Como funciona o negócio dos dados?
Centro de Pesquisa em Comunicação e Trabalho da ECA lança cartilha que explica como as informações dos usuários são utilizadas por plataformas como a Meta
Você sabe como as redes sociais usam os seus dados? Para responder a essa pergunta, o Centro de Pesquisa em Comunicação e Trabalho (CPCT) desenvolveu a cartilha Meta: se apropriar dos seus dados. O caminho das informações pessoais no ambiente digital. A cartilha foi lançada em dezembro de 2024, em comemoração ao aniversário de 20 anos do CPCT, grupo de estudos sediado na ECA e coordenado pela professora Roseli Figaro, do Departamento de Comunicações e Artes (CCA).
O material é um dos resultados de uma pesquisa com duração prevista de cinco anos, iniciada em 2023, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que tem como objetivo estudar o processo de datificação do trabalho dos comunicadores. Datificação é a transformação de ações sociais, aspectos da vida, comportamentos e informações pessoais em dados digitais. A ideia do grupo é entender como essa prática vem transformando o trabalho na área da comunicação. Para isso, uma das primeiras etapas foi analisar os Termos e Condições de Uso e Políticas de Privacidade das redes sociais, e foi assim que a cartilha começou a ser desenvolvida.
Roseli conta que, ao analisar essas diretrizes por mais de um mês, o grupo percebeu que elas não esclarecem a atividade das empresas de tecnologia em relação aos dados dos usuários, pelo contrário: “não existe um documento claro, que explica tudo que acontece com os dados quando você clica no ‘aceito’ ”, explica a professora. Ela ainda afirma que, mesmo que o usuário tente ler e entender, um documento leva a outro, todos com linguagem inacessível.
“Nossa vontade, então, foi imediatamente transformar esse material em algo simples, direto, que pudesse esclarecer as pessoas sobre o que acontece com os dados delas.”
Roseli Figaro, docente do CCA e coordenadora do CPCT
O grupo escolheu estudar a Meta, já que é a plataforma que está por trás do WhatsApp, do Instagram e do Facebook, três redes sociais que, de acordo com o levantamento de 2024 do instituto DataReportal, estão entre as mais usadas pelos brasileiros, logo atrás do Youtube. Os Termos e Condições de Uso e Políticas de Privacidade da Meta foram avaliados pelo CPCT, que é composto por 25 pesquisadores de diversas regiões do Brasil nas áreas de comunicação, linguagens, psicologia, tecnologia e engenharia.

Para desenvolver a cartilha, o CPCT contou com a parceria do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (LabJor) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). As informações encontradas pelos pesquisadores do grupo foram compartilhadas com os estudantes da especialização em jornalismo científico do laboratório. Orientados pela professora Graciely Costa, eles receberam o desafio de transformar esses dados em um material didático de divulgação científica. Dentre as propostas apresentadas, a escolhida foi a de Cristina Uchôa e Jennifer Zsürger, que criaram todo o projeto gráfico da cartilha.
Desde o estudo inicial das diretrizes das redes até o produto final, foram mais de seis meses de trabalho, conta a professora Roseli. Agora, ela explica que o objetivo é a divulgação do material, principalmente para o público-alvo: estudantes e professores do ensino médio.
O negócio dos dados
A cartilha mostra que diversos tipos de informações pessoais são coletadas pela Meta: algumas são mais simples, como número de telefone, email, idade, endereço, aparelho utilizado (marca do celular, tablet ou computador) e sua lista de contatos. Já outros dados são um pouco mais complexos, como raça e etnia, gênero e orientação sexual, preferências políticas e religiosas, todas as imagens enviadas e o comportamento na plataforma, mesmo que a pessoa não tenha feito login, isto é, esteja desconectada de suas redes sociais.
A Meta diz que usa a maioria desses dados para aprimorar e personalizar a experiência do usuário dentro da plataforma, garantindo sua segurança, quando, na verdade, a cartilha revela o contrário: suas informações são vendidas para outras empresas, que pagam a Meta para direcionarem as publicações dessas empresas para um público-alvo traçado com base nesses dados. Com o conteúdo personalizado a partir das suas informações pessoais, os usuários ficam muito mais tempo na plataforma, o que os leva a consumir cada vez mais publicidade digital.
Para Roseli, uma das consequências do “negócio dos dados” é a precarização do trabalho dos comunicadores, que veem suas funções sendo exercidas e ameaçadas pelas redes sem nenhuma regulamentação e fiscalização: “essas plataformas são empresas de comunicação, apesar de não se identificarem como tal”. Para os publicitários, essa ameaça fica clara à medida que a própria Meta é contratada para engajar publicações para um determinado público.
Já no caso dos jornalistas, suas publicações circulam livremente pelas plataformas, que ganham com as visualizações e com os compartilhamentos, enquanto o profissional não é remunerado proporcionalmente a isso. Ainda que as conclusões da pesquisa apresentem um cenário crítico, a professora explica que os trabalhos do CPCT têm como objetivo transformar as situações estudadas.
“A nossa agenda é sempre pesquisar e conhecer para transformar. Como formar profissionais capazes de entender os problemas e transformá-los. A cartilha é uma das nossas ações de esclarecimento.”
Roseli Figaro, docente do CCA e coordenadora do CPCT
Ao final da cartilha, o leitor encontra algumas dicas do que ele pode fazer para minimizar os efeitos da coleta dos seus dados, como desativar as notificações, revisar as configurações de privacidade e não abrir links e arquivos desconhecidos. Em caso de crimes digitais, é possível fazer denúncias ao Procon e a delegacias. Para que o usuário possa saber mais sobre o assunto, a cartilha também divulga algumas ações sociais e a Lei Geral de Proteção de Dados.
Acesse a cartilha completa.