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Estudantes mostram como inovar em uma biblioteca infantojuvenil

Trabalho desenvolvido em disciplina da graduação é publicado no 30º Congresso Brasileiro de Biblioteconomia e Documentação

Estudos

As estudantes Giovanna Coelho, Brenda Salles, Paloma Justino e Sarah Souza,  do curso de Biblioteconomia da ECA, estavam em busca de uma biblioteca com acesso a jogos eletrônicos para trabalhar com a organização dos games, o que seria sua avaliação para a disciplina Informação, Ciência e Tecnologia. No entanto, ao visitarem a unidade escolhida, a Biblioteca Monteiro Lobato, na região central de São Paulo,  elas foram recebidas com uma notícia desanimadora: o único aparelho de videogame do prédio havia sido furtado, inutilizando assim sua “sala gamer”

Em vez de desistir da visita, as estudantes escolheram se aprofundar nas demandas da biblioteca, mudando o foco do trabalho para intervenções que suprissem as dificuldades identificadas. Assim, desenvolveram a pesquisa de campo que resultou no artigo Biblioteca Monteiro Lobato: como inovar numa biblioteca infantojuvenil, publicado no 30° Congresso Brasileiro de Biblioteconomia e Documentação. O trabalho consiste em uma análise qualitativa da biblioteca usando o modelo FOFA (Forças, Oportunidades, Fraquezas e Ameaças) para, então, propor ações de inovação nas áreas de serviços, produtos, marketing e organização, todas voltadas ao aumento do engajamento e acessibilidade da biblioteca. 

 

Como inovar em uma biblioteca pública?

A Biblioteca Monteiro Lobato se caracteriza como a mais antiga biblioteca infantil em funcionamento no Brasil, idealizada por Mário de Andrade e inaugurada em 14 de março de 1936. Seu acervo é rico e diverso, com mais de 75 mil exemplares entre obras literárias, gibis e revistas, além de um acervo histórico destinado à conservação de materiais documentais bibliográficos e não-bibliográficos relacionados ao patrono, Monteiro Lobato.

Só no período de janeiro a abril de 2024, 16.702 pessoas foram atendidas pela Monteiro Lobato segundo os dados da Coordenação do Sistema Municipal de Bibliotecas (CSMB). Contudo, mesmo com a popularidade da biblioteca, sua diretora informou para as estudantes dificuldades como a queda do número de visitas devido à maior facilidade do acesso a conteúdo online, poucas atividades voltadas para o público mais velho, além de fatores socioeconômicos que dificultam o acesso à biblioteca. 

 

"A inovação é muito importante, pois além de haver uma queda no engajamento com os adolescentes, há também fatores como a distância, vulnerabilidade social, não pertencimento ao espaço, entre outros."

Giovanna Coelho, Brenda Salles, Paloma Justino e Sarah Souza, estudantes de Biblioteconomia

 

Para entender as demandas da biblioteca e planejar uma estratégia que as suprisse, o grupo usou  a análise SWOT, ou FOFA, cuja sigla em inglês significa Strengths, Weaknesses, Opportunities and Threats (Forças, Fraquezas, Oportunidades e Ameaças). Nessa análise, há um quadro onde as características estão divididas entre positivas ou negativas e relacionadas ao ambiente externo ou interno. Segundo Sarah, a troca de informações com a diretora da biblioteca, com seus colegas e com o professor da disciplina foi fundamental para o processo de análise. 

Imagem de um quadro com quatro quadrantes coloridos divididos em duas linhas e duas colunas. Acima das colunas, há as legendas “fatores positivos” à esquerda e “fatores negativos” à direita. Na linha superior, há a legenda “ambiente interno”, na linha inferior há a legenda “ambiente externo”.
Esquema da análise SWOT, ou FOFA. Os quadrantes superiores indicam forças e fraquezas do ambiente interno, enquanto os inferiores indicam o mesmo no ambiente externo. Foto: Reprodução/ 30º Congresso Brasileiro de Biblioteconomia e Documentação.

