“É que nem família”: cenotécnicos falam da relação com estudantes e do trabalho na ECA

Funcionários da cenografia contam sobre as suas trajetórias e o trabalho na USP

Vida acadêmica

Cenotécnicos são os responsáveis pela construção de objetos, estruturação, montagem e desmontagem de cenários, todas funções importantes para a realização de peças e espetáculos. A ECA conta com três desses profissionais: Juliano Tramujas, Nilton Ruiz Dias e Zito Rodrigues de Oliveira — que oferecem suporte aos estudantes e às atividades desenvolvidas por eles no Departamento de Artes Cênicas (CAC) e na Escola de Arte Dramática (EAD).

O trabalho dos cenotécnicos

Juliano, Nilton e Zito trabalham como cenotécnicos na ECA há anos. O trabalho envolve muita prática: produção de cenários, peças e objetos para os professores e estudantes do CAC e da EAD. Além disso, os profissionais também atendem pedidos de outros departamentos da Escola e de outras unidades da USP. 

Foto de dois homens em frente a uma oficina. Do lado esquerdo da imagem, um homem de pele branca, cabelo curto escuro, camisa preta, calça jeans escura e óculos segura uma bandeja de tinta coberta com tinta branca seca. Do lado direito da imagem, um homem de pele branca, camisa branca com estampas, calça roxa e boné tem um braço encostado em uma parede ao seu lado enquanto olha para a bandeja. Os dois conversam em frente a uma mesa com algumas ferramentas.
À esquerda, Juliano e, à direita, Zito conversam em frente a oficina de trabalho. Foto: Rosiane Lopes/LAC ECA-USP

Os cenotécnicos explicam que logo no início da jornada acadêmica, os estudantes realizam montagens e instalações — o primeiro contato entre eles. Para essas produções, os discentes primeiro precisam ir até o Teatro Laboratório, onde podem encontrar Juliano, Nilton e Zito na sala dos cenotécnicos ou na oficina de trabalho. Depois, os funcionários e os alunos discutem como será a produção, repassam medidas e a relação de material.

“A gente acaba fazendo toda a parte de construção, montagem e caso precise de algum suporte durante o espetáculo a gente também faz: a parte de maquinaria, descida e subida de vara com cenário ou alguma traquitana”, explica Juliano. 

Os prazos de entrega dos pedidos variam. Zito conta que quando se trata de um objeto específico, depois de um dia já pode estar pronto. Caso seja algo mais elaborado, se o aluno pedir com antecedência, o processo demora cerca de uma semana até ser entregue. 

Apesar da falta de criatividade em certos momentos e de questões técnicas como a falta de estrutura, pouco espaço na oficina e ausência de algumas ferramentas necessárias, que limitam o trabalho dos cenotécnicos, os profissionais relatam que nunca deixaram de realizar uma construção ou montagem solicitada.

 

“Aqui é um álbum, cada dia uma história”

Juliano Tramujas se interessa por arte e construção desde pequeno. Já criança se interessava por trabalhos manuais.

Foto de um homem de pele branca, cabelo curto escuro e barba. Ele usa óculos de armação escura e veste uma camisa preta e calça jeans azul escuro. Ele posa para a foto com os braços cruzados e sorri. Ao fundo, cordas e varas de um teatro.
Além da cenografia, Juliano também já trabalhou com locução de rádio. Imagem: Rosiane Lopes/LAC ECA-USP
 

O profissional trabalha na USP há 11 anos, mas fora da Universidade sua experiência com a cenografia é extensa: são quase 30 anos. Juliano conta que entrou na profissão por meio de um amigo de seu pai que fez uma exposição de joias. Ele se interessou pela estruturação do evento e pediu ao homem que o deixasse participar dos seus trabalhos.

Na época, em 1996, ele trabalhava em um estúdio gráfico em Curitiba, mas decidiu mudar de área e se dedicar à cenografia. Do Paraná, veio para São Paulo e se envolveu com teatro, publicidade, cinema, feiras e eventos. Antes de chegar à USP, Juliano viajou por todo o Brasil, além de países como França e Portugal, ao trabalhar com a atriz Marília Pêra na peça Mademoiselle Chanel. Além de construir o cenário da produção, o cenotécnico também atuou como contrarregra. 

Já na Universidade, o cenotécnico cita um dos seus trabalhos iniciais em que ofereceu suporte à Nilton e Zito: o espetáculo Zucco, de 2013, com direção de José Fernando de Azevedo. Para ele, essa produção tornou-se memorável por ter sido realizada logo que ele iniciou seu trabalho na ECA e por ser uma das poucas realizações de grande proporção que presenciou.

