Institucional



Memória, representação e diálogo nos 70 anos da Bienal

Em cartaz até 5 de dezembro, 34ª edição da Bienal de São Paulo traz diferentes vozes em suas mostras. Carmela Gross e Regina Silveira, docentes da ECA, integram o grupo de 91 artistas com obras em exposição
 

Comunidade

Um meteorito sobrevivente ao fogo e uma boneca ritxòkò que não teve a mesma sorte. Serpentes infláveis que representam uma entidade indígena sem começo nem fim e a força da floresta na arte de Uýra, a “árvore que anda”. Um auditório onde norte-americanos discutiam aos gritos o preço do milho e os rostos assustados de pessoas pintadas em nanquim. A 34ª edição da Bienal de São Paulo apresenta uma mistura de vozes que cantam a memória, a representação e o diálogo. 

Essa história começou 70 anos atrás, em 1951, com Ciccillo Matarazzo e sua esposa, Yolanda Penteado. Responsáveis pela inauguração da primeira exposição de artes modernas realizada fora dos grandes centros culturais europeus e norte-americanos, o casal trouxe para o Brasil quase duas mil obras de 25 países diferentes. Agora, em sua 34ª edição, a Bienal retorna com o tema Faz escuro, mas eu canto. 

O nome remete a um verso do poeta amazonense Thiago de Mello e traz a ideia de esperança em um momento em que a pandemia ainda manifesta o amargor de suas consequências. Com esse sentimento, a Fundação Bienal decidiu expandir a edição para além do já conhecido pavilhão do Ibirapuera. As mostras se espalham por diversas instituições, como o Museu de Arte Contemporânea (MAC), a Pinacoteca, o Sesc Pompeia e o Museu de Arte Moderna, entre outras. 

Segundo Martin Grossmann, professor do Departamento de Informação e Cultura (CBD), esse foi um movimento necessário para integrar ainda mais o público com o evento. “Se analisarmos no âmbito geral tivemos uma mudança muito significativa na estrutura da cidade e os museus participam ativamente disso, juntamente com os centros culturais. Essa diversidade de instituições é fundamental para manter essa chama de São Paulo como capital de cultura.”

Com mais de mil obras expostas, esta edição evidencia a pluralidade de olhares na arte. Martin, que é especializado no estudo de museus e foi monitor e assistente de curadoria na Bienal de 1983, acredita que isso se deve em especial à nova geração de curadores. “Eles tiveram tempo de traçar relações com discussões hoje fundamentais na cultura que extravasam o universo das Belas Artes, por meio do diálogo com outras realidades, como a periferia e o movimento indígena.”  

Verônica Veloso, professora do Departamento de Artes Cênicas (CAC), participou pela primeira vez de uma Bienal este ano, integrando uma roda de conversa proposta pela instalação Deposição, de Daniel de Paula, Marissa Lee Benedict e David Rueter. A obra é uma remontagem de uma arquibancada da Bolsa de Valores de Chicago, onde se discutiam valores de produtos agrícolas, e está sendo usada para encontros e debates. “A ideia tem a ver com uma ocupação e ao mesmo tempo um desvio dos usos originais dessa estrutura”, ela explica.  

Para a docente, a exposição de artistas diversificados e a profusão de perspectivas de mundo são parte do movimento de aproximação com os espectadores que a arte contemporânea aspira. “A proposta de reunir obras pautadas nas questões identitárias, sobretudo de matrizes indígenas e africanas, parece muito oportuna. Vivemos um tempo de descrença, de medo, de violência social e simbólica e o título dessa Bienal já nos convoca a enfrentar esse tempo e, de algum modo, cantar.” 

 

 

A ECA nos 70 anos da Bienal

A Bienal de São Paulo sempre se moveu e se transformou de acordo com a história de seu tempo. Contou com a presença de artistas nacionais e internacionais, manifestações, boicotes, diferentes formas de expressão e muita experimentação. Uma das maneiras de comemorar seus 70 anos foi trazer para o evento artistas que estiveram presentes em edições anteriores. 

Foi esse o caso de Carmela Gross, professora do Departamento de Artes Plásticas (CAP), que participou pela primeira vez em 1969, edição que ficou conhecida como “Bienal do Boicote”. Na época, o golpe militar e a censura assolavam o Brasil e, com seus direitos à liberdade de criação negados, muitos artistas se recusaram a participar da mostra. 

