Como a comunicação contraintuitiva influencia o consumidor?
Artigo de ecanos em revista científica da PUC-RS conduz experimentos para entender a influência da comunicação contraintuitiva
A comunicação publicitária é, além de uma estratégia mercadológica, um produto social. Ela reflete a cultura da sociedade e por isso está em uma busca constante de compreender como representar e atender essa cultura.
Revista Famecos
Criada em setembro de 1994, a Revista Famecos é uma publicação do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Como uma ferramenta de influência na construção do imaginário social, o discurso publicitário muitas vezes perpetua e reproduz padrões para alcançar a aprovação de parcela majoritária da sociedade, como analisa o artigo A comunicação contraintuitiva para além do interesse mercadológico: experimentos com consumidores, de Tais Pasquotto Andreoli, pós-doutora em Comunicação pela ECA, Leandro Leonardo Batista, docente do Departamento de Relações Públicas, Propaganda e Turismo (CRP) e do Programa de Pós-graduação em Ciências da Comunicação (PPGCOM), e Vinicius Alves Sarralheiro, formado em Publicidade e Propaganda na ECA, mestre e doutorando em Ciências da Comunicação pelo PPGCOM.
Mas, assim como a comunicação pode perpetuar estereótipos, ela também pode questioná-los. É o que propõe o conceito de comunicação contraintuitiva e, por meio dele, a comunicação publicitária pode se desvencilhar do discurso hegemônico. A comunicação contraintuitiva pode ser entendida como “uma tentativa deliberada de se argumentar contra o senso comum, buscando o rompimento dos estereótipos tradicionais presentes na sociedade”, como explicam os autores.
Esse tipo de comunicação busca, para além de apenas um reflexo do que a maior parte da sociedade pensa, servir como questionamento desses valores morais. A partir disso, o artigo analisa a influência da comunicação contraintuitiva, mais especificamente da inserção dos aspectos de raça e sexualidade na reação do consumidor a um produto e a uma marca.
“Não julgue, beije”
Para entender mais sobre a comunicação contraintuitiva e seu impacto no consumidor, os autores escolheram uma campanha para análise, a Não julgue, beije, veiculada pela marca de creme dental CloseUp. Nas fotos para a publicidade, diversos casais se beijam com o slogan da campanha escrito na pele. Há uma variedade na representação dos casais, como casais interraciais, heteroafetivos e homoafetivos.
Os pesquisadores conduzem um experimento dividido em duas etapas para a análise da recepção do consumidor. Inicialmente, foram levantadas duas hipóteses que seriam confirmadas ou refutadas pelo experimento: a reação à presença de indivíduos negros/pretos como protagonistas da propaganda terá uma valência positiva e a reação à presença de indivíduos homossexuais como protagonistas da propaganda terá uma valência negativa.
A primeira etapa — denominada etapa exploratória — foi realizada com uma amostra de 61 pessoas, com idade média de 21 anos, majoritariamente do sexo feminino (64%), solteiras (95%), de orientação heterossexual (71%) e autoidentificadas como brancas (58%). As duas principais métricas utilizadas foram a tolerância à liberdade de expressão de públicos minoritários e a manifestação do preconceito a eles.
Nessa etapa, algumas assertivas foram mostradas para a amostra, que atribuiu uma nota de concordância de zero a 10, sendo zero discordo totalmente e 10 concordo totalmente. Além da pesquisa de concordância, também foi utilizado o monitoramento ocular, ou eyetracking, que permite analisar a atenção visual e que partes da imagem retêm mais atenção que outras.
Já a segunda etapa — etapa explicativa — foi realizada de maneira online e coletou os dados por meio de três métricas de interesse: avaliação do produto, reação emocional à propaganda e identificação do preconceito dos respondentes. Com uma mostra de 151 pessoas, os participantes também atribuíram uma nota de concordância para cada uma das assertivas. A amostra possuía idade média de 23 anos, majoritariamente mulheres (57%) e solteiros (86,7%).
O impacto da comunicação contraintuitiva
Com a análise das amostras, as duas hipóteses iniciais foram confirmadas. Os autores descrevem que, na primeira etapa, foi verificada uma maior consciência em relação ao fator raça e orientação sexual, que pode ter sido influenciada pelo perfil da amostra, que tinha grande presença do público jovem e universitário.
Já na segunda etapa, foi possível observar que os dois fatores tiveram impacto na percepção dos consumidores, mas de formas opostas: o fator racial teve uma valência positiva, enquanto a orientação sexual teve uma valência negativa.
Com os resultados dessa análise, os autores afirmam que a comunicação contraintuitiva continua a se mostrar necessária. Apesar de ter sido utilizada na questão da representatividade racial, essa ferramenta ainda tem um papel importante de questionamento e representatividade de casais não heteroafetivos. “Mais do que cobrar esforços midiáticos organizacionais neste sentido, deve-se buscar e lutar pela promoção de uma ampla discussão em meio a sociedade, a fim de [que] os tradicionais discursos hegemônicos sejam de fato questionados e desconstruídos”.
Por fim, os três pesquisadores ressaltam que no estudo, os dois fatores foram tratados de maneira separada, mas que, como uma direção futura, o exercício da interseccionalidade, ou seja, olhar para essas duas questões de maneira conjunta, é um caminho a se percorrer.