 

Os dados levantados na análise foram os seguintes:

Forças

  • Ação política pública voltada para a primeira infância (0 a 6 anos);
  • Acervo variado;
  • Atividades gratuitas;
  • Atuação junto à comunidade (refugiados, imigrantes, moradores de rua).

Fraquezas 

  • Falta de acervo multilíngue; 
  • Comunicação falha com outras secretarias da Prefeitura, dificultando atendimentos de emergência; 
  • Falta de verba e falta de vigilância para o lado externo do prédio; 
  • Dificuldade em atender público vulnerável (social e financeiramente);
  • Falta de acessibilidade. 

Oportunidades 

  • Promover acessibilidade; 
  • Variar acervo para público estrangeiro (haitianos, árabes, outros);
  • Atividades culturais promovidas por agentes externos (ex.: Palavra Cantada, oficinas, etc);
  • Colaboração com secretário para apoio social.

Ameaças

  • Problemas com moradores de rua que utilizam espaços da biblioteca; 
  • Necessidade de esclarecer a importância do patrono em face de suas opiniões polêmicas; 
  • Dificuldade em atingir o público que ainda não conhece o local;
  • Falta de verba e de materiais.

 

Com base nos dados dessa análise, as estudantes pensaram em seis propostas para os setores de serviços, produtos, marketing e organização da biblioteca. As propostas têm como objetivo aumentar o engajamento e variedade do público da Monteiro Lobato e cada uma delas foi classificada de acordo com o grau de dificuldade de implementação e com o prazo estimado para entrar em funcionamento.

 

Novas estratégias para atender novos públicos
 

 

Diferente da inovação empresarial, as propostas não visam agregar valor comercial a um produto, mas sim valor social e cultural. 

Brenda Salles, Giovanna Coelho, Paloma Justino, Sarah Souza, estudantes de Biblioteconomia
 

 

O Manual de Oslo (OCDE, 2018), que indica como coletar, relatar e usar informações para inovar, sugere quatro tipos de inovação: de processo, de produto, de marketing e organizacional. Com base nos dados da Análise FOFA da biblioteca e com o auxílio da bibliotecária da Monteiro Lobato, as estudantes propuseram as seguintes inovações para cada setor:

 

Serviço:

  • Oficina de RPG: O Role-playing game, ou RPG, consiste em um tipo de jogo de interpretação onde os participantes constroem histórias colaborativamente por intermédio de um mestre. Enquanto inovação de serviço da biblioteca, visa criar novas formas de engajamento e atrair o público juvenil para se apropriar da biblioteca. Se implementada, a oficina contaria com sistemas de RPG nacionais, como o Tormenta 20, Terra Devastada e Arquivos Paranormais. 
  • Foto de cartões sanfonados com diversas ilustrações coloridas sobre a mesa de uma biblioteca. Ao fundo, há prateleiras cheias de livros e grandes janelas.
    O principal serviço de uma biblioteca é o empréstimo de livros, mas há outras atividades que podem engajar crianças e jovens. Foto: reprodução/ São Paulo Secreto
    Balada literária: das propostas levantadas pelo grupo, a balada literária seria a de aplicação mais simples. A saber, o evento tem inspiração no que já ocorre no Dia das Crianças da biblioteca, quando as crianças passam a noite em uma caça ao tesouro no prédio. A balada é uma proposta semelhante, mas voltada a um público um pouco mais velho: um baile temático, no qual os adolescentes participam fantasiados de seus personagens favoritos. 
  • Convênio com a Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo: de acordo com a bibliotecária da Monteiro Lobato, é comum aparecerem crianças, adolescentes e moradores de rua em estado de vulnerabilidade (feridas, desnutridas, assustadas, entre outros) na biblioteca. Apesar dos funcionários não terem um treinamento ou infraestrutura adequada para situações como estas, eles não podem se recusar a recebê-las ou negar atendimento. O convênio, assim, seria benéfico por permitir a prática dos estudantes da faculdade e por, ao mesmo tempo, trazer tranquilidade aos funcionários, com o encaminhamento desses casos a profissionais qualificados. 

