CRP | Departamento de Relações Públicas, Propaganda e Turismo



Além da garota-propaganda: estratégias publicitárias das influenciadoras digitais

Signos do Consumo: ao valorizar a experiência pessoal, influenciadoras digitais estão mudando a propaganda de produtos e serviços

Vida acadêmica

Estratégias comunicacionais “produto-experiência” e “serviço-experiência” no Instagram, publicado na última edição da revista Signos do Consumo, se dedica à análise das ações publicitárias realizadas por influenciadoras digitais que atuam no segmento de moda e beleza. O artigo é resultado de estudo de  Mayara de Sousa Guimarães Fonseca e Juciano de Sousa Lacerda, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), que por 60 dias monitoraram cinco perfis de influenciadoras digitais de moda e beleza, das regiões Sudeste, Norte e Nordeste do país.

A dupla observou que, diferente de campanhas em outras mídias, as ações publicitárias dessas influenciadoras dá ênfase à experiência pessoal delas com o produto ou serviço. Outro aspecto que também se destaca na análise é a ausência de uma regulamentação da atividade publicitária de influencers digitais no Brasil.
 

Falta de regulamentação
 

O segmento de moda e beleza foi um dos primeiros a agregar um público considerável nas redes sociais, principalmente no aplicativo Instagram. Entre as influenciadoras do segmento, é comum indicar produtos e serviços ou mesmo fazer propaganda para algumas marcas, já que elas possuem grande engajamento. Porém, um ponto importante é entender as ações publicitárias de influencers digitais é que não existe uma legislação específica que trate essa atividade no Brasil.

O máximo que se vê são alguns princípios enunciados pelo Código do Conar, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária, uma organização não governamental responsável por fiscalizar peças publicitárias. Esse código estabelece, dentre outras coisas, que um anúncio deve ser honesto e verdadeiro e estar devidamente identificado como tal, o que também está previsto no Código de Defesa do Consumidor. 

Muitas vezes, influencers não indicam que a opinião emitida em relação a algum produto trata-se, na verdade, de uma propaganda pela qual estão sendo pagos. Os pesquisadores alertam que esse tipo de prática pode gerar rejeição do público, “uma vez que, estando os influenciadores em posição de se utilizar de seu poder de influência, aqueles sentem uma repulsa e possível descrédito ao não se depararem com transparência.”

Por causa disso, o Conar determinou que as hashtags #publipost ou #publi devem ser utilizadas quando a publicação se tratar de uma peça publicitária. Assim, o conselho busca dar mais lisura às ações de publicidade, o que acaba sendo benéfico para a reputação dos próprios influenciadores. 

 

O produto se torna experiência 
 

O artigo apresenta alguns conceitos de John B. Thompson a fim de compreender o cenário atual da comunicação nas mídias sociais digitais. Para o sociólogo americano, existem quatro tipos de interação social. A mais primitiva de todas é a face a face. Depois, com as cartas, o telefone e o e-mail, vem a interação mediada, sucedida pela quase-interação mediada, observada em meios como livros, jornais, rádio e TV. 

Cartaz de uma campanha publicitária de produtos para o cabelo. A propaganda traz uma mulher loira e de sorriso sedutor encarando a câmera, com ênfase nos seus cabelos, que são lisos, sedosos e brilhantes.
Campanha publicitária de uma tintura de cabelo com a atriz Grazi Massafera. Imagem: Reprodução/Artigo (L’Oreal)

Todas essas interações permanecem e existem na sociedade concomitantemente. Cada uma delas mobiliza diferentes estratégias comunicativas e linguísticas, com graus de interatividade e constituições espaço-temporais também diferentes. Hoje, existe ainda um outro tipo, que é a interação mediada online, presente nas redes sociais. Com o entendimento das regras do jogo e consequente projeção como criadores de conteúdo, “eles [os influenciadores] se institucionalizam e passam de fato a influenciar nos processos e decisões de compras. Não há regras a serem seguidas, as conexões vão sendo construídas, dia a dia, com uma multiplicidade de pessoas com interesses comuns, através das trocas de experiências”, afirmam Mayara e Juciano. 

