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Estudo investiga conexão entre professora Gisela Ortriwano e a ECA

Artigo do último número da revista Comunicação & Educação traz relatos sobre as contribuições da docente e pesquisadora de radiojornalismo
 

Vida acadêmica

Gisela Swetlana Ortriwano, uma das maiores pesquisadoras do radiojornalismo no país, foi uma ecana dedicada à Escola em todas as etapas de sua vida acadêmica. Durante a graduação, o mestrado, o doutorado e a docência, a pesquisadora construiu vínculos e amizades que foram cultivados até seu falecimento, em 2003, aos 55 anos.

Foto de uma mulher olhando para a câmera com expressão neutra. Ela é branca, tem cabelos escuros presos e veste uma blusa cinza. Ao fundo, está uma parede branca e um móvel preto.
Imagem: reprodução/Jornal da USP

Investigando a história da conexão entre a docente e a USP, Lourival da Cruz Galvão Júnior desenvolveu o estudo Gisela Swetlana Ortriwano e a Universidade de São Paulo: uma relação de afetos ao ensino, à pesquisa e à extensão, publicado na mais recente edição da revista Comunicação & Educação. A pesquisa buscou analisar o percurso acadêmico da professora  e suas contribuições ao estudo do rádio no Departamento de Jornalismo e Editoração (CJE).

Lourival é pós-doutor em Comunicação pela ECA e produtor da série radiofônica Vozes Giselistas: as contribuições de Gisela Swetlana Ortriwano ao Radiojornalismo e à Comunicação, transmitida pela Rádio USP em 2020. 

 

Trajetória até o CJE

Nascida em 7 de junho de 1948 em Füssen, na Alemanha, Gisela atravessou o Oceano Atlântico com a família para deixar para trás a destruição causada pela Segunda Guerra Mundial. Em entrevista com Rodolfo Wolfgang, irmão de Gisela, Lourival coletou diversos relatos sobre a história da família Ortriwano, a relação entre os irmãos e o início da carreira da pesquisadora.

Foto sépia de cinco pessoas, dois adultos e três crianças. Um homem e uma mulher estão atrás das crianças. No centro, um menino pequeno está em pé sobre um banco. No chão, um outro menino e uma menina estão em pé ao lado do banco. A família veste roupas formais e está posicionada na frente de um quadro de flores.
Família Ortriwano. Imagem: Arquivo pessoal/Rodolfo Ortriwano

Aos 20 anos, Gisela deixou a casa dos pais, na zona leste de São Paulo, para morar no Conjunto Residencial da USP, o Crusp. Em plena ditadura militar, a jovem começou a graduação em Sociologia e, após um ano, ingressou também no curso de Jornalismo da ECA. Ainda durante a graduação, Gisela conheceu nos corredores do CJE pessoas com quem viria a desenvolver intenso convívio  ao longo dos 30 anos seguintes. 

Um dos colegas de turma foi Ciro Marcondes Filho, que também cursou Ciências Sociais e Jornalismo, e mais tarde orientou o doutorado da amiga. Ciro, considerado um dos maiores nomes da Teoria da Comunicação no Brasil, compartilhou com Gisela projetos, pesquisas e saberes, segundo o artigo. Ela era “uma pessoa muito solidária e preocupada, na verdade, com os rumos do ensino e da profissão. Eu sempre a achei muito séria neste aspecto. Uma pessoa muito digna, muito correta”, contou o já falecido professor do CJE em entrevista a Lourival.

Entre os docentes com quem teve aula na graduação, Walter Sampaio e Dulcília Buitoni se destacaram. O professor foi uma referência para o ingresso de Gisela na docência e a recebeu como monitora. Essa convivência é apontada por Lourival como decisiva para o interesse da pesquisadora pelo rádio.  A parceria com Dulcília também durou muitos anos. A relação deixou de ser entre aluna e professora para tornar-se um vínculo entre colegas de trabalho e, mais do que isso, entre amigas.

 

“Como pessoa ela era uma amiga incrível, fiel; alguém que você confia. Como professora era essa dedicação – e era uma dedicação para a USP, porque a USP não era para ela uma grife; era algo que ela vivia; vivia o departamento, trabalhava muito. Uma pessoa dedicadíssima para a vida acadêmica. Impressionante a dedicação dela.”

 

Dulcília Buitoni, professora, colega e amiga de Gisela

 

Foto de uma jovem sorrindo para a câmera. Ela é branca e tem seus cabelos escuros cobertos por uma touca branca. A moça veste um cachecol com listas vermelhas e laranjas e um casaco verde. Ao fundo, uma construção antiga, que lembra um castelo.
Imagem: reprodução/acervo Rodolfo Ortriwano 

 

“Pesquisadora incansável”

Pioneira, Gisela foi a autora da primeira obra brasileira dedicada exclusivamente ao radiojornalismo. Os (Des)caminhos do Radiojornalismo foi a tese de doutorado defendida por ela em 1990, mas que segue atual. Para Lourival, mesmo após 30 anos, o texto tem uma proximidade com o contexto atual do rádio “perante a convergência das mídias no ambiente virtual e frente ao avanço da tecnologia e do surgimento de novos formatos digitais sonoros, como o podcast”.