Produto:

  • Acervo multilíngue: tendo em mente o aumento do número de estrangeiros morando ao redor da biblioteca, a proposta tem a intenção de tornar o conteúdo da biblioteca acessível para esse público, que muitas vezes estabeleceu-se de forma corrida no país e tem dificuldade de adaptação de costumes e língua, convidando-os à integração com o novo espaço.

Marketing: 

  • Clube do livro para adultos e 60+: trata-se de uma estratégia de marketing para a biblioteca. Isto é, a divulgação de um espaço para a leitura de adultos é uma oportunidade para variar o público da biblioteca, além de atrair usuários que, eventualmente, trarão seus filhos para o espaço. Além da publicidade, a possibilidade desse espaço em conjunto com o acervo multilíngue é uma estratégia para a integração de imigrantes que vivem no entorno da biblioteca.

Organização:

  • Biblioteca itinerante: a ida à biblioteca pode ter obstáculos para alguns usuários, como: vulnerabilidade social, tempo de deslocamento e até dificuldade de adaptação cultural, em se tratando da comunidade de refugiados ou imigrantes. Assim, uma biblioteca itinerante poderia cumprir seu papel de democratizar o acesso à cultura e à informação em locais distantes. Segundo as pesquisadoras, há registros de que propostas semelhantes em outras bibliotecas tiveram como resultado uma maior promoção da interação com a comunidade e o aumento do nível de leitura dos usuários. 

 

De modo geral, a implementação dessas medidas aumentaria a quantidade e a variedade de visitantes na biblioteca. Assim, as crianças seguem como o principal público da biblioteca, mas com um maior espaço para adolescentes, que acreditam não haver atividades para eles, além de adultos que, afinal, são quem trazem as crianças para a Monteiro Lobato.

A partir das diretrizes do Manual de Oslo, o grupo pôde chegar a inovações que se encaixassem no perfil dos usuários e na demanda apontada pela diretora da unidade. Algumas dessas propostas têm caráter incremental, isto é, melhoram ou ampliam o funcionamento de algo que já existe e são mais fáceis de implementar, enquanto outras têm caráter inédito e dependem de novos funcionários ou recursos para começarem. “Gostaríamos muito que nossas ideias fossem implementadas” , dizem as estudantes, “porém, há fatores como recursos humanos, financeiros e autorização da Prefeitura que podem dificultar que os projetos sejam colocados em prática”.

 

Seleção para o Congresso Nacional de Biblioteconomia

A publicação nos anais do 30º Congresso Brasileiro de Biblioteconomia foi uma surpresa para o grupo e só foi possível graças ao incentivo do professor Francisco Carlos Paletta, docente do Departamento de Informação e Cultura (CBD) que ministrou a disciplina em que o trabalho foi desenvolvido. “Nem sabia que alunos podiam submeter trabalhos até o professor Palleta nos sugerir”, conta Paloma. Além do artigo, as estudantes fizeram uma apresentação durante o evento. 

 

“Apesar de [estarmos] nervosas, nossa apresentação fluiu de maneira muito positiva, principalmente em função do formato de apresentação adotado pela comissão organizadora, que é semelhante a rodas de conversa. Isso deixou o clima das apresentações muito mais leve.”

Paloma Justino, estudante de Biblioteconomia

 

Foto de maquete colorida do sítio do pica-pau amarelo. No primeiro plano estão personagens como Visconde de sabugosa, Emília e bruxa Queca, ao fundo há uma casa do lado direito e uma floresta do lado esquerdo.
Até o momento, as propostas das estudantes ainda não têm previsão para serem implementadas, já que dependem de verba, treinamento ou autorização da Prefeitura de São Paulo. Foto: reprodução/Prefeitura de São Paulo. 

 

Para Brenda, que apresentou um trabalho acadêmico pela primeira vez, “o fato de ser em um Congresso tão importante na área de Biblioteconomia teve, sem dúvidas, um impacto ainda maior”. Ela diz que “nunca imaginaria ter uma oportunidade tão grandiosa já na graduação”, enquanto Sarah destaca que “conhecer e ‘papear’ com grandes profissionais da área foi único, e ter nosso trabalho elogiado foi gratificante. Não acho que tenho palavras suficientes para descrever essa experiência”.

 

 

 


Foto de capa: reprodução/Guia da Folha