É nesse cenário que as influenciadoras de moda unem vida pessoal e publicidade. É um espaço de muita interatividade, o que provoca mais respostas, interpretações e significações por parte do público. Aqui, os papéis de emissor e receptor da mensagem não são tão rígidos quanto em uma carta, por exemplo, se alternando o tempo todo. “A comunicação em rede veio substituir a dinâmica de emissores e receptores no que diz respeito ao processo comunicacional”, diz o artigo. 

Por isso é que, na internet, a publicidade se utiliza, além de suas ferramentas clássicas - a persuasão pela exibição das qualidades de um produto é uma delas -, outros recursos mais adaptados a esse novo meio. São estratégias que buscam associar um estilo de vida, no caso o do influenciador, a um produto ou serviço. Agora, o produto não é apenas um objeto que se deve comprar, mas uma experiência que precisa ser usufruída caso você queira ter o mesmo estilo daquela pessoa.

 

“O real consumo é da vida pessoal. As pessoas os têm como espelho e querem, a todo custo, ter uma vida igual, ou, no mínimo, semelhante as deles”

Mayara de Sousa Guimarães Fonseca e Juciano de Sousa Lacerda, da UFRN, em artigo para a revista Signos do Consumo. 

 

Foi assim que os pesquisadores cunharam os conceitos de "serviço-experiência'' e "produto-experiência". Com essa associação à uma experiência e também com outras funcionalidades que não podem ser contempladas na publicidade tradicional, a propaganda dos influenciadores acaba por ultrapassá-la. 

Segundo relatam no artigo, “ao utilizar um determinado serviço, a influenciadora consegue demonstrar os pontos positivos e negativos através de sua própria experiência e, tendo em mente como os seguidores são engajados, fica mais evidente a importância da sua experiência.”

Print da tela de duas páginas do Instagram. A da esquerda mostra um computador com a imagem de uma mulher de cabelos lisos, pretos e com franja segurando dois objetos que parecem servir para pintar o cabelo. A da direita traz outra mulher, também de cabelos pretos e lisos, com um roupão preto e aplicando em si mesma um produto para cabelos. Ao lado de ambas essas imagens encontram-se os comentários feitos pelos usuários referentes a cada uma das postagens.
Influenciadoras ensinando a utilizar o produto. Imagem: Reprodução/Artigo (Instagram)

Influencers contam como foi utilizar um produto ou ainda qual a melhor maneira de utilizá-lo, o que que uma peça publicitária na televisão geralmente não mostra, em razão do curto tempo dos comerciais. Além disso, o engajamento positivo ou negativo dado pelo público, por meio de likes e comentários, é um outro ponto inexistente na publicidade clássica, que também serve para estabelecer uma influenciadora enquanto tal. 

O artigo conclui que as influenciadoras agregam valor aos produtos e serviços que avaliam ou vendem. Uma vez dotadas de seguidores e engajamento suficientes para serem reconhecidas como influenciadoras digitais, estas profissionais se estabelecem como “marca-mídia” e obtém respaldo para adentrar o cotidiano das pessoas, promovendo produtos e serviços e também comportamentos. Ao mesmo tempo, do ponto de vista social e comunicacional, elas convertem seu “eu” (ou sua persona pública) em uma mercadoria consumível. 

 

Mayara de Sousa Guimarães Fonseca é doutora em Estudos da Mídia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), além de atuar como relações públicas no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba (IFPB). Já Juciano de Sousa Lacerda possui pós-doutorado pela Universidade Autônoma de Barcelona (UAB) e é docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Estudos de Mídia na UFRN. 

 

Revista Signos do Consumo
 

A revista Signos do Consumo é uma publicação semestral do Departamento de Relações Públicas, Propaganda e Turismo (CRP) da ECA. A edição atual traz artigos que estudam as condutas éticas nos fenômenos do consumo. A revista busca mostrar como o consumo é um aspecto fundamental para compreender os sentidos e interpretações do viver. 

 
 
 Imagem de capa: Sora Shimazaki/Pexels