Pós-graduandas falam sobre os desafios de conciliar pesquisa e maternidade

Conheça as histórias de algumas estudantes da ECA selecionadas para o Programa Pesquisadoras Mães

Vida acadêmica

Com foco em discentes de mestrado e doutorado que são mães, cuidadoras ou gestantes, a Pró-Reitoria de Pós-Graduação da USP elaborou o Programa Pesquisadoras Mães. A intenção da iniciativa é contribuir com a manutenção do desenvolvimento de projetos de alta qualidade e aperfeiçoar a formação das estudantes. Para isso, Programa de Aperfeiçoamento de Ensino (PAE) oferece para discentes que são mães parte das bolsas de Estágio Supervisionado em Docência, que consiste em uma jornada de 4h  semanais durante cinco meses.

Dentre as 100 mães contempladas em 2021, três eram da ECA. Uma delas estuda no Programa de Pós-Graduação em Meios e Processos Audiovisuais (PPGMPA) e as outras duas no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação (PPGCI). O edital daquele ano levou em consideração as dificuldades impostas pela pandemia e ofereceu bolsas no valor de 685,90 reais. Já em 2022, o número de bolsas subiu para 150 e o valor aumentou para 827,68 reais. Novamente a ECA teve três selecionadas, sendo elas do PPGCI, do Programa de Pós-Graduação em Música (PPGMUS) e do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação (PPGCOM).

 

Pesquisadoras mães ecanas
Foto de três jovens e uma menina. A menina tem cabelos castanho claros na altura dos ombros, usa vestido colorido e está no colo de uma das jovens, que sorri enquanto conversa com as outras moças. Uma delas estende o braço, ajeitando o cabelo da menina.
Na Universidade de Brasília (UnB), estudantes criaram grupo para ajudar estudantes com o cuidado das crianças. Foto: reprodução/ G1 

 

Giovanna Airoldi, mestranda do PPGMUS participou do edital duas vezes. Em 2021, a estudante e profissional autônoma não havia conseguido nenhuma bolsa de auxílio à pesquisa e, em meio a pandemia, o programa foi uma possibilidade de completar a renda, que estava comprometida. Neste ano, o interesse aumentou ainda mais com a volta às salas de aula. “Vi [a retomada presencial] como oportunidade de aprendizado e de contato com a docência diferente da que tive durante o estágio remoto”, relata.

Gabriela Barros, doutoranda do PPGCOM selecionada para o programa, considera o Pesquisadoras Mães importante tanto como estímulo à contribuição das pós-graduandas para a Universidade quanto promoção de trocas de conhecimento com outros estudantes. “É uma experiência muito bacana, eu estou adorando”, ela comenta.

As alunas contempladas desempenham estágios de monitoria voltados para disciplinas da graduação. Dentre as atividades realizadas por elas estão a leitura e a discussão da bibliografia do curso, a preparação do material a ser utilizado em aula e a orientação dos trabalhos de discentes. Gabriela relata que, em certa medida, ainda é possível desfrutar dos conteúdos e reflexões da sala de aula para complementar sua pesquisa.

 

Pesquisadoras
 
Foto de uma mulher branca falando enquanto olha para o lado. Ela veste um top preto e uma camisa branca. Seu cabelo é preto e liso e tem uma franja. Ao fundo está uma parede branca e uma porta azul com um cartaz pendurado.
Giovanna participando do 1º Encontro do PAE da ECA.

Giovanna é mãe de uma menina, trabalha como violoncelista e pesquisa processos de criação musical e suas intersecções com a filosofia. A conciliação dessas ocupações não é uma tarefa fácil. Isso porque, segundo ela, “a academia e o ambiente da música ‘erudita’ são meios hostis com crianças e cegos às demandas das mães e pais, que devem produzir como se suas vidas particulares (e seus filhos) não existissem.” Nesse sentido, o edital é um importante suporte a um grupo de estudantes que tem suas necessidades específicas frequentemente negligenciadas, afirma.

