Ferramentas do jornalismo têm potencial para promover educação de qualidade
A educomunicação e o jornalismo andam lado a lado e contribuem para cumprimento do 4° ODS, segundo artigo publicado na Revista Comunicação e Educação
A Revista Comunicação e Educação traz, em sua última edição, o artigo Agenda 2030: a potencialidade do jornalismo. Como o Jornalismo se faz presente na educação de qualidade, contribuindo para o 4º objetivo de desenvolvimento sustentável. O artigo foi produzido pela doutoranda Ivone Ananias dos Santos Rocha, e pela professora Rita de Cássia Romeiro Paulino, ambas do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (PPGJOR/UFSC).
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
O desenvolvimento sustentável, conceito adotado em 1987 no Relatório Brundtland, “é o desenvolvimento que encontra as necessidades atuais sem comprometer a habilidade das futuras gerações de atender suas próprias necessidades”. Após diversas discussões entre lideranças mundiais, cientistas e organizações, a fim de proteger o futuro do planeta, no âmbito econômico, social e ambiental, foram criados os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) no ano de 2015, em Nova Iorque.

A Organização das Nações Unidas (ONU) define os ODS como “um apelo global à ação para acabar com a pobreza, proteger o meio ambiente e o clima e garantir que as pessoas, em todos os lugares, possam desfrutar de paz e de prosperidade”. Eles se desdobram em 169 metas a serem atingidas até 2030 pela sociedade civil, governos e setor privado.
Educação de Qualidade, o quarto objetivo da agenda e objeto de estudo do artigo, busca “garantir o acesso à educação inclusiva, de qualidade e equitativa, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos”, segundo a Organização. Ou seja, inserir todos os indivíduos de uma população num sistema educacional de qualidade e igualitário, que desenvolva pensamento crítico, cidadania e oportunidades no mercado de trabalho.
Relações entre jornalismo e educação
As pesquisadoras relacionam o jornalismo com a educação através de duas abordagens: a proximidade entre a função do professor/educador em ecossistemas comunicativos, de questionar acontecimentos, ouvir histórias e transmitir informações, com a função do jornalista e do jornalismo de “refletir sobre pessoas, sociedade e contextos sociais, da mesma forma que a educação”.
Elas se baseiam em diversos teóricos para propor tais paralelos, entre eles Mark Deuze e Paulo Freire. O segundo, importante educador e filósofo brasileiro, diz em Educação e Mudança: “O homem pergunta-se: Quem sou? De onde venho? Onde posso estar?”. Não coincidentemente, tais perguntas também são feitas por um jornalista que exerce função de repórter. Quem é este sujeito que, na realidade, está noticiando? De onde veio e para onde pretende ir ao fazer tal reportagem? Como se insere na história que está contando? O educador, analogamente, depara-se com alunos em realidades diferentes, muitas vezes ímpares, e procura adaptar-se ao contexto de cada um para trabalhar com a metodologia mais adequada a esse contexto, segundo o estudo.
Além disso, o artigo também aborda a semelhança entre alguns critérios de escolha de notícias do jornalismo, que são os pontos cruciais para despertar o interesse do leitor pela notícia, como a improbabilidade e a proximidade com o público, com a escolha do conteúdo curricular. Esse processo de escolha pode relacionar o conteúdo à realidade do aluno, buscando pontos que despertam sua atenção e curiosidade e, consequentemente, gerando interesse no aprendizado.
Ensino formal, não formal e informal
O ensino, segundo o artigo, pode ser dividido em: ensino formal, ensino não formal e ensino informal.
O ensino formal é aquele oferecido pelas escolas com conteúdos previamente estabelecidos e trabalhados nas aulas das disciplinas conhecidas. Nessa forma de ensino, os educadores são os professores.
O ensino não formal tem como principal agente educador o sujeito com quem se interage e se integra; o outro. Por exemplo, uma fonte em uma entrevista jornalística, por compartilhar seu conhecimento e experiências com o repórter.
No ensino informal, os agentes educadores são “os pais, a família em geral, os amigos, os vizinhos, colegas de escola, a igreja paroquial, os meios de comunicação em massa”.
Projeto Memórias em Rede