“Nesses 10, 11 anos que eu estou aqui foram poucas as vezes que a gente conseguiu produzir cenários grandiosos para espetáculos”. Isso porque, após essa peça, as maiores produções passaram a se restringir aos trabalhos finais de curso. Juliano, assim como Zito, também diz que não consegue citar apenas uma história durante seus anos de trabalho que fosse especial; para ele todas foram

 

“Foram várias, né, Zitão? Aqui é um álbum, cada dia uma história, não tem como você escolher uma em especial, é muito difícil, cada dia é uma história”.

Juliano Tramuja, cenotécnico da ECA

 

Foto de parte de uma bancada com vários objetos. A superfície tem objetos de trabalho manual desorganizados como caixa de ferramentas, furadeira, pedaços de madeira, canos e latas vazias. Algumas folhas com o desenho de objetos e suas medidas estão pregadas em um mural acima da bancada.
Parte da bancada de trabalho de Juliano, Nilton e Zito. Foto: Rosiane Lopes/LAC ECA-USP

 

 

“Eu amo de paixão o que eu faço”

Neste mês de agosto, Zito Rodrigues completa 28 anos de trabalho como cenotécnico na USP. 

Foto de um homem em frente a uma bancada. O homem tem pele branca, olhos escuros e usa um boné camuflado, camisa branca de time e calça roxa. Ele tem a mão esquerda encostada na bancada e a mão direita no quadril. Atrás dele, a bancada tem diversos objetos de trabalho manual como canos, pedaços de madeira e uma caixa de ferramentas.
Zito pratica Kung Fu há 30 anos e produz as ferramentas da arte marcial para si mesmo. Foto: Rosiane Lopes/LAC ECA-USP

Antes de chegar à Universidade, Zito fez parte do Exército, em Mato Grosso, seu estado natal. Depois de sair de lá, foi para a Polícia Militar, onde ficou por um período. Em seguida, ele veio para São Paulo e em 1995 começou a trabalhar na USP como segurança da ECA. Quando surgiu uma vaga na cenografia da unidade em 1997, prestou concurso e desde então trabalha como cenotécnico. 

Ao contrário de Juliano, Zito não sabia bem o que um cenotécnico fazia. Ele conta que por ter nascido na roça sabia o básico de trabalhos manuais, mas não tinha tanta habilidade. Hoje, diz não ter nada que não consiga fazer. Mesmo que seja difícil, ele pensa em alguma maneira de construir. Atualmente, aprende com os estudantes enquanto os ensina.

Ao iniciar na cenografia, aprendeu o ofício por conta própria e ao observar Nilton, que trabalha há 29 anos como cenotécnico. Mais tímido dos três, o funcionário preferiu não participar desta reportagem e continuar fora dos holofotes, mas acredita que sua experiência e a de Zito acabam sendo muito semelhantes, pelos anos que trabalharam juntos. 

Zito também se formou em Educação Física pela USP, mas não tem interesse em seguir nessa área. É feliz como cenotécnico, diz. 

 

“Eu amo de paixão o que eu faço. Eu tenho o maior carinho pelas coisas que eu faço. Então eu jamais vou trocar minha profissão por outra”. 

Zito Rodrigues, cenotécnico da ECA

 

"Que nem família"

Foto de uma instalação. O espaço tem iluminação azul escuro, branca no centro e os arredores escuros. Várias fotos estão penduradas em um barbante estendido. Espumas brancas formam um caminho até as fotografias e, pisando sobre elas, quatro pessoas observam as fotos. Um tecido claro está pendurado acima das fotos.
Instalação da estudante Stephanie Barros, produção feita com a ajuda de Zito. Além de estudar atuação, a discente também estuda técnicas de palco e diz admirar o trabalho dos cenotécnicos. Para ela, não há como nenhum espetáculo acontecer sem a ajuda de profissionais como Nilton, Juliano e Zito. Foto: Amanda Ferreira/ LAC ECA-USP

Tanto Juliano quanto Zito apontam que a relação deles com os estudantes é ótima. Juliano indica que, pelo tempo que passam juntos, o corpo técnico é ainda mais presente na vida dos discentes do que os professores. 

Além de construir objetos e cenários, os cenotécnicos contribuem com ideias para os estudantes em suas montagens e instalações. Segundo eles, muitas das sugestões que fazem são aceitas pelos alunos, o que faz com as produções tenham resultados ainda mais satisfatórios.    

 “Somos muito próximos, tanto que é que nem família”, diz Zito sobre sua relação com os estudantes. Ele aponta que mesmo depois de formados, muitos discentes retornam à ECA para tirar fotos e matar a saudade

A relação também é positiva para os profissionais. Para Juliano, a convivência com os estudantes, suas ideias e jovialidade renovam o astral e a energia dos cenotécnicos

 

 


Imagem de capa: Rosiane Lopes/LAC ECA-USP