CAP | Departamento de Artes Plásticas



Exposição preserva a memória e a natureza do orixá Iroko

Em mostra presencial e virtual, a professora do Departamento de Artes Plásticas Dália Rosenthal reconstitui a história de uma árvore sagrada do candomblé

Comunidade

Um incêndio criminoso que destruiu a árvore Iroko no terreiro Ilê Obá Ogunté, mais conhecido como Sítio de Pai Adão, em Recife (PE), é lembrado na exposição Tempo para Iroko, realizada por Dália Rosenthal, artista e professora do Departamento de Artes Plásticas (CAP) da ECA. Em 2018, a árvore sagrada e o espaço onde ela crescia foram declarados patrimônio histórico e cultural do Brasil pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e, em novembro daquele mesmo ano, ocorreu o ataque. Depois de alguns meses, o que restou do tronco foi novamente queimado, impossibilitando a sua recuperação.

Foi esse fato violento que motivou a professora Dália a criar o projeto Tempo para Iroko, selecionado pelo 5º Edital de Residência Artística da Fundação Joaquim Nabuco, de Recife. “No dia seguinte à destruição da árvore, eu estive no Sítio de Pai Adão e me impactei profundamente por esse fato, que deu origem a essa pesquisa construída a partir da voz dos mais antigos da comunidade e da investigação de documentos no Arquivo Histórico de Pernambuco”, conta a professora. “Nasceu ali também uma das partes mais importantes desse projeto: o cultivo e o cuidado de novas sementes por vários núcleos da sociedade durante os meses seguintes para a criação de uma construção coletiva de um sementeiro e do plantio comunitário final das árvores Iroko, ou gameleiras-brancas.”

O projeto Tempo para Iroko reúne um conjunto de audiovisuais formado por fotos, vídeos com a participação dos líderes espirituais do terreiro Ilê Obá Ogunté e documentos históricos. Está sendo apresentado nas galerias Massangana e Baobá, em Recife (Avenida 17 de Agosto, 2.187, bairro de Casa Forte), e também pode ser visitado via internet.

“A perseguição aos povos de terreiro e o assassinato de uma árvore sagrada são atos criminosos que devem ser combatidos por todos”

“Iroko é um dos orixás mais antigos nas tradições religiosas de matriz africana, sendo cultuado no candomblé do Brasil pela nação Ketu”, conta o historiador e pesquisador Moacir dos Anjos, da Fundação Joaquim Nabuco. “É ele quem rege o tempo, representando a ancestralidade dos que vivem no presente, sob o signo dos que vieram antes.”

Dália Rosenthal, uma mulher branca de cabelos curtos castanho claros, está sentada ao lado de uma mulher negra e um rapaz branco. Atrás deles, três homens negros e um homem branco estão de pé. Alguns usam roupas e adereços relacionados a cultura e à religiões de matriz africana.
Os realizadores do projeto Tempo para Iroko. Foto: Guto Moraes

O historiador conta que os religiosos ensinam que, no início do mundo, Iroko habitava a primeira árvore plantada na Terra e através dela os outros orixás desceram do céu. “Uma árvore por isso sagrada e que, no Brasil, afirma-se ser a gameleira-branca, razão pela qual é costumeiramente cultivada em terreiros de candomblé. Árvore alta e frondosa que é a casa de Iroko e com esse orixá se confunde, guiando os acontecimentos e oferecendo proteção.”

Essa proteção é compartilhada pelo projeto da professora Dália Rosenthal. “Vejo o projeto Tempo para Iroko como uma grande árvore. Penso que as mensagens serão construídas por cada pessoa que se sentar sob a sua sombra, que observar suas folhas, sua copa e se conectar com o tempo de uma árvore que pode viver centenas de anos”, observa a professora. “De certa forma a exposição apresenta marcas de um percurso, como estações diferentes que nos levam a perguntas diferentes. Iroko é uma árvore, um orixá, um espírito, um povo, uma memória, mas é também a história de toda a humanidade.”Cartaz de divulgação da exposição Tempo para Iroko

Através do projeto, Dália protesta contra a violência desenfreada, o preconceito racial e a intolerância religiosa. “A perseguição aos povos de terreiro e o assassinato de uma árvore sagrada são atos criminosos que devem ser combatidos por todos. É uma tarefa nossa, como sociedade, defender o direito à vida e à liberdade religiosa e combater essa violência. Acredito que esse projeto possa criar espaços para uma reflexão coletiva sobre esse compromisso nosso como cidadãos e como sociedade.”

Dália tem um sonho no horizonte. Afirma: “Gostaria muito que o material pudesse ser compartilhado com professores de arte, para que promovam debates nas escolas sobre o tema. Que a voz de Manoel Papai, Tio Walfrido e Pai Cecinho, líderes espirituais do terreiro Ilê Obá Ogunté, possa ser escutada nas escolas por alunos e professores.”

 

A exposição virtual Tempo para Iroko pode ser acessada através deste link.

 

Publicado originalmente no Jornal da USP