Segundo o professor Luiz Fernando Santoro, que foi colega de trabalho de Gisela e dá aulas no CJE até hoje, a docente era capaz de sintetizar o tema, aproveitando e articulando a prática jornalística com o funcionamento do rádio, da indústria cultural, da economia e tudo que girava em torno do assunto.

 

“Gisela ‘era incansável como professora e pesquisadora’, sendo responsável por articular a construção de uma base teórica sobre o rádio alicerçada na prática laboratorial e profissional.”

 

Lourival da Cruz Galvão Júnior, pesquisador, citando Luiz Fernando Santoro, docente do CJE

 

Para além do radiojornalismo, a docente orientou e escreveu publicações sobre o rádio público, o educativo e o comercial; as interfaces com outras mídias; a comunicação popular; o regionalismo; a interatividade e o mercado de trabalho. Mesmo no final da vida, Gisela não parou de pensar e repensar nos seus trabalhos. Ligia Maria Trigo de Souza, ex-aluna, conta que em sua última visita à professora no hospital, ouviu de Gisela que ela “queria retomar algumas pesquisas, entre elas, reelaborar a questão do rádio na internet a partir  da definição mais precisa do que a gente consideraria rádio”.

 

Foto em preto e branco de três pessoas. Ao centro, está uma mulher em pé. Ela é branca, está com os cabelos escuros presos, veste uma blusa de manga longa e está gesticula. Na frente dela, há um microfone apoiado em uma mesa. De cada lado da mulher, sentados, estão dois homens. O da esquerda é branco e calvo, com cabelos e barba branca, e o da direita tem cabelos curtos levemente grisalhos, sem barba.
Professora Gisela (ao centro) e professor José Coelho Sobrinho (à esquerda) compondo uma banca examinadora de mestrado em 2002. Imagem: reprodução/Jornal da USP

 

“Ela está lá até hoje”

Era na sua sala do CJE que a pesquisadora recebia estudantes, preparava aulas, cultivava plantas, guardava coleções e produzia textos. “Ela tinha uma relação afetiva com a sala, com o mundo em que ela convivia. Em todas as conversas ela deixava transparecer muito o amor que ela tinha pela USP, pela ECA”, relata Daniela Cristiane Ota, que foi orientanda da professora.

Gisela disse para amigos, como José Coelho Sobrinho, que desejava continuar para sempre na USP, ficar eternamente com as plantas e árvores que ornamentam o jardim da ECA. O também professor do CJE narra:

Foto de uma placa fixada em uma parede branca. A superfície da placa é prata e um pouco reflexiva. Em letras pretas, está escrito: Estúdio de Telejornalismo Gisela Swetlana Ortriwano (Professora do CJE de 1974 a 2003).
O Estúdio de Telejornalismo do Departamento de Jornalismo e Editoração (CJE) foi nomeado em homenagem à professora. Imagem: Mariana Zancanelli

“Recordo que cheguei [ao hospital e], ela sentada [disse]: ‘acho que está chegando a minha hora. Você sabe de tudo que gosto na ECA. Eu quero ser cremada e você vai jogar as cinzas onde eu quero, nesta e naquela árvore’. Ela era uma pessoa que gostava da natureza, tanto que ela fazia o jardim; ela falava de qual árvore ela gostava e dizia por que gostava. Eram três árvores que ela gostava – e gostava também de um canteiro que tinha na ECA. [Ela disse]: ‘Você sabe de onde eu gosto e eu quero ficar lá’. E [ela] está lá até hoje.”

 

Revista Comunicação & Educação

O trabalho de Lourival faz parte da mais recente edição do periódico do Departamento de Comunicações e Artes (CCA), intitulada Abordagens educomunicativas a partir da linguagem, cultura pop e redes. Este número nasce, segundo o editorial, a partir da esperança perante os desafios que devem ser encarados nos próximos anos. Depois de uma pandemia e do mandato presidencial de 2018-2022, os editores se empenham numa complexa jornada de reconstrução de “projetos inclusivos, democráticos e libertadores”.

Para discutir essa temática, as publicações dessa edição se dividem em três grandes áreas: linguagem, literacias midiáticas e presença das tecnologias na educação, em particular considerando o ensino remoto que emergiu no período agudo do coronavírus. Acesse a revista na íntegra para conferir os artigos. 
 

 

 


Imagem de capa: reprodução/Jornal da USP