CCA | Departamento de Comunicações e Artes



Telenovelas e os modos de envelhecer

Artigo discute o impacto das telenovelas na forma que a sociedade encara o envelhecimento, principalmente o das mulheres

Vida acadêmica

Questões relacionadas aos mais diversos tipos de preconceitos sempre aparecem de alguma forma na mídia. Um desses preconceitos é o de idade – conhecido também como etarismo –, que atinge mulheres de forma particular. Esse e outros aspectos da representação da velhice em telenovelas são analisados no artigo Precisamos discutir sobre a velhice na telenovela brasileira, publicado no livro Comunicação, Educação e Consumo: as interfaces da teleficção.

O texto é de autoria de Gisela Castro, professora da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e Maria Aparecida Baccega, docente do Departamento de Comunicações e Artes (CCA) da ECA falecida em janeiro de 2020.  As pesquisadoras afirmam que a telenovela, pela sua importância como produto cultural, contribui para a constituição social dos sentidos atribuídos à velhice, já que a imagem do processo de envelhecimento construída através das telas se faz  presente no imaginário da população. 

 

Estereótipos e  anti-estereótipos
 

O artigo destaca a existência de uma diferença de  visão sobre o envelhecimento de  homens e mulheres.  Para os homens, a idade avançada lhes confere charme e estilo, ao contrário das mulheres, que são pressionadas a seguir um ideal antienvelhecimento. Tendo em mente esse cenário, as autoras apresentam recortes marcantes de telenovelas brasileiras do período de 2000 a 2015, focando a discussão na velhice feminina.

 

“A cenografia, o enredo, o elenco e os personagens das  telenovelas funcionam como vitrines por meio dos quais os telespectadores podem apreender estilos de vida e modos de ser atrelados aos mais variados bens, valores e práticas sociais.”

Gisela Castro, professora da ESPM, e Maria Aparecida Baccega, docente da ECA

 

A partir daí, é possível pensar sobre as formas que a sociedade cria e replica  estereótipos de velhice.

Foto de três pessoas. Da esquerda para a direita: o personagem Leopoldo, um homem idoso de cabelos grisalhos e óculos de lentes escuras e camisa amarela, a neta Dóris, uma jovem de cabelos longos castanhos e roupa laranja, e Flora, idosa de cabelos brancos curtos e de camiseta azul. Dóris está no meio abraçando os avós pelos ombros. Os três sorriem.
Da esquerda para a direita: Leopoldo (Oswaldo Louzada), a neta Dóris (Regiane Alves) e Flora (Carmem Silva). Foto: Reprodução / TV História

A primeira novela que o artigo traz para discussão é Mulheres Apaixonadas (2003), de autoria de Manoel Carlos, em que um dos núcleos narrativos conta com o casal de idosos Leopoldo e Flora,  interpretados por Carmem Silva e Oswaldo Louzada.  Na trama, eles  são maltratados pela neta, Dóris, vivida por Regiane Alves. As agressões sofridas pelo casal na ficção provocou debates sobre violência doméstica, sobretudo a que atinge  idosos. A novela também explorou  a questão do empobrecimento na velhice após a aposentadoria e a falta de compreensão dos mais  jovens sobre problemas relacionados ao avanço da idade.

Outra novela analisada é Belíssima (2005), escrita por Sílvio de Abreu, que traz Fernanda Montenegro no papel de Bia Falcão, uma septuagenária rica e cruel que conduz uma empresa de porte internacional e controla com rigor a vida dos netos. A novela apresenta o fenômeno da feminização  da velhice, que se deve à maior longevidade das mulheres em relação aos homens. Belíssima também se destaca por trazer para a trama uma idosa sexualmente ativa. “A vida sexual ativa tem sido promovida como exigência para o envelhecimento bem sucedido”, segundo as autoras.

Foto de duas mulheres idosas se beijando nos lábios. Teresa está com uma roupa rosa, usando brincos e um colar e tem cabelo curto e castanho com mechas grisalhas. Estela está de roupa preta, brincos e tem cabelos curtos majoritariamente brancos.
Beijo das octogenárias  Teresa (Fernanda Montenegro) e Estela (Nathalia Timberg). Foto: Reprodução / ego.globo.com

A questão da velhice sexualmente ativa também aparece em Passione (2011), também de Sílvio de Abreu, onde Cleyde Yáconis interpreta a excêntrica Brígida Gouveia, que possui relações extraconjugais dentro de um triângulo amoroso considerado divertido pelo público. A situação na novela leva as autoras “a ponderar sobre a sempre tênue fronteira entre humor e o deboche no tratamento dado à temática da sexualidade dos mais velhos.”  

Os temas da homoafetividade e homossexualidade também aparecem na novela Babilônia (2015), escrita por Gilberto Braga. No primeiro capítulo, o casal de idosas interpretado por Fernanda Montenegro e Nathália Timberg dá um beijo.  A cena teve  recepção negativa pelo público na época, o que levou a modificações na história visando “maiores índices de uma audiência que majoritariamente pressupõe a heterossexualidade como norma.

 

Um mercado promissor
 

Sem pretender apresentar um olhar definitivo sobre tais questões, mas sim abrir um campo de discussão para um debate que é muito necessário,  as autoras salientam  que as telenovelas contribuem para estimular a discussão, dentro do grande público, sobre  temas referentes à velhice que são considerados tabus. Além disso,  muitas das personagens idosas que aparecem nas telenovelas analisadas desafiam o senso comum, que tradicionalmente confere debilidade e desvalor aos mais velhos. 

Para Gisela e Maria Aparecida,  esse jeito mais respeitoso e multifacetado de representar a velhice pode estar relacionado, também, com a necessidade de se conquistar e manter a audiência do público mais velho, “um segmento de mercado que se torna majoritário e que passa a ser percebido como um filão comercialmente promissor.”

 

Livro Comunicação, Educação e Consumo
 

A publicação Comunicação, Educação e Consumo: as interfaces da teleficção foi realizada pelo grupo de mesmo nome, coordenado pela professora Maria Aparecida Baccega até 2019. Este grupo objetiva tratar da incorporação das reflexões sobre comunicação e consumo às conquistas teórico-práticas dos campos da Comunicação e Educação.

 

 

 


Imagem de capa: Fernanda Montenegro como Bia Falcão. Foto: reprodução / Correio Brasiliense