Neste ano, Carmela remonta obras antigas como Barril e Presunto, que trazem uma visão sutil sobre a repressão da ditadura, ao apresentar a rua e seus símbolos como um local político. Boca do Inferno e Cabeças fazem parte da produção atual da artista e expressam seus sentimentos diante do momento atual vivido pelo país.

Regina Silveira, também professora da ECA no Departamento de Artes Plásticas (CAP), integra o projeto de expansão da 34ª Bienal com a mostra Regina Silveira: Outros Paradoxos, organizada pelo MAC. A artista participou de uma manifestação da Bienal de 1969 em Salvador, além das edições de 1981, 1983 e 1998. Ela também integrou a exposição '50 anos da Bienal', em 2001.

A exposição atual contém aproximadamente 180 trabalhos e é a maior retrospectiva da obra da artista. Para Ana Magalhães e Helouise Costa, curadoras da mostra, Regina se destaca por problematizar a realidade não apenas por meio da política. “Ela trabalha nas entrelinhas, em aspectos aparentemente banais, mas reveladores das tensões e contradições sociais”, observam.

Além de visitar gratuitamente as exposições, o público pode acompanhar a programação da Bienal na série especial que Martin Grossmann apresentará em sua coluna Na Cultura, o Centro Está em Toda Parte, transmitida pela Rádio USP.

Os episódios já disponíveis trazem discussões sobre a obra de Regina Silveira e a arquitetura por trás das exposições. “Primeiro estou falando da cidade, dos marcos modernistas e as características desse pavilhão. Tudo isso importa porque no fundo a curadoria é a construção de um mise-en-scène, um jogo de cena que vai fazer com que a gente se locomova pela Bienal de determinada forma”, ele explica. 

 

 

Conteúdos exclusivos e acessibilidade 

Entre as ações para comemorar o septuagésimo aniversário da mostra, a Fundação Bienal produziu um podcast em parceria com o portal UOL. Um dos integrantes da equipe do projeto foi Fernando Cespedes, doutor em comunicação pela ECA. 

O comunicador já possuía experiência com o formato graças à criação do podcast Ser Sonoro, lançado em 2020 como resultado de sua tese de doutorado. Este ano, ele foi convidado a participar da criação do podcast Bienal, 70 anos, como responsável pela trilha e sonorização, juntamente com a jornalista Laura Ming, também ex-ecana, que elaborou o roteiro. 

O podcast tem funcionado como outra ferramenta de difusão de conhecimento e cultura. “Embora o mundo das artes seja geralmente associado a nichos das classes altas ou pessoas mais velhas, o podcast tem atingido outros públicos e ajudado a popularizar a Bienal entre os mais jovens”, diz.

Fernando também ficou responsável pelo desenvolvimento do audioguia das exposições, criado com o auxílio da organização Mais Diferenças, especializada em inclusão e acessibilidade. Com o objetivo de “cutucar a subjetividade dos visitantes”, o audioguia foi produzido para funcionar como ferramenta de co-criação da experiência estética, permitindo uma percepção mais imersiva das obras. 

Para ele, a Bienal 2021 vem se destacando por sua representação. “Não me lembro de outra edição recente com a pluralidade de etnias, continentes, idiomas, corpos, orientações sexuais, culturas e gêneros. Por fim, em um momento de constantes ataques à cultura é importante saber que aqui em São Paulo, a cada dois anos e com entrada gratuita, acontece um dos mais importantes eventos de Arte Contemporânea do mundo. As pessoas precisam saber disso.”

Para conhecer mais sobre a história do evento você pode ouvir o podcast Bienal, 70 anos no UOL Splash, assim como nas plataformas de streaming mais conhecidas. O audioguia pode ser acessado no site da Bienal ou pelos QR Codes disponibilizados nas legendas das obras selecionadas. Por ser um audioguia inclusivo, ele também está disponível em Língua Brasileira de Sinais (Libras) na plataforma Musea.

 

Programe a sua visita

A 34ª Bienal de São Paulo está em andamento e vai durar até 5 de dezembro de 2021 no Pavilhão Ciccillo Matarazzo, no Parque Ibirapuera, em São Paulo. O horário de funcionamento é de terça, quarta, sexta e domingo das 10h às 19h; de quinta e sábado, das 10h às 21h. A entrada é gratuita. É necessário apresentar o comprovante de vacinação. Para visitar as exposições do MAC é preciso agendar horário pelo site.