Essas dificuldades na elaboração de seus projetos também são vividas por Gabriela, que estuda a construção e o desenvolvimento de narrativas ficcionais. A doutoranda é mãe de duas meninas e acredita que não é justo exigir os mesmos resultados de todos os estudantes. 

 

“Eu sou avaliada na minha produção acadêmica em pé de igualdade com os meus colegas que não têm filhos. [...] Mas a condição e a estrutura para se produzir são muito diferentes.”


Gabriela Torres Barros, jornalista e doutoranda do PPGCOM

 

Mães
 

Giovanna se tornou mãe em 2017, época em que cursava a graduação de Música na ECA. Após ter dificuldades para conseguir autorização e acompanhar todas as disciplinas de maneira remota – tendo até mesmo recebido sugestões para trancar algumas delas –, a estudante precisou recorrer à chefia do departamento para dar andamento ao curso. Por alguns meses, a estudante ainda frequentou as aulas acompanhada de sua bebê, em que a infraestrutura estava limitada a um trocador de fraldas no Prédio Central. Agora com cinco anos, a filha de Giovanna frequenta a Creche da USP durante o dia todo.

Fora os momentos de ensaio da mãe, as duas estão sempre juntas. “Ela me acompanha desde pequena em muitas de minhas atividades, e está acostumada a frequentar concertos, ver minhas apresentações ou assistir a um filme ao meu lado enquanto trabalho com o computador no colo.” Embora a menina seja tranquila, a rotina de Giovanna é exaustiva, uma vez que todos os cuidados são quase que de sua exclusiva responsabilidade. “A realidade é que durmo poucas horas por noite, quase não tenho momentos de lazer e trabalho quase todos os fins de semana”, desabafa.

 Foto de uma mulher e duas meninas. A mulher é branca, tem olhos claros e cabelo escuro preso com uma faixa, e segura as crianças em seu colo. A menina mais velha é branca, tem cabelos escuros e lisos, usa franja e óculos. A menina mais nova é branca, tem olhos claros e cabelos castanhos claros e lisos. As três sorriem para a foto. Ao fundo, estão um armário de madeira e uma mesa com uma toalha branca e roxa.
Gabriela com as filhas Clarice e Cecília. Imagem: Arquivo pessoal

Gabriela também relata não ter períodos de distração, pois os compromissos com as crianças e com a casa tomam conta inteiramente de sua agenda. Ela conta que os únicos momentos em que consegue trabalhar ou descansar são quando as filhas de seis e oito anos estão na Creche da USP ou dormindo. “Eu ainda sou privilegiada dentro do cenário geral do país por poder ter acesso à creche e a algumas questões que me dão certo suporte, mas ainda é muito pouco perto da demanda que eu tenho", aponta. O serviço de transporte e o ensino integral para as duas crianças, por exemplo, são políticas que poderiam aumentar o tempo dedicado à pesquisa, segundo a jornalista.

 

Pesquisadoras Mães
 

Diante de rotinas tão apertadas e de responsabilidades tão grandes, essas mulheres precisam definir prioridades em seu dia a dia. Giovanna já chegou a questionar a escolha dos caminhos que tem trilhado, pois acredita que o retorno financeiro não seja condizente com o esforço dedicado às suas tarefas. “Embora eu seja apaixonada pelo meu trabalho e pela pesquisa, a desvalorização de ambas as atividades tem me feito refletir sobre migrar de carreira.”

Gabriela tem conversado com outros estudantes de pós-graduação e tem percebido que os valores das bolsas de pesquisa são uma queixa geral, o que desestimula cientistas como um todo. Contudo, a doutoranda não cogita repensar sua carreira. “Adoro ser acadêmica, dar aula, pesquisar, refletir sobre os fenômenos, ler, me aprofundar. Mas para mim é um pouco frustrante porque eu sei que, se eu tivesse mais tempo, eu teria condições de fazer um trabalho de excelência, como eu gostaria de fazer”, afirma. 
 

 

 

Imagem de capa: Reprodução: G1/ TV Globo