Tempo para Iroko

- Círculo dos Irokos - Comunidade Quilombola Poço Dantas, Inajá (PE)
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- Entrevistas com Manoel Papai, Tio Valfrido e Pai Ceci
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- Imagens de documentos do Arquivo Público de Pernambuco - interpretação por Tiago Kfuzo Nagô
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- Tempo para Iroko, por Moacir dos Anjos
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Iroko é um dos Orixás mais antigos nas tradições religiosas de matriz africana, sendo cultuado no candomblé do Brasil pela nação Ketu. É ele quem rege o tempo, representando a ancestralidade dos que vivem no presente sob o signo dos que vieram antes. No início do mundo, ensinam os religiosos, Iroko habitava a primeira árvore plantada na terra, tendo sido através dela que os outros Orixás teriam descido do céu. Uma árvore por isso sagrada e que, no Brasil, afirma-se ser a gameleira branca, razão pela qual é costumeiramente cultivada em terreiros de candomblé. Árvore alta e frondosa que é a casa de Iroko e com este Orixá se confunde, guiando os acontecimentos e oferecendo proteção.
A exposição de Dália Rosenthal é resultado de projeto de pesquisa que tem início com o incêndio criminoso da gameleira branca que ocupava o Terreiro Ilê Obá Ogunté, conhecido como Sítio de Pai Adão, no Recife, em novembro de 2018. Ataque violento ao Orixá que ali vive e à comunidade que Iroko acolhe e cuida. Incêndio que provocou a queda da árvore dois meses depois e que faz parte de uma persistente agressão, através de leis persecutórias ou de atos ilícitos, a símbolos e práticas religiosos associados à população negra do Brasil. Passado um ano do ataque, o que restou do tronco do Iroko queimado foi novamente incendiado, impedindo sua possível recuperação.
A exposição – distribuída nas galerias Massangana e Baobá –, oferece indícios visuais desse fato e atesta, através das imagens e das vozes de líderes espirituais do Terreiro Ilê Obá Ogunté, a importância desse espaço de culto a que tantos pertencem para a cultura do Brasil. Confirma, por tais meios, a incomensurável violência que é queimar a árvore com que Iroko se mistura em entidade única. O projeto da artista não se resume, todavia, à denuncia de um dano material e de uma ofensa à religião de tantos. Construindo rede de pessoas e instituições diversas de Pernambuco – de babalorixás a agrônomos, do Terreiro ao Jardim Botânico – Dália Rosenthal cuidou para que mudas de gameleira branca fossem criadas e plantadas em lugares onde Iroko as possa habitar. Vestígios materiais desse processo são também incluídos na exposição, sem que com isso pretenda lhes dar permanência. Tudo, afinal, existe na passagem do tempo.
Valendo-se de práticas disciplinares e estratégias criativas diversas, a artista faz da arte uma encruzilhada onde temporalidades distantes se aproximam e se atravessam. Faz do espaço expositivo um lugar onde passado e presente se tocam para resistir à manifestação atual da violência racista fundadora do Brasil. Oferece, a Iroko, o tempo longo de vida das nascentes gameleiras brancas.
Moacir dos Anjos
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