do público na cobertura do assassinato da vereadora 

Vida acadêmica

“O horário nobre já havia passado quando a notícia do assassinato da quinta vereadora mais votada nas eleições municipais de 2016 no Rio de Janeiro chegou às redações da mídia de referência. Negra, declaradamente homossexual, nascida e criada no complexo de favelas da Maré, Marielle Franco havia sido morta a tiros numa emboscada quando passava de carro pelo Estácio, bairro central do Rio, na noite do dia 14 de março de 2018. No ataque, seu motorista, Anderson Pedro Gomes, também morreu baleado.”

 

Assim começa o artigo Marielle gigante: a narrativa de um crime político no Jornal Nacional da TV Globo, publicado no Volume 11 da revista Novos Olhares, que faz uma análise televisual da cobertura do assassinato da vereadora no Jornal Nacional (JN), da Rede Globo, telejornal de maior audiência do país

Lise Chiara, doutoranda em Mídia e Cotidiano na Universidade Federal Fluminense (UFF) e professora substituta na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e Marcelo Kischinhevsky, professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) se debruçaram sobre 15 edições do telejornal veiculadas no mês do assassinato. Lise e Marcelo defendem que o telejornalismo teve um papel central na construção da narrativa sobre o acontecimento.

 


O jornalismo mediador
 
Foto de Marielle Franco, uma mulher negra, falando ao microfone. Ela usa uma faixa colorida nos cabelos crespos e curtos, um terno cinza e suas unhas estão pintadas de roxo.
Marielle Franco. Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons

O JN exibiu uma cobertura extensa sobre o assassinato de Marielle Franco e de Anderson Pedro Gomes. A pauta chegou a ocupar 75% do tempo do jornal no dia seguinte ao assassinato e foi o assunto de 29 reportagens no período analisado. Segundo o artigo, o espaço dado às notícias sobre o crime tem a ver com a relação do jornal com o público. “O espaço de destaque ocupado pela cobertura do assassinato e o reconhecimento do trabalho da vereadora (...) podem ser atribuídos não apenas aos critérios de noticiabilidade do fato, mas principalmente à tentativa de aprofundamento do vínculo do telejornal com a audiência”.

O jornal estabelece essa relação com a audiência — ao perceber o potencial de engajamento do assunto, o elenca como uma pauta prioritária. Essa interação é importante para que o público permita que o JN ocupe esse espaço de “produzir sentidos”, isto é, influencie a leitura que irá ter do ocorrido. 

Em sua análise, os autores afirmam que o JN tomou o papel de refutar a desinformação de forma didática e de reforçar a leitura de que foi um assassinato político — a execução de uma defensora dos direitos humanos.

 


A “Marielle Gigante”
 

O artigo também analisa a Marielle que está inserida nas narrativas do jornal, que assume contornos simbólicos e heroicos: “É a jornada do herói, adotada na publicidade e na literatura: uma moradora da favela que enfrentou obstáculos e venceu na vida para cumprir uma missão social”. Essa interpretação, ao mesmo tempo que dá importância à figura da vereadora, a distancia da realidade.  “A ‘Marielle Gigante’ construída na narrativa do Jornal Nacional superou conflitos e transcendeu suas lutas cotidianas, imortalizando-se, como os heróis da literatura. Mas não é exemplo a ser seguido, pois, como heroína martirizada, deixou de habitar o mundo dos vivos.”

O jornal, antes do trágico acontecimento, nunca havia dado espaço para a vereadora e, segundo Lise e Marcelo, nem sequer possuía imagens dela no arquivo. Como concluem no artigo:

“Para quem permanece no mundo real, fora da grande narrativa consolidada no JN, ficou o recado de um morador da favela da Maré, em entrevista no telejornal de 15 de março: ‘. . . nós não somos ouvidos. Quando nós vamos ser ouvidos, calam as nossas bocas, calam as nossas vozes’. Uma referência à morte brutal da representante eleita para a Câmara Municipal, mas que também pode ser lida a partir do silenciamento e da sub-representação de fontes populares na cobertura telejornalística do caso.”


 

Revista Novos Olhares
 

Novos Olhares é uma revista acadêmica de publicação semestral, voltada a estudos sobre práticas de recepção a produtos midiáticos. O periódico é vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Meios e Processos Audiovisuais (PPGMPA).

Nessa edição, o periódico traz artigos sobre o papel de profissionais de comunicação e jornalistas, o vídeo sobre demanda, televisão e cinema e outros temas. Conta com textos como A televisão infantil no Brasil e na China: uma perspectiva histórica para além dos modelos ocidentais, de Mayara Araujo e Arthur Felipe Fiel, e Paisagens anestésicas, espaços estésicos, convívios afetivos: Torre das Donzelas, de Sandra Fischer e Aline Vaz.

Acesse a edição da revista Novos Olhares na íntegra.

 

 


Imagem de capa: Reprodução/Wikimedia Commons