Desde 2018 atuando na rede pública municipal de Santos, SP, o Memórias em Rede traz práticas educomunicativas para a sala de aula. Seus alunos praticam o jornalismo de forma lúdica a fim de trabalharem a escuta, a escrita e a alteridade com suas próprias memórias e as de outras pessoas, e desenvolvem o pensamento crítico, responsabilidade social e cidadania.
De acordo com o estudo, na função de repórteres, os estudantes “editam suas manchetes pessoais, escrevem e discutem memórias afetivas, entrevistam pessoas, fotografam situações importantes e reproduzem tudo isso aos seus públicos, via a própria escola ou ferramentas digitais, como redes sociais, plataformas de vídeos ou portais de internet”.
Essa forma de ensino não-formal tem o objetivo de lançar um olhar sobre as experiências vividas no projeto e na vida do estudante e contextualizá-las no conteúdo visto em sala de aula. Ela utiliza da Metodologia dos Círculos, que remete aos “círculos de cultura” de Paulo Freire, na qual estudante e docente saem dos papéis tradicionais desempenhados em sala de aula e criam um espaço de diálogo e participação ativa a partir das experiências de vida de cada um. Ou seja, é trazer a vida para a sala de aula e vice-versa.
Como o projeto contribui para o 4° Objetivo de Desenvolvimento Sustentável
O Memórias em Rede caminha para o cumprimento do 4° ODS através das ferramentas jornalísticas e educomunicativas. O projeto traz a seus estudantes uma forma de ensino que extrapola o ambiente da sala de aula, exercita a capacidade de cidadania de cada um e apoia o modelo não formal de educação.
“Ao exercitar o jornalismo na sala de aula, em outros espaços da escola ou no território, alunos e educadores rumam em direção ao conhecimento, ao pensamento crítico e à consciência de cidadania.”
Ivone Ananias dos Santos Rocha e Rita de Cássia RomeiroPaulino, pesquisadoras
No escopo do quarto objetivo, há 7 metas a serem cumpridas para que ele seja devidamente atingido. Entre elas, a meta 4.3, “assegurar a equidade de acesso e permanência a educação profissional e superior de qualidade gratuita ou a preços acessíveis”, é contemplada pelo Memórias em Rede através do tráfego do jornalismo pelas diversas áreas do conhecimento, facilitando ao aluno conhecer uma área do conhecimento que pode atraí-lo e, posteriormente, encorajando-o a ingressar no ensino superior.
A meta 4.5, “eliminar as desigualdades na educação, garantindo a equidade de acesso, permanência e êxito em todos os níveis, etapas e modalidades de ensino”, é contemplada pela abrangência de público que o projeto tem, com crianças de distintas classes sociais, e pela comunicação horizontalizada, “dando oportunidades iguais a todos, a partir de suas diferenças, gerando compreensão e respeito mútuo”, segundo as autoras.
Revista Comunicação e Educação
A Revista Comunicação e Educação é um projeto do Departamento de Comunicações e Artes (CCA) da ECA. Criada em 1994, defende uma leitura crítica dos meios de comunicação e busca, através da transdisciplinaridade, entender como a apropriação da linguagem da comunicação pode promover narrativas comprometidas com a democracia, cidadania e respeito aos direitos humanos.

Em sua última edição, v.28 n.2, publicada em 23 de dezembro de 2023, traz o questionamento do papel da comunicação no contexto atual, marcado pelos desdobramentos pós governo Bolsonaro, negacionismo científico, negligência à educação e saúde, ameaças à democracia, entre outros, e duas grandes guerras simultâneas, a guerra da Ucrânia e a guerra na Faixa de Gaza. Hoje estamos mais próximos da construção de um diálogo, esclarecendo a realidade, ou a guerra informacional é tão grande que as fake news são realmente as novas protagonistas, colocando a desinformação nos holofotes?
Com a sua abordagem de intersecção entre a educação e a comunicação, está dividida em três seções: nacional, internacional e de experiência. Traz uma entrevista, poema, artigos, relatos de experiências práticas, resenhas e experiência em sala de aula. O artigo destacado anteriormente se encontra na categoria nacional.
Possui, também, duas publicações com participação de pesquisadoras ecanas. A educomunicação socioambiental na Rede Municipal de Educação de São Paulo: histórico e análise a partir das perspectivas socioambiental, territorial e democrática, é um artigo produzido por Thaís Brianezi, professora do Departamento de Comunicações e Artes (CCA) da ECA, Carlos Lima, Ednéia Oliveira e Carmen Gattás. O texto trata do histórico da educomunicação socioambiental na Rede de Ensino Municipal de São Paulo, analisando essa experiência a partir da perspectiva socioambiental, territorial e democrática.
A resenha Minamata: a tragédia exposta no documentário de Noriaki Tsuchimoto e nas fotografias de William Eugene Smith foi escrita pela doutora em Ciências da Comunicação pela ECA, Maria Ignês Carlos Magno. Ela escreve sobre o filme O fotógrafo de Minamata (2020), que tem como temática central o desastre ambiental de Minamata, no Japão. A autora, além de analisar o filme, usa-o como pretexto para falar de artistas que registram e denunciam o mundo por meio de sua arte para além do que é noticiado pelos meios de comunicação.